A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E SEUS BODES EXPIATÓRIOS

A política brasileira é realmente estranha: as opiniões e os atos dos partidos mudam ao sabor do vento. O PFL, aliado importante do governo de Fernando Henrique Cardoso, que ajudou o ex-presidente a promover um brutal aumento da carga tributária (que passou de 25% para 35% do PIB), agora aparece na televisão dizendo que vai defender a economia nacional dos riscos de um aumento dos impostos.

E o PT, que na oposição defendia os servidores públicos, atacava o governo anterior por não dar aumentos decentes a seus funcionários, e foi um dos principais responsáveis pela não aprovação da proposta de reforma da previdência, dá agora um aumento de 1% no salário dos servidores federais (sendo que o "neoliberal" FHC tinha reservado recursos no orçamento para dar um aumento de 2,5%, também insignificante, porém mais do que o dobro do oferecido por Lula) e propõe uma reforma da previdência ainda mais dura para com os servidores do que a planejada por FHC. Os partidos aqui parecem ser todos iguais, apenas trocam de máscara de acordo com a situação, se fazem parte do governo ou da oposição.

Agora que vai ser examinada e votada no congresso, em convocação extraordinária, a reforma da previdência tem sido muito comentada e debatida no Brasil; infelizmente, de maneira mais a desinformar do que esclarecer. Os meios de comunicação, em geral, têm feito uma campanha difamatória contra os servidores públicos, tachando-os de "privilegiados" e responsáveis pelo enorme déficit da previdência (cerca de R$ 70 bilhões, em 2002).

Em um documento bastante interessante, a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Adufrgs) rebate tais calúnias com um fato importante, que não está sendo veiculado na imprensa: o sistemático desvio de impostos criados especificamente para a previdência, que têm sido usados para outros fins (o documento, para justificar o indicativo de greve dos funcionários públicos federais marcado para 8 de julho, encontra-se em http://www.adufrgs.org.br/asp/adverso.asp?secao=83, e merece ser lido). A Constituição Federal, artigo 195, estabelece que o custeio do sistema previdenciário deve ser dividido entre os trabalhadores, as empresas e o Estado. As empresas contribuem com um percentual sobre a folha de pagamento (por exemplo, empresas urbanas pagam 20%), mais a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Até os nomes desses tributos indicam claramente qual é sua função. Pois bem, desde o governo FHC, estes dois últimos impostos não têm sido usados para o custeio da previdência, e a intenção do governo Lula agora é que o sistema previdenciário consiga cobrir todos os seus gastos apenas com as arrecadações das contribuições dos trabalhadores e da folha de pagamento das empresas: eis porque quer cortar despesas e prejudicar os servidores públicos. Porém, se fossem considerados os demais impostos, que deveriam ser usados no custeio da previdência, não haveria déficit. Propor uma reforma que onere os servidores públicos, com a desculpa de que "é preciso acabar com o rombo na previdência", não só é um acinte aos direitos destes trabalhadores, mas também um dispositivo que fere flagrantemente a carta magna de nosso país. É o mesmo que foi feito em relação à CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira): criada para aumentar os recursos do Sistema Único de Saúde, no final das contas apenas uma pequena parcela do montante arrecadado foi de fato usado para esse fim, e depois de ter sido prorrogada sua cobrança várias vezes, agora está para se tornar permanente.

Se o governo recorre à difamação, os servidores públicos por sua vez têm se defendido contra tais acusações injustas com apelos quase sempre emocionais (a carta da Adufrgs foi uma das melhores justificativas contra a atual reforma da previdência pública, embora também recorra a esses apelos várias vezes), dizendo que a reforma é "exigência do FMI", que é para "fazer superávit fiscal para atender os interesses dos banqueiros". A verdade é que o FMI nada tem a ver com a proposta da reforma da previdência, pois este órgão não deixou de dar apoio à política econômica de FHC por este não ter conseguido aprová-la. Culpar o FMI e a dívida externa é um expediente muito barato (e completamente inútil) para responsabilizar agentes externos por problemas que na verdade são nossos: nossos governos não têm força para fazer o que é preciso e abandonam suas convicções assim que sobem a rampa do Palácio do Planalto; nossas elites são parasitárias, mantendo uma das mais brutais concentrações de renda do mundo; e a classe média e a população pobre, as maiores vítimas, continuam totalmente passivas diante dessa situação. A culpa pelas mazelas econômicas e sociais do Brasil quem a tem somos nós, e não o FMI, os investidores internacionais e os banqueiros: o problema é nosso, nós o criamos, ou pelo menos nada fazemos para resolvê-lo.

Além disso, dizer que o superávit fiscal existe somente para "atender interesses de banqueiros e investidores internacionais" é outro apelo emocional, pois superávit é um princípio básico imprescindível para organizar um orçamento, seja de um indivíduo, de uma família, de uma empresa ou de um país. Mais simples, impossível: não se pode gastar mais do que se tem. Se um governo despende mais dinheiro do que arrecada, podemos ter três conseqüências: 1- o governo se endivida, e deixa o encargo de pagar a dívida, ou pelo menos seus juros, para o próximo mandatário (algo que acontece com muita freqüência neste país); 2- o governo não consegue honrar seus compromissos e deixa de pagar seus credores, seus funcionários, e até os aposentados e pensionistas; ou 3- o governo emite dinheiro para pagar o que deve, fazendo com que a moeda se desvalorize e a inflação dispare, destroçando o poder de compra de toda a população (como ocorreu desde os últimos anos da ditadura militar até 1994). Superávit fiscal é benéfico para todos, pois garante o equilíbrio monetário do país e faz com que o dinheiro que recebemos mantenha seu poder aquisitivo. Uma das razões por que o Chile tem se mostrado uma das economias mais fortes e dinâmicas da América do Sul é que este país já conta com mais de 20 anos de superávit fiscal; o Brasil, por outro lado, apenas 4.

Enfim, é hora de pararmos de procurar bodes expiatórios para nossos problemas, como faz a imprensa e o governo ao culparem os servidores públicos, e como fazem estes próprios ao tentarem responsabilizar o FMI, os banqueiros e os investidores internacionais. Precisamos abandonar este tipo de argumentos apelativos e emocionais, e discutir os problemas racionalmente; só assim, quem sabe, poderemos superar todos os problemas e injustiças que vergam o Brasil há séculos, e encontrar verdadeiras soluções que beneficiem o país como um todo. O que se precisa fazer para conter o déficit da previdência é combater fraudes e sonegações, usar os impostos que existem para custeá-la, e não desviá-los para outros fins e depois cortar os direitos dos trabalhadores públicos sob a alegação de serem "privilegiados", como fizeram e fazem os governos de FHC e de Lula. Carlo MOIANA Pravda.Ru MG Brasil

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