O Brasil mostra a sua cara na Itália

Que a maioria dos brasileiros que residem na Itália é formada por mulheres, pode até não ser uma grande novidade. Também já se suspeitava que muitas delas fossem casadas com italianos. O que surpreende nas últimas estatísticas publicadas pela Caritas é a presença brasileira no pódio de três categorias da imigração na Itália: aquisição da cidadania por casamento, proporção de imigrantes que obtém vistos por motivo de estudo ou religioso.

O Brasil, que ocupa o 22° lugar no total de população imigrante na Itália, com 20.804 cidadãos regularmente cadastrados em 2002, sobe para a 3° posição quando se trata de aquisição de cidadania italiana por matrimônio. Segundo o dossiê Caritas, somente no ano passado 593 brasileiros obtiveram a cidadania por terem unido-se oficialmente com um cidadão italiano. Pode parecer pouco, mas as duas maiores populações de imigrantes presentes na Itália, a marroquina e a albanesa, formadas respectivamente por 172.834 e 168.983 indivíduos - e 9 vezes maiores que a brasileira -, tiveram quase o mesmo número de cidadanias concedidas por matrimônio: 446 marroquinos e 668 albaneses em 2002 passaram a ser tão italianos quanto os seus cônjuges.

O dossiê confirma a prevalência feminina entre os imigrantes brasileiros (73,7%). Ainda com respeito ao número de aquisição de cidadania por casamento, o sexo feminino também está na frente do masculino. “Em geral, de todos os brasileiros que obtém a cidadania na Itália por casamento, cerca de 90% são mulheres”, afirma Franco Pittau, um dos redatores do dossiê Caritas.

O Brasil sobe ao pódio também em relação ao número de religiosos que vêm ao país que sedia o estado do Vaticano para continuar os sacros estudos. De todos os brasileiros que no ano passado obtiveram um visto de permanência (definido no dossiê como visto para inserção, já que os brasileiros não precisam de um visto para o turismo) 12,3% tinham como objetivo a formação religiosa. O quesito coloca o Brasil na 2° posição, atrás somente da Índia, cujo número de autorizações desta natureza representava 16,3% de todos os vistos de inserção concedidos a indianos em 2002.

Campeão - O título de campeão é conquistado pelo Brasil na categoria visto de estudante. Conforme o dossiê, 58% dos brasileiros que em 2002 entraram na Itália com um visto de inserção, pretendiam adquirir conhecimentos ou ampliar a cultura na pátria de Leonardo da Vince e de Dante Alighieri. Atrás do Brasil estão a Iugoslávia, com 33% dos vistos de inserção concedidos a estudantes, e a Albânia, com 15,2%.

Mas as estatísticas revelam somente quantos brasileiros adquiriram um visto de permanência na Itália ou quantos vieram ao “bel paese” a passeio. Ainda assim, em relação ao último caso, somente os que tiveram informação, tempo e paciência para tirar o visto de turista (os que fizeram fila em até oito dias do desembarque, pagaram as taxas, providenciaram um seguro saúde e deixaram o belo rosto estampado em quatro fotografias). Conforme estes critérios, 6.850 brasileiros entraram na Itália no ano passado, o que representa 1,4% do total de imigrantes recebidos em 2002.

Ficam de fora os que possuem dupla cidadania, os filhos que não possuem um visto próprio, os que foram barrados na fronteira e, claro, os irregulares. “Somados todos estes casos, a estimativa do número de brasileiros presentes na Itália gira em torno a 60 mil”, afirma a cônsul geral do Brasil em Roma, Maria Edileuza Fontenele Reis. A ministra afirma ainda que o número de brasileiros está crescendo sensivelmente, não somente com a chegada de novas pessoas, mas também com o nascimento de crianças filhas de brasileiros que vivem no país. “Nos últimos cinco anos a nossa comunidade aumentou cerca de 50%”, garante.

Somente o Consulado do Brasil em Roma, que divide à metade a jurisdição territorial com o consulado de Milão, recebe cerca de 2 mil chamadas telefônicas por mês de brasileiros que residem na Itália ou estão no país por turismo. “A média mensal de serviços consulares prestados é de 2.500, entre procurações, legalização de documentos, emissão de passaportes, etc.”, explica a ministra.

O crescimento da população brasileira é comprovado ainda pelo número de eleitores cadastrados durante as últimas eleições presidenciais do Brasil. Somente em Roma, 3.600 brasileiros compareceram às urnas instaladas no consulado da Piazza Navona. “Tivemos que aumentar de 7 para 9 o número de sessões de voto”, explica a cônsul geral. Os números não incluem os eleitores brasileiros que passaram pelo consulado em busca de informações sobre a votação.

A ministra confirma a predominância feminina entre a comunidade, mas ressalva o perfil diversificado dos imigrantes brasileiros. “Há muitas mulheres casadas com italianos ou que vieram à Itália para trabalhar como domésticas. Mas a presença de estudantes, professores e artistas também é muito expressiva”, diz. A cônsul geral afirma ainda que o número de aventureiros tem diminuído. Segundo ela, “o controle nas fronteiras, reforçado pela entrada em vigor da nova lei de imigração, tem reduzido o número de pessoas que se arriscam a vir para a Itália para trabalharem irregularmente”.

