PCP: Iniciativa sobre a Educação em Portugal

Os tempos que vivemos estão indubitavelmente marcados pela ofensiva neoliberal de liberalização dos serviços públicos. O país assistiu nos últimos anos, a par da ofensiva na saúde e na segurança social, à concretização de um conjunto de medidas pela mão desta maioria de direita, medidas que nem sempre tiveram o distanciamento do PS e até por vezes tiveram o seu apoio, que visaram a imposição da ditadura do mercado sobre os direitos sociais.

Ofensiva no plano ideológico e no plano legislativo, que tem empurrado a escola e o sistema educativo para uma profunda crise que se tem prolongado no tempo e que se situa em questões como a deficiente rede escolar, na falta de equipamentos, quer em quantidade, quer em qualidade, nas insuficiências de organização, nas aprendizagens e nas formações, mas também se situa nos valores e no prestígio da escola.

No centro desta ofensiva de matiz neoliberal, tem estado o objectivo de desvalorizar a escola pública com um conjunto de medidas que não contribuem antes pelo contrário para que aumente a qualidade das suas respostas. Foram os cortes sucessivos no financiamento, a falta de investimento nas condições de trabalho de alunos, professores e pessoal não docente, ou a criação de focos de instabilidade como aconteceu com a colocação de professores, situação que se pode vir a repetir no próximo concurso.

Medidas que têm como objectivo imediato a fragilização do ensino público e a promoção do ensino privado.

Esta tentativa de substituir o ensino público pelo ensino em escolas privadas, financiadas pelo estado tem constituído a principal linha privatizadora da educação e não pode deixar de ser vivamente combatida. A iniciativa privada mantém o direito de se constituir como alternativa para os cidadãos que por ela, de livre vontade, queiram optar, não podendo, no entanto, ser potenciada pelo constrangimento da rede pública.

No centro do confronto político e ideológico que se tem vindo a travar em matéria de educação e ensino, está uma questão central, que diferencia o nosso projecto dos projectos da direita e do próprio PS, que é o facto de defendermos uma escola que forme os alunos na perspectiva do trabalho, mas que simultaneamente os forme para a cidadania, para uma participação na vida política e social, o “homem total” como definiu Marx e não aquela que resulta da mercantilização da educação atribuindo-lhe um valor de troca, para desta forma sustentarem a tese neoliberal, de que quem quer saúde paga, quem quer educação paga, quem quer protecção social paga, apesar de já os ter pago com os seus impostos.

Se dúvidas existissem sobre este objectivo, a direita deixou-o bem evidente na sua proposta de “Lei de Bases da Educação”, onde o conceito de “rede pública” é substituído por “rede de ofertas educativas”. Desta forma os dinheiros públicos, tanto servirão para financiar uma escola pública como uma escola privada.

O reconhecimento da especificidade do ensino particular e cooperativo, dos seus direitos e da possibilidade de contratualização com ele pelo Estado, não altera o seu carácter supletivo e complementar, nem pode encontrar para isso abrigo no preceito que garante constitucionalmente a “liberdade de aprender e ensinar”, já que existe a obrigatoriedade constitucional do Estado criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Esta obrigação não autoriza a diluição da rede pública numa rede mais vasta, reservando ao Estado apenas um papel organizador do conjunto.

Para o PCP, o direito à educação e ao ensino é o direito de todos e de cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades, vocações e consciência cívica. Direito este que deve ser assegurado por uma política que igualmente assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e às dimensões que estes necessitam de dar resposta, desde a competência profissional e a qualificação, à cultura humanista e científico-técnica, à inovação e à criação.

Direito à educação que é assegurado por um sistema educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas e programas e meios financeiros e humanos que permitam o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses.

Ao Estado cabe o imperativo de democratizar o acesso de todos à educação, garantindo que não se verifiquem quaisquer tipos de discriminações, sejam de origem social, étnica, cultural, política, religiosa ou outras, a nenhuma das nossas crianças e jovens.

