O PT desmoralizou a esquerda brasileira?!

Fundador do Partido dos Trabalhadores, escritor, sociólogo, professor e coordenador do Centro de Estudos de Direito da Cidadania da Universidade de São Paulo (USP), Francisco de Oliveira, o antigo companheiro de Lula, revela, ao público, sua decepção com o governo realizado pelo partido que ajudou fundar. O que é triste notar é que os partidos perdem seus aliados quando estão perdendo e, no caso do PT, de forma surreal, ele perde seus aliados quando está ganhado, quando está no poder. É a decepção interna com as mazelas produzida por um governo que vendeu a esperança.

Com a palavra o insuspeito professor que, durante anos, ensinou Brasil afora que o que faltava ao Brasil era um governo voltado para os interesses do seu povo. Com a estrela vermelha cravada no peito, Francisco de Oliveira caminhou pelas ruas brasileiras entoando canções que aprendeu com os seus companheiros de partido, canções que falavam de sonhos, esperanças e de um amor profundo, devocional e incondicional ao seu povo, sua Pátria. Agora, o professor Francisco, com o peito calado de dor e os olhos encharcados de desesperança, fala da realidade produzida pelos seus antigos companheiros, e que está a sua volta. Sua palavras e reflexões, seguem abaixo.

“Minha avaliação sobre os dois anos de governo federal do PT é negativa. O PT transformou-se num partido violentamente antirreformista, fraudando a vontade dos que nele votaram pelas transformações que começariam precisamente pela política econômica. Ele é antirreformistas porque ele já fez antirreformas. A da Previdência é uma antirreforma. Não é uma reforma no sentido de que, ao invés de ampliar o campo dos direitos, os restringe. Todas as iniciativas do governo do PT têm sido nitidamente antirreformistas. As reformas, no passado, tinham uma semântica que significava que se avançava na ampliação do campo dos direitos, negava o automatismo dos mercados. E, portanto, as reformas tinham um caráter progressista, no sentido mais moderno de que o homem é o senhor da razão. Quando você recua desta posição para deixar a cargo de mercados, isso é uma negação dos direitos. Mercado não realiza direitos; mercado realiza lucros e interesses. Então, o governo petista é um governo profundamente antirreformista, no sentido clássico.

O PT perdeu a capacidade hegemônica e, ao fazê-lo, por razões bem complexas, ficou sem alternativas. Além disso, uma forte corrente dentro do PT, ligada à financeirização do capitalismo brasileiro - seja dito: os fundos de pensão - , tem a ganhar com o modelo brasileiro. Isto, junto com a burocratização do PT, levou à situação atual. E sem projeto, o PT tornou-se conservador, medroso. E apenas toca o barco como ele vinha sendo tocado. Perdeu a capacidade de inovar.

A financeirização do sistema brasileiro são todos os esquemas de financiamento. Os fundos de financiamentos que pertenceram a empresas estatais, que agora sustentam a bolsa de valores, que compram os títulos da dívida do governo Federal. São esses fundos hoje que fazem a maior parte do financiamento do capitalismo brasileiro. E isto está sob controle de ex-sindicalistas ligados ao PT. Isso é prejudicial aos trabalhadores. Quando você tem um fundo de pensão, qual é o primeiro critério para julgar os investimentos? A rentabilidade. A questão do emprego, por exemplo, é inteiramente secundária. E essa modernização que é feita geralmente leva de cambulhada os empregos. É uma contradição que fundos de propriedade de trabalhadores promovam o desemprego.

O governo Lula não é nenhuma Terceira-Via, ele é pior. Ele adotou o capitalismo num país periférico e subdesenvolvido, queiramos ou não, que se desenvolve reproduzindo a desigualdade. O destino da esquerda no Brasil não é muito esperançoso. O PT desmoralizou qualquer proposta de esquerda, e partidos, sobretudo partidos de massa, não se fazem da noite para o dia. Entretanto, permanece a necessidade desses partidos, para fazerem a crítica ao PT e ao capitalismo predatório que o desgoverno do PT está aprofundando. Você veja: se amanhã surgir um partido dizendo-se de esquerda, que vai fazer reformas, você vota nele? O PT não fez as reformas e não as fazendo, desmoraliza qualquer proposta de esquerda.

E as reformas? A principal reforma se dá exatamente na área social. Transformar essa discussão em projetos é coisa mais complicada, mas o PT teria que fazer políticas que fizessem uma forte redistribuição de renda no Brasil, coisa que ele não está fazendo. Se esperava do PT um conjunto de políticas sociais. Mas essas políticas assistencialistas, que dão uma cesta básica, não refrescam em nada o problema. Então o PT está fazendo o contrário do que deveria ser feito. Até mesmo a política econômica é concentracionista. Então, por aí não vai.

Você tem uma política econômica que é nitidamente concentracionista. Basta ver o tamanho do lucro dos bancos, que só aplicam em Letras do Tesouro Nacional. Enquanto isso, qual é o crescimento do salário mínimo? É irrisório. O PT está fazendo uma política antirreformas.

Todos os partidos estão perdendo credibilidade: sua representatividade frente à nova e complexa equação do capitalismo contemporâneo é zero. Mesmo os que defendem interesses do capital não podem se arvorar em seus representantes. O capital hoje dispensa partidos e torna a política irrelevante. Os movimentos sociais não substituem os partidos, pois eles não podem universalizar as demandas, que têm de permanecer particularistas. Do contrário, os movimentos sociais perdem suas bases. As ONGs não substituirão os partidos, pois elas são, hoje, como os partidos: simples extensões do aparelho de Estado”.

Depois de levar ao público todas as suas decepções, o professor, seguindo os passos daqueles que fizeram e acreditaram no PT e em seus companheiros, num misto de desilusão e desesperança, declara que: “Já não tenho militância, nem sou mais filiado ao PT. Já o deixei desde 2003”.

Só não deixou morrer nele os sonhos de um país melhor, aqueles mesmo sonhos que o PT, outrora, fez nascer, crescer e florescer dentro dele, mas que agora...

Petrônio Souza Gonçalves jornalista e escritor

e-mail: [email protected]

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