Vitória do Não foi recado aos de cima

Ganhou o Não. Perdeu a Rede Globo, perdeu o governo, perdeu o establishment político. Lula, Serra, Alckmin, Aécio, FHC e Garotinho, todos presidenciáveis, defenderam o Sim, junto com Renan Calheiros, presidente do Senado e Aldo Rebello, presidente da Câmara.

Um time pesado. Mas a população não se deixou enganar pelo falsos argumentos largamente utilizados e veiculados através de artistas famosos– uns vivendo em Paris, outros fortemente protegidos por seus seguranças armados – de que a violência e a insegurança iriam diminuir se o Sim vencesse. A proibição só iria atingir de fato a população que não pode pagar pela segurança privada.

O que realmente estava em jogo no referendo não era o desejo dos agentes políticos em diminuir os acidentes ou a violência doméstica. Não gastariam R$ 250 milhões com este fim, que nada garante seria mesmo atingido. Como bem colocou Roberto Robaina, presidente do PSOL do RS, em artigo publicado no dia 13 de outubro no site do partido: “a questão que interessa, repetimos, é que a classe dominante quer com este referendo reforçar seu Estado em dois aspectos: aumentar seu monopólio sobre a violência e educar o povo de que são as forças de segurança deste Estado a serviço dos ricos que lhe dará proteção, tranqüilidade e vida melhor. A quem interessa este reforço? Este Estado e seus governos têm servido apenas para preservar um sistema econômico no qual os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres.

Um Estado capitalista e para os capitalistas.(...) São estas classes dirigentes as responsáveis pela miséria do povo que pretendem fortalecer, com a vitória do Sim no referendo, seu monopólio de poder sobre a violência. No futuro, com o aumento do descontentamento popular, elas vão mesmo precisar.”

O fato é que eles não conseguiram este reforço. E ao tentar e não levar, acabaram se enfraquecendo. O povo deu um voto de desconfiança, um voto de protesto contra a incapacidade do Estado, hoje governado pelo PT, de oferecer mínimas condições de segurança pública. A indignação foi potencializada pelos escândalos de corrupção que atingiram em cheio o partido que durante anos alimentou as esperanças de que era capaz de ser diferente dos outros. E mostrou-se um dos mais iguais. Preferiu continuar alimentando fartamente os banqueiros e fazer um referendo diversionista à investir em políticas que poderiam aumentar a segurança do povo. Não é casual que no Rio Grande do sul, Estado que por anos foi provedor das maiores vitórias eleitorais do PT, o Não venceu com mais de 85%. A historiadora gaúcha Sandra Pesavento, em entrevista ao Jornal Valor Econômico, disse que a vitória acachapante do Não se deu não só pelas particularidades do Estado com sua tradição no uso das armas mas foi um voto de protesto contra o governo Lula por que a decepção com o PT no RS foi ainda maior, devido às altas expectativas frustradas.

Na primeira oportunidade que teve para se manifestar após o estouro dos escândalos, o voto popular foi categórico contra o governo.

E quem pensava que as pessoas eram bobas a ponto de acreditar que proibir o comércio de armas iria diminuir a violência quebrou a cara. Fruto da desigualdade social e do desemprego que provoca a falta de perspectivas para a juventude e a desagregação familiar, a violência urbana é uma doença do capitalismo que só tende a se agravar em sua fase neoliberal, onde as políticas públicas são cada vez mais enfraquecidas pela rapina do Estado a serviço da acumulação privada.

Mas ao final das contas o referendo trouxe um saldo positivo. Afinal, quando os de cima perdem, a maioria ganha. A população percebeu que pode expressar sua vontade e não precisa ser constantemente tutelado pelas classes dominantes. Pode decidir, contra a vontade destas elites. Não é pouca coisa derrotar a Rede Globo e o governo do PT, em uma tacada só.

Em belíssimo artigo na folha de São Paulo ( 23.10), Fábio Konder Comparato cita Jean Jacques Rosseau em uma denúncia indignada da falácia democrática do Século 18: “O povo inglês pensa ser livre, mas se engana redondamente; ele só é livre durante a eleição dos membros do parlamento: imediatamente após esta eleição, ele é escravo, fica reduzido a nada.(...)”. Nada mais atual. A democracia representativa, como diz Comparato, nada tem a ver com a relação de mandato. Os políticos são eleitos e fazem o que bem entendem com “seus” mandatos, ignorando solenemente tudo o que prometeram ao pedir o voto dos cidadãos. A democracia direta é uma arma fundamental para acabar com os estelionatos eleitorais. Esta é a lição do referendo: o povo soube decidir com sabedoria diante de uma tentativa de manipulação poderosa. Agora temos que conquistar o direito de decidir sobre os temas realmente importantes da vida nacional, como por exemplo a continuidade do pagamento de juros da dívida pública ou dos mandatos dos políticos que traem seus compromissos com o povo.

O P-SOL apresentou uma PEC na Câmara com este objetivo. O referendo mostrou que a população pode, deve e sabe decidir

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