PARA ALÉM DA REFORMA UNIVERSITÁRIA

A verdade é que o ensino superior no Brasil, público e privado, só atende uma minoria. Apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos estão cursando uma faculdade, percentual que na Argentina chega a 35%. Mas daí a concluir que as universidades públicas são responsáveis por esta distorção, é pura má fé. Setenta e cinco por cento dos estudantes das públicas tem renda familiar de até R$ 2.400,00.Teriam, portanto, muita dificuldade em comprometer cerca de 20% do seu orçamento doméstico para pagar um mensalidade em falculdade privada. Já trinta por cento dos concluintes (depois de passarem pelo funil de todo o curso), tem renda familiar de R$ 800,00.

Este é o perfil dos jovens que, por força da desiguldade social, do desemprego, da falta de oportunidades - problemas que continuam se agravando no governo Lula - consegue fazer a difícil travessia do ensino básico, médio e ainda ter condições de entrar na universidade. Um problema da estrutura de classe do país e não das universidades públicas.

Mas é se aproveitamndo do legítimo sentimento de exclusão do ensino superior vivido pela maioria dos jovens brasleiros que o governo está fazendo uma contra-reforma universitária, parte de um projeto global, de uma visão estratégica não só de universidade, mas de Estado, de gastos públicos e de país**. Para analisá-la globalmente devemos observar as políticas do conjunto do governo e também as propostas do MEC que já estão tramitando na Câmara, como o PROUNI.

O documento "Análise dos Gastos Socias no Brasil", produzido pelo Ministério da Fazenda no ano passado, é uma fonte interessante para perceber qual a compreensão do governo sobre gastos públicos, universidades públicas e sua visão muito particular de injustiça social. O texto, assinado pelo Ministro Pallocci, afirma que os gastos sociais deveriam ser focalizados pois a universalização não beneficia os mais pobres, e que o principal foco de injustiça são as universidades públicas.

Uma visão plenamente compartilhada pelo FMI e Banco Mundial que têm o maior interesse em terminar com a universalização dos serviços públicos, focalizando gastos nos mais pobres dentre os pobres, para diminuí-los evidentemente, e assim sobrar mais dinheiro para o pagamento de juros da dívida.

Parte desta política global do governo são as PPPs, Parcerias Público Privadas, não casualmente uma proposta elaborada no Ministério do Planejamento pelo mesmo cidadão que inventou o PROUNI, agora como Secretário Executivo do Ministerio da Educação.

A base de sustentação do projeto das PPPs, já aprovado na Câmara e em vias de aprovação no Senado, é a idéia de que praticamente tudo o que hoje o Estado tem obrigação de assegurar ao cidadão - educação, saúde, estradas, saneamento, etc...- pode ser objeto de "parcerias", nas quais o Estado abre mão desta tarefa, repassando-a para a iniciativa privada e dando-lhe garantias absolutas de lucro. Sob este ângulo são até piores do que a privatização, onde a iniciativa privada, pelo menos em tese, assume o risco do negócio.

Nas PPPs, nem em tese há risco pois a garantia é total. A essência das PPPs é exatamente a mesma essência do PROUNI: A fronteira entre o público e privado é demolida. É o "novo" conceito Bresser/Tarso, de público não estatal, buscando, nas palavras do titular do MEC "acabar com a falsa dicotomia entre a universidade pública e privada". Uma proposta, aliás, defendida pela OMC desde a Rodada Uruguai.

Quem oferecer o melhor preço, ou seja, o melhor custo/aluno, leva o dinheiro público. Claro que as universidades públicas, que produzem 90% da pesquisa do país e cumprem as exigências da LDB em relação a formação dos docentes, horas aula/pesquisa, dedicação exclusiva, laboratórios, bibliotecas...., estão em franca "desvantagem".

Mas quem se importa? Afinal, os três grandes grupos que compõe a coalização de forças que dá sustentação ao governo Lula não estão interessados em pesquisa ou universidades públicas que possam ajudar a pensar um projeto de país. O setor financeiro representado por Meirelles e o neófito Pallocci; o agronegócio de Roberto Rodrigues cuja pesquisa necessária é enviada pronta pela Monsanto; e as áreas industriais exportadoras de Furlan. Ninguém aí está preocupado em preservar e fortalecer centros de pesquisa que possam desenvolver tecnologias de interesse nacional, ou universidades que possam formar profissionais para pensar o país sob o ponto de vista do interesse público.

Então é bom mesmo que possa ser demolida a barreira que separa o ensino público do privado, e que a educação seja um serviço que é vendido a quem paga ou cedido aos mais pobres dentre os pobres.

No PROUNI o grau de pobreza é quase absoluto: o jovem deve ter renda familiar de 1(um) salário mínimo para ter direito a tentar ganhar uma das vagas. Como ele vai se manter na universidade com este grau de pobreza, bancar as despesas de deslocamento, alimentação, livros, cadernos, etc..., é problema dele. Mas, com alguns ajustes que já estão sendo providenciados pela Câmara, o problema das "pilantrópicas" estará resolvido.

Já não precisarão mais disfarçar seus lucros - serão empresas plenamente constituídas - e seguirão com a garantia de não pagar impostos. Em troca, cedem suas cadeiras vazias para os pobres. Uma lógica que, se disseminada, significará praticamente o fim do Estado, e principalmente da arrecadação de impostos. Afinal, se as empresas da educação tem o direito de não pagar impostos em troca de vagas, por que qualquer outra empresa também não pode reivindicar o mesmo direito. Que tal, por exemplo, as grandes construtoras cederem umas casinhas para os pobres e assim também não precisarem mais pagar imposto? Mas é melhor nem levantar esta lebre, pois eles podem gostar!

Por fim, é preciso repudiar a idéia de que tudo isso é necessário pois não há dinheiro para finaciar o aumento de vagas nas universidades públicas. Se o governo acabasse com a "pilantropia" e cobrasse impostos das faculdades privadas já poderia dobrar as vagas nas públicas. E não venham com o argumento de que os estudantes das privadas estariam finaciando a ampliação de vagas nas púbicas pois haveria aumento de mensalidades. E hoje, quem financia a expansão do ensino privado? Toda a sociedade que paga impostos, principalmente os assalariados que são os que mais pagam, enquanto as "pilantrópicas" estão isentas. É preciso que seja exigida a abertura dos livros caixa, e que se faça controle de preços para evitar mensalidades abusivas que já são cobradas há muito tempo e o governo não toma nenhuma atitude.

Concluindo, lembremos que o orçamento de todas as Universidades Federais do país é cerca de R$ 7 bilhões. A DRU - desvinculação de receitas da União, tira R$ 3,5 bilhões da educação para compor o superávit primário, que no ano passado foi de R$ 68 bilhões. Montante que não cobriu nem a metade dos juros que o Brasil pagou aos banqueiros e mercados internacionais, que foi de R$ 145 bilhões. E o governo tem a corgem de dizer que não há dinheiro para investir na educação e que as universidades públicas são o foco da injustiça nos gastos públicos. É demais!!

*Luciana Genro é deputada federal do P-SOL/RS e Coordenadora da Frente Parlamentar e Social em Defesa da Universidde Pública e Grautita

**Agradeço ao professor Roberto Leher cujas análises muito contribuiram para a elaboração deste texto.

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