E agora, esquerda?

Realizou-se, no dia 31 de Março, um debate na Biblioteca-Museu República e Resistência, em Lisboa, subordinado ao tema "E agora, esquerda?". A organização era do jornal electrónico Pravda e contou com as intervenções de Cipriano Justo, Daniel de Oliveira, Henrique de Sousa e Mário Sottomayor Cardia. A mesa foi presidida por um representante do jornal, o Luís de Carvalho.

Todos os intervenientes declararam que estavam ali em nome pessoal e não a representarem partidos ou organizações cívicas. No entanto, a maioria deles não se escusou a falar do seu percurso político e onde se situavam actualmente no espectro partidário da esquerda. Assim, Cipriano Justo afirmou que tinha sido membro do Partido Comunista Português (PCP), e era actualmente co-fundador da associação política Renovação Comunista, tendo nas últimas eleições presidenciais pertencido à Comissão de Honra do candidato Manuel Alegre. Daniel Oliveira disse que pertencia ao Bloco de Esquerda (BE) e Henrique de Sousa sublinhou que sendo membro do PCP, não só não falava em nome deste Partido, como não seria o escolhido para seu representante no debate. Sottomayor Cardia não falou da sua actual filiação partidária, mas é público que foi um destacado membro do Partido Socialista (PS) e ministro em alguns dos seus Governos.

A inserção dos intervenientes no actual espectro partidário é importante para o debate que se seguiu. Primeiro, porque ninguém se afirmava como seguindo neste momento a linha oficial do PCP, segundo porque a sensibilidade ligada ao PS, e principalmente ao PS de Sócrates, não teve voz.

Ficou claro das intervenções dos convidados que a vitória de Cavaco Silva nas recentes Eleições Presidenciais resultou da divisão da esquerda e que isso tinha sido mau para ela. Por outro lado, houve consenso que a política seguida pelo actual Governo (Sottomayor Cardia não se pronunciou sobre isso) é hoje o seu principal inimigo.

A questão central do debate, e que constitui a principal divergência entre os dois representantes da área da esquerda comunista não alinhada e o do BE, foi a da unidade, principalmente ao longo destes três anos em que não se avizinham novos confrontos eleitorais. Cipriano Justo e Henrique de Sousa entendiam que a unidade era necessária em torno de objectivos concretos e o impulso para a mesma poderia ser lançada por movimentos ou organizações não directamente partidárias, mas era nos partidos que assentava essa unidade. Já Daniel Oliveira achava que essa unidade, que ele neste momento considerava ser muito difícil, só resultaria se houvesse um movimento social forte, que não exclusivamente sindical. Afirmou que ele próprio estava a contribuir para a unidade quando em conjunto com outras pessoas lutava no seu bairro para que não se fizesse naquele local um condomínio privado e que era o reforço destas e doutras organizações sociais de base que poderiam, a seu tempo, dar origem a uma futura unidade da esquerda. Daniel Oliveira mostrou claramente que neste momento, e porque não se perfila nenhum perigo fascista ou de extrema-direita, como, por exemplo, em Itália, com Berlusconni, não faz muito sentido a unidade da esquerda. Não é pela unidade pela unidade. Citou, por exemplo, as eleições presidenciais, onde, segundo ele, a unidade com Manuel Alegre era inviável, porque era um candidato reaccionário.

Quanto a Sottomayor Cardia não se pronunciou sobre a unidade da esquerda, enveredando antes por uma lição resumida sobre as diversas correntes do socialismo ao longo dos séculos XIX-XX.

O significado da votação em Manuel Alegre foi um dos temas bastante glosado em toda a reunião. Se ficou claro que ninguém acreditava que Manuel Alegre iria chefiar um novo partido, os intervenientes mais à esquerda acharam que mais de um milhão de votos que este teve era uma realidade política importante, que não poderia ser subestimada. Apesar de Daniel Oliveira achar que muitos dos votos eram de desespero, que nesta coisas nunca é boa conselheira. A votação em Manuel Alegre é para Cipriano Justo uma realidade nova, que a não ser canalizada para esquerda poderá ser aproveitada pela direita.

Um outro tema lançado pelo próprio presidente da mesa foi se o trabalho mantinha ainda a centralidade do combate político. Daniel Oliveira, não subestimando a sua importância, considerava que havia outros temas que dividiram as pessoas, como o ambiente, a questão do género ou de orientação sexual ou ainda a imigração, com o consequentes problemas culturais e religiosos que isso acarreta. Para Henrique de Sousa a questão do trabalho e portanto as questões das relação de classe são centrais na luta política, sobrepondo-se e explicando muitas das outras questões.

A partir das intervenções iniciais dos convidados o debate foi aberto ao público em geral, tendo as intervenções sido em volta destes temas.

Como conclusão final, e sem referir Sottomayor Cardia, cuja intervenção tinha, como se disse, objectivos diferentes, verificou-se que mesmo entre os convidados de sensibilidades políticas próximas era difícil enquadrar, com o mínimo de conteúdo, os problemas da unidade de esquerda. A única coisa que une os intervenientes é a crítica à política seguida por este Governo, que segundo Cipriano Justo é a do bloco central dos interesses, com o pé esquerdo no Governo e o pé direito na Presidência da República.

Jorge Nascimento Fernandes

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