Mas qual o principal motivo a fazer com que os brasileiros troquem o próprio país pela Itália? Segundo o estudo publicado pela Caritas, em 2002, 51% dos brasileiros estavam na Itália por razão familiar, 24% por causa do trabalho e o restante por outras razões (estudo, religião ou turismo).

As características da imigração verde-amarela à Itália se diferenciam do fluxo rumo a outros países, como por exemplo à Inglaterra, que em 2001 registrou a entrada de quase 100 mil brasileiros. Muitos vão ao país do Big Ben a turismo, outros para aprender inglês, mas a maioria aproveita a facilidade para se conseguir um trabalho regular. Conforme a legislação britânica, basta frequentar um curso de inglês de 15 horas semanais para adquirir uma autorização para trabalhar.

Também em Portugal a imigração brasileira possui um diferencial em relação à Itália. Um recente estudo realizado pela Casa do Brasil de Lisboa indica que 77% dos brasileiros presentes na terra de Fernando Pessoa têm um objetivo pouco poético: o de ganhar dinheiro. Mesmo no Japão, onde atualmente vivem cerca de 260 mil brasileiros, as diferenças não ficam restritas a um fator quantitativo. “No Japão nascem cerca de 10 crianças brasileiras por dia”, afirma Roberto Tsuji, diretor do site www.guianikei.com, com sede em Aichi-ken. “A imigração para Itália tem um caráter diverso daquela japonesa”, confirma com conhecimento de causa a ministra Fontenele Reis, que antes de ser responsável pelo consulado brasileiro em Roma, exerceu por 5 anos a mesma função naquele país. “O Japão só aceita imigrantes de origem japonesa, mas ainda assim os brasileiros encontram muita dificuldade para se integrarem na cultura nipônica”, explica a autora de uma tese sobre a imigração brasileira no Japão.

Mesmo sendo um país rico, a Itália parece não ser o lugar mais apropriado para se fazer fortuna. Ainda assim, nem todos os brasileiros trocam o próprio país pela Itália por causa de uma pessoa amada. Muitos deles, embora não seja a maioria, vêm a procura de um trabalho. Alguns entram como turistas - e portanto sem nenhum tipo de visto - e vão se arranjando até conseguirem regularizar a presença no país. É o caso de Eunice dos Santos Oliveira, de 37 anos, que há onze deixou a cidade mineira de Belo Horizonte para enfrentar o destino no velho continente. “Vim sozinha e sem conhecer ninguém aqui”, afirma, quase espantada pela própria coragem. Eunice explica que não foi difícil encontrar um trabalho em um grupo de dança logo que chegou à cidade de Pescara. Assim como outros brasileiros, Eunice veio e ficou. Deixou a breve carreira de dançarina – “foi uma época muito divertida” – garante, e hoje, casada com um italiano e vivendo em Belluno, comanda uma agência de informação e serviços para imigrantes de diversas nacionalidades.

Eunice garante que atualmente os brasileiros descendentes de italianos lideram os números da imigração. “A maioria vem para dar entrada no processo de cidadania e acaba ficando, até conseguirem trazer a família”, explica. “Somente em uma semana recebi 12 brasileiros que vieram ao país com este objetivo”, afirma a mineira.

Outro descendente de italianos que entrou no país como turista e acabou ficando é o gaúcho Luiz Fernando Piccolotto, de 26 anos, que abandonou a faculdade de economia decidido a continuar os estudos na Itália. Adquirida a cidadania italiana por descendência, Luiz ingressou no curso de Biologia da Universitá La Sapienza, em Roma. Há cinco anos no país e trabalhando em uma galeria de artes no bairro de San Lorenzo, Luiz mudou novamente o rumo dos estudos e hoje frequenta o curso de “Arti e Scienze dello Spettacolo”.

Já a estudante paulista Cassia Antunes, de 25 anos, encontrou menos dificuldades no seu caminho à Itália. Formada em arquitetura, foi premiada com uma bolsa de estudos na área de restauração de monumentos pela associação Luchesi Toscana, além de ter recebido uma ajuda na hora de tirar o visto. “Eles fizeram tudo em 20 dias”, afirmou a estudante há apenas dois dias da sua chegada no país.

E mesmo que a fama da criminalidade que assola o Brasil já tenha chegado à Itália há algum tempo, os italianos não precisam se preocupar. Em primeiro lugar porque aqui a violência não encontra o mesmo terreno fértil que é a enorme desigualdade social, em segundo porque o índice de criminalidade entre os imigrantes brasileiros não é expressivo. Conforme os dados do ISTAT (Istituto Nazionale di Statistica) das 89.390 denúncias contra estrangeiros registradas em 2001, 6,5% referiam-se a cidadãos latino-americanos, das quais 21% eram peruanos, 15% colombianos, 13% equatorianos e o restante divido entre os demais países.

Como afirma a cônsul geral do Brasil em Roma, “O perfil dos imigrantes brasileiros na Itália é muito diversificado”. Diversidade econômica, cultural e social comprovadas pelas estatísticas e que servem como termômetro do que acontece no Brasil. Enfim, revelar a cara dos brasileiros na Itália é descobrir o próprio Brasil.

Erika Piacentini Zidko Artigo de Agora Notícias publicado em dezembro de 2003

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