Uma política que olha para o investimento na educação não como um investimento considerado na lógica capitalista, mas um investimento na humanização da vida. Um investimento numa Escola Pública de Qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica.

Só assim é possível ultrapassar aquela que é certamente a expressão mais aguda da crise que se vive na educação, que é o facto de Portugal ter no quadro da União Europeia as segundas maiores taxas de insucesso escolar e abandono precoce.

Não deixa de ser elucidativo o facto de por exemplo, a percentagem de portugueses entre os 25 e os 64 anos que completou o ensino secundário passou de 19,9 em 92 para 20,6 em 2002, enquanto por exemplo a Grécia passou de 36,6 para 52,7 e a Espanha de 24 para 41,6, ou ainda o facto de num momento em que se fala muito de produtividade e da necessidade de aumentar os níveis de qualificação dos trabalhadores portugueses, segundo dados da OCDE em 2001, 80% dos portugueses apenas tinham ensino básico ou menos, enquanto a média na OCDE era de 33%.

Sendo a qualidade e a quantidade dos recursos humanos um dos factores determinantes da produtividade do trabalho e da moderna competitividade económica, compreende-se que aí se vá decidir, também, da efectiva capacidade de Portugal vencer o seu atraso em relação aos países mais desenvolvidos e de poder contrariar condições de cooperação internacional desiguais impostas pelos interesses desses países e das transnacionais.

Neste quadro, a educação, a ciência e a tecnologia não podem deixar de ser assumidas como vectores estratégicos para a aceleração do desenvolvimento e para a salvaguarda de decisão própria do nosso país.

Neste contexto, não podemos permitir que a reboque do chamado Processo de Bolonha seja diminuído o esforço público de investimento global na Investigação e Ensino Superior, seja reduzido o número médio de anos de formação superior, sejam reduzidos os níveis de qualidade e exigência, o número de docentes e se caminhe para a precarização dos vínculos laborais.

O estabelecimento de um sistema de restrições quantitativas globais no acesso ao ensino superior público (numerus clausus) em simultâneo com a liberalização da entrada no ensino privado através do regime de acesso, constituiu o mecanismo criado pelo Ministério da Educação, ao nível do fluxo escolar, para fazer avançar a privatização deste grau de ensino.

As universidades e os institutos politécnicos devem assim constituir centros de criação permanente de conhecimento e lugares de formação integral superior do indivíduo que permite encarar o conhecimento como um processo global, permanente, libertador, interdisciplinar e transdisciplinar, transmitindo-o ao nível do acto da sua produção permanente, com especial ênfase na capacidade de produzir mais conhecimento, e por isso mesmo preparando o indivíduo para se inserir em e participar na direcção de uma dinâmica social de transformação.

A Constituição da República estabelece o princípio da universalidade do direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades ao acesso e êxito escolar; o dever do ensino contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais; e a incumbência do Estado de garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino e estabelecer progressivamente a sua gratuitidade. Na prossecução deste objectivo é fundamental que o Estado financie adequadamente a Acção Social Escolar, para assim assegurar a igualdade de oportunidades de frequência do ensino, condicionando assim ao mérito e não a constrangimentos sócio-económicos.

É neste quadro de crise estrutural, com profundas repercussões no estado da educação em Portugal, o país precisa de uma coerente linha de construção de uma escola pública, gratuita e de qualidade, um ensino de alta qualidade, que cubra o objectivo de democratização e as necessidades educativas individuais e sociais e da economia, que o PCP propõe:

O desenvolvimento de uma política educativa que assuma a Educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do país e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar e educativo e à exclusão social e escolar.

O investimento numa Escola Pública de Qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica.

O alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, mantendo-se a duração de 9 anos para o ensino básico.

Aprovação de um modelo de concurso de professores que, consagrando princípios como o da anuidade do concurso, bem como o seu carácter público e nacional, se oriente para a estabilidade dos professores, condição indispensável para que estabilizem as escolas e as suas condições de funcionamento.

