Movimentos sociais organizam marcha pela Reforma Agrária

RIO DE JANEIRO. A coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) organizou um encontro nesta terça (5/4) para anunciar a construção da Marcha Nacional Pela Reforma Agrária, que é organizada por entidades de base como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Via Campesina, Grito dos Excluídos e o próprio MST. Na oportunidade, o coordenador nacional da entidade no Rio, Valquimar Reis, explicou aos comunicadores presentes as razões da realização de diversas manifestações nacionais, já a partir de abril, e apresentou um quadro da conjuntura da luta pela Terra no Brasil e seus principais entraves.

Caminhada também será de formação

A solidariedade será fundamental na construção da Marcha (veja no final da matéria como ajudar), prevista para maio. "Vamos precisar de infra-estrutura para manter as caminhadas e muito apoio da população, pois todos precisam de água, comida, atenção à saúde, abrigo e uma série de coisas. Desta vez, preferimos fazer uma distância menor que em outras oportunidades, mas com o maior número de pessoas possível", disse Valquimir. Ele disse que a meta dos organizadores é caminhar com 10 mil pessoas em todo o percurso, de Goiânia a Brasília.

O coordenador afirma que a base de trabalhadores tem demonstrado forte interesse na marcha. "Estamos também nos articulando em diversas universidades, comunidades, igrejas e realizando muitos debates". Valquimir explicou também que, para não haver desgaste excessivo, a tática é caminhar bem cedo, quando o sol ainda não estiver muito forte, e no resto do tempo estudar temas como a conjuntura sócio-econômica nacional e, é claro, a questão fundiária. "É uma caminhada de formação também. Cada Estado já vai fazer esse debate, para depois fazermos uma integração, uma troca de realidades", explicou.

Os atos oficiais de lançamento acontecerão em três capitais (Rio, São Paulo e Palmas/TO), que receberão os integrantes de capitais próximas. Haverá outros eventos de preparação em todos os Estados. Já no dia 15 de abril, o MST do Rio participará da Marcha contra a Violência Policial e do Estado, juntamente com comunidades da favelas e outros setores da sociedade carioca. Este ato marcará o Dia Internacional da Luta Camponesa, dia 17 de abril, data em que também se relembra o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, quando 19 trabalhadores rurais foram executados pela polícia do Pará.

INCRA sofre com 'Estado mínimo'

"Por que está emperrada a Reforma Agrária? Em conversas internas no movimento, temos nos perguntado: qual a raiz dos obstáculos que encontramos?", relatou Valquimir. Uma das causas principais seria a própria Constituição do Estado brasileiro, que "não foi preparado para ajudar a parcela mais pobre da população".

Apresentando dados do próprio Governo Federal, ele lamentou o enxugamento do Estado brasileiro ao longo das décadas, com reflexos visíveis no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). "Na década de 70, quando estava em pleno vapor a ditadura militar, o INCRA possuía um quadro de 15 mil funcionários em todo o país. Hoje, possui apenas cinco mil, sendo que três mil em vias de aposentadoria ou ainda aposentados que estão cobrindo alguém", denunciou.

O coordenador do MST também criticou a atuação do Judiciário, que tem privilegiado leis feitas para barrar a Reforma Agrária. "Os juízes das varas locais tendem a ser conservadores, fazendo alianças com latifundiários, prefeitos e vereadores". E o Congresso também não escapa da avaliação. "Existe no parlamento uma correlação de forças que não deixa votar as leis necessárias para a reforma. Existe uma bancada ruralista muito forte, com deputados de vários partidos".

Ele citou a dificuldade existente para se avançar com a lei que propõe limitar a propriedade da terra no Brasil. "No Pará, um único proprietário possui três milhões de hectares, o equivalente a dois, três países na Europa". Valquimir lembrou que, pela Constituição Federal, toda terra que não cumpre função social deve servir para fins da Reforma Agrária.

