A importância de um folclore pragmático e contemporâneo

Mas em outros, há muito o que ainda ser feito. O mesmo têm acontecido em países em processo de integração semelhante ou mais avançados como, por exemplo, os da União Européia.

Perguntas sobre o que nos é específico e sobre o que nos integra aos outros povos do mundo sempre foram feitas em obras ?explicadoras? do Brasil como Retrato do Brasil, 1928 (Paulo Prado, 1869 ?1943); Casa Grande & Senzala, 1933 (Gilberto Freyre, 1900 ?1987); Raízes do Brasil, 1936 (Sérgio Buarque de Holanda, 1902 ? 1982); Viva o Povo Brasileiro, 1994 (Darcy Ribeiro, 1922 ? 1997) dentre outros. E é precisamente isso que o estudo do folclore pretende responder. A cultura popular tem o poder de formar ou de fazer renascer a cultura de um país. A Finlândia, por exemplo, cujos estudos da tradição oral sempre gozaram de prestígio internacional, o Kalevala (1835-1849), a epopéia de Elias Lönnrot que se baseia na poesia oral, desempenhou um papel primordial no nascimento da literatura, da arte e dos estudos humanísticos em língua finlandesa, no século XIX. Na Finlândia há mais de cem anos o folclore é uma cadeira universitária e os estudos da tradição oral sempre gozaram de prestígio internacional.

O recolhimento, o registro e a catalogação dos materiais das tradições e da cultura popular permitem estudar todas as épocas históricas e todos os modelos culturais de uma sociedade. O caso de Camonge é um exemplo interessante, pois o pícaro da tradição puramente oral do sertão nordestino que nada mais é do que o poeta português Luís de Camões. Pelas histórias de Camonge é possível traças paralelos entre do Portugal do século XV ao sertão brasileiro contemporâneo. Mas como é possível que estórias recolhidas no século XXI nos abram portas para mundos tão distantes no tempo? A resposta são as remotas regiões rurais do sertão nordestino que funcionam como um congelador cultural, preservando não só os modos de subsistência como também as respectivas mentalidades e concepções do mundo, cristalizados e expressos na tradição oral. Todavia, os pesquisadores não precisam ficar olhando para o passado, pois podem escolher como objeto de estudo o folclore e a cultura popular atuais. Há ainda quem só associe o folclore ao passado. Assuntos como os jogos infantis praticados pelas crianças na escola ou em seu tempo livre e as despedidas de solteiro são temas que podem muito bem ser objeto de estudo folclorístico. Além disso ainda há os weblogs, os diários virtuais, e os diários de papel escritos à mão que podem muito bem ser temas de pesquisa contemporânea.

Especificamente no sertão, temas como forrós e vaquejadas atuais são temas dignos de uma excelente pesquisa.

A muito o que aprender com os outros povos em matéria de estudos da tradição oral, mas isso de uma forma que venha a acrescentar e não de uma forma que nos submeta, nos oprima e nos diminua a percepção que temos de nossa própria cultura. Mas ao mesmo tempo, não se espera que a mídia, especialmente a de entretenimento puro e simples entenda questões como essa ou tenha interesse em entendê-la e aplicá-la ou corrigir o rumo de suas produções equivocadas.

Como por exemplo, o programa infantil "No reino da imaginação" da apresentadora Xuxa Meneguel. Neste programa ela costuma apresentar estorinhas inspiradas em personagens como Peter Pam, fadinhas, guinomos e duentes e coisas do gênero criadas pelos estúdios Disney. No fundo, a maioria desses personagens, como no caso dos duentes, são representações da cultura popular dos países europeus dos quais os Estados Unidos receberam maior número de imigrantes, como a Irlanda.

Esses imigrantes levaram além de sua língua, sua culinária e seus costumes, eles também trouxeram para a América as superstições, fábulas e mitos europeus. Walt Disney sabiamente se utilizou disso para ajudar a criar seus personagens infantis. Até aí tudo bem, o problema é quando produtores e apresentadores dementes de programas infantis se utilizam disso como conteúdo de seus programas, tendo nós o nosso próprio folclore para nos basear.

Bibliografia para isso não falta, obras de Câmara Cascudo a Monteiro Lobato. Que é tão rico e curioso (inclusive para as crianças) quanto o da Irlanda. Pode parecer exagero, mas quando uma criança só vê Peter Pan e duendes na TV, ela tende a achar que a mula sem cabeça, o saci e o negrinho do pastoreio são inferiores.

Não é uma questão de xenofobia ou nacionalismo, mas o folclore brasileiro não é inferior nem superior a qualquer outro, apenas é tão bom quanto qualquer outro.

O folclore brasileiro deveria estar no dia-a-dia das produções televisivas e cinematográficas, dessa forma ele seria associado facilmente pelas pessoas ao novo, em vez de ser associadas a livros chatos e velhos que geralmente ficam mofando no fim das prateleiras de uma biblioteca pública. Não é à toa que quando surge um diretor de cinema como Guel Arrais que utiliza elementos da cultura popular em suas obras cinematográficas que logo arregimenta uma legião de admiradores e patrocinadores surpresos com sua originalidade.

Mas a fonte que Guel bebe, não é um privilégio só dele. Ela está aí, ao alcance de todos. Só pessoas como Xuxa são incapazes de perceber isso e o folclorista existe também para lembrar a todos que não há porque ter vergonha da própria herança cultural. Não é a toa que há uns dois anos a jovem atriz e jornalista do interior do Rio Grande do Norte Titina vem conquistando espaço na mídia local e nacional desde que apareceu em um programa do Fantástico da TV Globo mostrando as encenações da paixão de cristo no interior do Estado.

Ela conquistou esse espaço sendo ela mesma, ou seja, sem procurar esconder seu sotaque e sua maneira de agir muito fiel a de seu povo sertanejo. Ela não procurou imitar as paulistas ou as cariocas. Ela foi original de uma maneira que Xuxa nunca conseguirá ser.

Adriano COSTA PRAVDA.Ru RIO GRANDE DO NORTE BRASIL

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