Um tiro no pé

Marco Aurélio Weissheimer*

PORTO ALEGRE - A ação da Via Campesina na madrugada de quarta-feira, no viveiro da empresa Aracruz, em Barra do Ribeiro (RS) foi um tiro no pé e prestou um desserviço aos movimentos ambientalistas que lutam contra a proliferação das florestas artificiais de eucalipto e também aos organizadores da II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Isso tem de ser dito assim, em alto e bom tom.

Representantes das agricultoras que participaram da ação disseram que o seu principal objetivo foi chamar a atenção da opinião pública sobre os efeitos ambientais e econômicos deste tipo de plantação. Fizeram isso da pior maneira possível. O debate sobre o impacto das florestas artificias não é de conhecimento da maioria da população. Não é preciso aguardar nenhuma pesquisa de opinião pública para saber que o bombardeio midiático que se seguiu à ação na Aracruz transformou a empresa e os defensores das florestas artificiais em vítimas.

A proliferação dessas florestas artificiais no Brasil e os projetos para sua expansão no Rio Grande do Sul e no Uruguai (com o acréscimo de fábricas de celulose) representa um grave problema que deve ser discutido do modo mais amplo possível com a população. A história ensina que muitos desses projetos são assinados entre as grandes empresas do setor e governos sem debate sobre suas implicações com as comunidades envolvidas.

A falta de informação e de debate costuma andar de mãos dadas com a rápida implementação destes projetos. A partir da ação na Aracruz esse silêncio foi rompido, só que a favor da empresa. Os grandes grupos de comunicação, que tem as empresas do setor entre seus patrocinadores, deitaram e rolaram em cima do episódio e vão deitar e rolar muito mais ainda. Neste quadro, parece razoável perguntar: qual é mesmo a capacidade comunicativa dos movimentos sociais para travar esse debate na sociedade?

Mas há uma pergunta que precede esta. O que significa fazer essa disputa na sociedade? Significa, entre outras coisas, informar a população sobre um determinado problema e exercer a dura tarefa do convencimento. Convencimento de quem não está convencido, de preferência. O que se viu nas horas seguintes à ação na Aracruz, entre boa parte de quem está lutando contra a expansão das florestas artificiais, foi um ar de perplexidade e de constrangimento. Um constrangimento acompanhado pela convicção de que alguns passos para trás foram dados nesta disputa. Trata-se agora de fazer o debate necessário sobre os impactos negativos destas florestas em um ambiente político muito desfavorável. Ou não é assim?

Mas os efeitos negativos não param por aí. No momento em que cresce o processo de criminalização dos movimentos sociais, realimentado diariamente pelos setores mais conservadores e reacionários do país, o que uma ação como esta vai causar? Em primeiro lugar, muito trabalho adicional para os advogados dos movimentos, que são poucos e trabalham em condições que não são exatamente ideais. Em segundo, a intensificação do bombardeio na mídia que, de um modo crescente, não hesita em associar os movimentos sociais ao terrorismo. Obviamente que isso deve ser combatido. Mas como é mesmo que se faz esse combate? Como é mesmo que se conversa com amplos setores da população?

Outro problema: a ação foi realizada justamente no momento em que se realiza, em Porto Alegre, a II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, promovida pela FAO com apoio do governo brasileiro. A grande mídia já vinha ignorando solenemente os debates da conferência, de olho apenas no movimento dos movimentos, à espera justamente de uma ação como a que ocorreu na Aracruz, para colocar suas tropas em ação. Ganhou o presente que queria.

Na noite de quarta-feira, o programa “Conversas Cruzadas”, da TV COM de Porto Alegre, do grupo RBS, convidou o governador em exercício do Rio Grande do Sul, Antonio Hohlfeldt, para discutir o episódio. Hohlfeldt e o apresentador Lasier Martins sapatearam e dançaram em cima do significado político da Conferência, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e dos próprios movimentos sociais. Sem direito a nenhum contraponto e sem nenhuma sutileza. Aliás, os intervalos do programa traziam anúncios da Aracruz.

Que resposta vai se dar a isto? Os organizadores da ação vão divulgar um manifesto na conferência, explicando os seus motivos e os efeitos negativos das florestas artificiais? Quem terá acesso a ele? Em sua maioria, aqueles que já estão convencidos. Ou os leitores de veículos como a "Carta Maior", a "Caros Amigos", o "Brasil de Fato", entre outros, que, em sua maioria, também já estão convencidos. E o restante da população, que tem pouca informação ou desconhece completamente o tema? Como se dialoga com ela? Ou não se dialoga?

Na manhã de quinta-feira, o clima entre muitos participantes da Conferência de FAO era de constrangimento. Mas ninguém parece muito à vontade para falar publicamente o que está pensando. O silêncio, neste caso, é um péssimo conselheiro.

Os movimentos sociais desempenham um papel fundamental na luta pela Reforma Agrária, por um novo modelo de desenvolvimento e pela democratização do Estado brasileiro. Mas não estão sozinhos nesta luta e nem são o centro do mundo. Há um trabalho educativo de convencimento a ser feito junto à população. Há diferenças e contradições entre quem está na linha de frente das lutas sociais e quem está trabalhando em governos, tentando fazer alguma coisa para melhorar o país. Cada um tem sua dinâmica própria, sua velocidade e seus limites. Tomar decisões isoladas, expondo ainda mais esses limites para a intensificação do ataque de adversários de projeto, não parece ser uma estratégia muito inteligente. Ou é?

*Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior

http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2965&alterarHomeAtual=1

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