"Uma luta ideológica está sendo travada"

No Brasil, há um disputa cada vez mais freqüente colocada para as pessoas. "De um lado, está o agronegócio, que tem o Roberto Rodrigues [ministro da Agricultura] como um dos seus principais defensores. Do outro, está a Reforma Agrária", comentou. No começo do governo Lula, o INCRA informou que haveria 100 milhões de hectares de terra disponíveis para a Reforma Agrária, composto em grande parte de latifúndios improdutivos. Segundo o coordenador do MST, estes latifundiários estão ligados fortemente a multinacionais que atuam na importação e comercialização de diversos produtos agrícolas.

Outro obstáculo que, segundo Valquimir, estaria na raiz da questão da terra é a política econômica dos últimos governos. "É uma lógica que prioriza a exportação, para alimentar porcos e vacas na Europa", definiu. "Nós defendemos uma lógica que priorize a produção local, porque isso ajuda a desenvolver a região próxima". Ele sustenta que outros benefícios poderiam ser originados pela mudança de modelo, como a ajuda localizada no combate à fome, maior diversificação do plantio e 'desafogamento' das grandes metrópoles.

Comunicação é peça-chave na disputa

Entre as principais formas de disputar a hegemonia na sociedade, Valquimir destacou o papel da comunicação. "Os grandes meios de comunicação são o grande partido da direita. São apenas nove famílias que dominam o setor, e claramente eles defendem a sua classe", ressaltou. Citando um dos últimos capítulos da novela "Senhora do Destino", que terminou recentemente, ele lembrou que a propaganda ideológica se estende a toda a programação.

"A grande vilã dessa novela acabou achando abrigo exatamente num acampamento de sem-terra, trazendo para a casa de 70% da população brasileira uma imagem negativa do movimento. São ataques diários, para que a população se volte contra o MST. É uma luta desigual".

Ele disse que os ataques não são de graça. "É necessário que eles façam isso, pois a população apóia a Reforma Agrária. Onde existe pobre organizado, há a necessidade de discriminar", denunciou. Valquimir afirmou também que, para o MST, só há uma saída: "A gente aprendeu com a História que não vai ter um salvador da pátria. A mudança é de baixo para cima. É por isso que, para tentar fazer esse debate, é importante que a gente faça essa mobilização".

União entre o campo e a cidade

Ao falar da importância do apoio popular nas cidades, Valquimir relatou que, em recente visita à favela da Maré (periferia do Rio), onde ia participar de um debate, ele perguntou aos moradores locais qual era a impressão que eles tinham do MST. "A resposta foi que o MST é muito violento, baderneiro e que invadia as terras dos outros. O único ponto positivo era de que nós eram organizados", disse.

"Perguntei então para eles se sabiam qual era a impressão que os trabalhadores do campo tinham do Rio de Janeiro e das favelas. Se você for para o campo e perguntar aos sem-terra qual é a opinião deles, vão responder o seguinte: lá só tem traficante, ladrão, vagabundo, preguiçoso. É isso o que eles vão dizer, que os moradores são muito violentos. Quando os dois lados se unirem, muda tudo", destacou.

Ao perceber que cerca de 80% dos participantes do debate tinham pais nascidos ali, Valquimir observou: "Eles acham que nós estamos invadindo a terra dos outros, mas não sabem que toda aquela área também foi invadida".

Governo Lula mudou movimentos sociais

Valquimir disse temer que algumas entidades entendam a Marcha como um ato contra o Governo Lula. "Não se trata disso. É uma caminhada pela Reforma Agrária. Se estivéssemos no governo do Fernando Henrique, com certeza a mobilização seria maior". Por outro lado, ele lembrou que, com o MST, a lógica foi outra.

"Uma das principais conseqüências da chegada do governo Lula ao poder foi a criação de uma expectativa muito grande entre os trabalhadores", explica. Se antes de 2003 havia uma demanda de 60 mil famílias por terra, de acordo com o INCRA, agora esse número está em 180 mil.

Para ajudar na construção da Marcha Nacional Pela Reforma Agrária, faça contato pelo www.mst.org.br ou pelo telefone (21) 2533-6556.

Por Gustavo Barreto, 5 de abril de 2005 Para o Núcleo Piratininga de Comunicação http://www.piratininga.org.br/artigos/2005/65/marcha-mst.html

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