Valorizar os quadros das escolas fixando neles os professores, abrir vagas de acordo com as necessidades efectivas do sistema educativo, criar um regime dinâmico de vinculação de docentes contratados e revogar normas que subvertem as graduações profissionais e criam profundas injustiças.

A expansão do sistema público de Educação Pré-Escolar, articulado com a rede escolar do 1º ciclo, dando cumprimento à obrigação que a Constituição impõe ao Estado, garantindo a frequência universal gratuita e obrigatória no ano que anteceda o ingresso das crianças no ensino básico, bem como as condições para a universalidade da frequência a partir dos 3 anos e garantindo a curto prazo uma resposta de qualidade para a faixa dos 0 aos 3 anos.

A gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório.

O incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade com crescimento considerável das capitações para atribuição dos respectivos apoios e montantes limites previstos para as diversas áreas.

O desenvolvimento da resposta pública às necessidades de educação especial numa perspectiva de escola inclusiva, com incidência na formação especializada de professores.

A revisão dos curricula de modo a corresponder às necessidades do desenvolvimento actual da sociedade e da formação dos estudantes, segundo o princípio da igual dignificação das diversas vias do ensino secundário.

A promoção da educação de adolescentes e adultos numa perspectiva de formação permanente e recorrente, visando o combate ao analfabetismo e à iliteracia e a qualificação profissional, social e pessoal.

A aprovação de novos modelos de avaliação dos alunos, assentes em princípios de avaliação contínua, incompatíveis com a existência de exames decisivos e determinantes na selecção.

A valorização das carreiras docentes e a aprovação de carreiras específicas para outros técnicos de educação, através de processos negociais a desenvolver com as respectivas organizações sindicais e a resolução de incongruências legislativas ao nível das habilitações

No Ensino Superior:

Aprovar uma nova Lei de financiamento do ensino superior e a aprovação de novas regras mais justas, contidas num novo diploma legal, com a abolição das propinas. Os níveis de financiamento deverão ser adequados de forma a garantir um ensino e uma investigação de qualidade e que se afirmem autónomas do poder político e independentes do poder económico.

A garantia de liberdade de ensino e de aprendizagem.

A existência de grandes infra-estruturas estratégicas e do seu financiamento, ao contrário do caminho encetado pelo chamado «Processo de Bolonha» que contém em si dois objectivos não declarados mas óbvios: a elitização económica do Ensino Superior, condicionando-o assim aos interesses do grande capital; a privatização progressiva do ensino superior público. Estes objectivos põem em causa a soberania nacional na definição de orientações para o sistema educativo, razões pelas quais o PCP entende que devem ser combatidos com a participação da comunidade educativa neste processo.

A autonomia das instituições, na cooperação entre elas e, enquanto subsistir o sistema binário, na não discriminação relativamente ao subsistema em que se encontrem.

Gestão transparente e participação democrática de todos os agentes de comunidade académica na vida das instituições, na colegialidade das decisões, na prestação de contas à sociedade pela boa utilização dos dinheiros públicos e na constante preocupação coma eficiência de todas as actividades.

Um único sistema organizado de ensino superior de todas as universidades e institutos politécnicos, em que as instituições se distingam pelos objectivos e missões que definem no exercício da respectiva autonomia, com respeito pela identidade, especificidade e criatividade de cada instituição e a definição de um quadro geral de áreas científicas no ensino superior, ainda que flexível e não definitivo.

Combater situações de precariedade, de desemprego involuntário, de desmotivação, reconhecendo o bom desempenho dos docentes e criando paralelamente incentivos à mobilidade, bem como atribuir o subsídio de desemprego ao pessoal docente e investigador contratado por instituições do ensino superior e de investigação públicos.

Defender a liberdade de ensino e de aprendizagem, nos pressupostos de um ensino privado honesto e de qualidade, que respeite as orientações gerais para o ensino superior em Portugal e as determinações legais, nomeadamente o funcionamento democrático das instituições.

Partido Comunista Português

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