Senado: de Brancaleone a Dorian Gray

Antes de 29 de outubro, jamais na história da política ocidental do nosso planeta um homem público conseguira 58 milhões de sufrágios. Por se tratar de uma reeleição, ficou confirmado o acerto da mudança verificada quatro anos antes. Não podemos, entretanto, deixar de registrar a intensa movimentação oposicionista, beirando o desespero, frente à aproximação do pleito. Freneticamente, procurava-se um “fato muito espetacular” a apontar para o presidente Lula.

 Aguardava-se, com ansiedade, “chumbo grosso na edição n°1979” da revista Veja. Se a, hoje desmoralizada, revista inventou uma história para fictícios dólares cubanos porque não criar outro roteiro para dólares vindos, quem sabe, de Washington, ou de paraísos fiscais? Tudo é válido para atingir o presidente Lula.


Um fato escabroso “... para tornar desnecessárias as eleições no segundo turno”, propunha conhecido bloguista tucano.

O jornalista Valter Pomar já apontava uma ação articulada entre esses marqueteiros marginais, a grande mídia e a nova banda udenista, golpista, encastelada no Senado da República. Mais: parte da OAB, sua banda narcisista, exalando ainda fétidos odores de histórica herança lacerdista, ameaçara, dias antes, com uma ação de impedimento contra o presidente Lula.

Ameaça com que, veladamente, o presidente do TSE, o juiz do pleito, fazia coro: “... se comprovarmos, o mandato poderá ser cassado”. Até o candidato tucano, eufórico pela possibilidade de golpe, ameaçava o segundo mandato: “acaba antes de começar”, disse Alckmin. Talvez uma resposta ao ex-presidente FHC que acusava seu partido de incompetente por não ter executado o “impeachment” presidencial no tempo adequado.

Um dos articulistas da Folha, antevendo uma votação final muito expressiva pró-Lula, já distorcia o significado da vitória para vitória da crise: “de um lado as urnas do outro as leis”, dizia. Surrada tese fascista que tenta deslegitimar o processo eleitoral cujo resultado reflete a intenção de todas as camadas da sociedade brasileira por um novo mandato do presidente Lula. A tese levantada revela mais uma intenção golpista divulgada na Folha. E, mesmo diante de escorchante derrota, nossa zelosa mídia – Folha, Estadão, O Globo, Veja...? Tanto faz – insiste e se apressa em conclamar, candidamente, quase em coro: “... haverá 3° turno?”

Na Folha, 23 de outubro, outro articulista descobre e lamenta que os golpistas da nova UDN saíram “em farrapos das eleições”. Bornhausen, Tasso e ACM estão a falar em falsete, tentando juntar os cacos de derrotas pouco honrosas. O PFL exaurido, a mídia a lamentar. Há, ainda, contra o golpe: o crescimento do PT e dos partidos aliados e a tendência do PMDB em apoiar, institucionalmente, o segundo governo Lula. E, pasme-se, o próprio Serra, conforme divulgado, reconhecia e repudiava toda essa movimentação e lhe dava nome: golpe. Evidente que não lhe interessa melar o processo e atrapalhar seu projeto para 2010.

Eram muitas as dificuldades dos golpistas. Faltava a eles os ingredientes de 54 e 64. Sem o “perigo vermelho” de 64, tentou-se criar o perigo da aproximação de Lula com o presidente Chávez e das movimentações “exacerbadas” dos movimentos sociais, em particular o MST. Para reeditar o “mar de lamas”, fórmula de 54, vender a ilusão de que a corrupção é fórmula petista – antes disso, a ética – dimensionada no governo do presidente Lula. E haja cacete para bater no governo. Um ano e meio de buduna.

Hoje, baixadas as armas mais contundentes, exceção para alguns narcisos que tentam apoderar-se dos espaços oposicionistas e dos focos midiáticos abandonados por tucanos e pefelistas em debandada, pode-se analisar, com maior equilíbrio, os recados da população brasileira bem representada pelos eleitores. Avulta, em particular, a pusilanimidade dos atores envolvidos. Em especial, o Senado da República, quartel general de passagem, articulação e divulgação de todas as maquinações contra o governo. Era ali que se destilava todo o veneno a ser utilizado na cruzada contra o presidente que ousou desafiar o conservadorismo da política externa, que ousou iniciar a recuperação da secular injustiça social mediante políticas compensatórias de redistribuição de renda, universalmente reconhecidas.

E que recados são esses? São recados para a grande mídia, outrora carro-chefe do instituto dos formadores de opinião. Hoje desmoralizada, não pelo fato de se ter bandeado para os lados tucanos, fato previsível no jogo democrático. A condenação em massa da nossa grande mídia é pelo procedimento antiético e não profissional que vem adotando desde a eclosão da crise em meados de 2005: a não confirmação dos fatos pela ouvida do outro lado, do contraditório; a institucionalização da quebra de sigilo de fatos protegidos por lei; a divulgação de fatos tendenciosos não confirmados; o aquecimento de notícias passadas e a criação de ficção como estratégias de reforço de sua posição política.

São recados que também apontam para a quase completa desmoralização da instituição Senado da República. Pelo menos, nos moldes atuais, especialmente quanto à duração da representatividade. Apenas a um passo ou dois do caráter vitalício de origem. Sob este aspecto o senador seria mais importante que o governador do próprio estado que representa.

Numa amostragem prática, cerca de 70% dos 47 senadores candidatos foram derrotados. Quase um terço destes ficarão sem mandato. Outros 19, em virtude da quase vitaliciedade do cargo, permanecerão por mais 4 anos. É o caso do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), campeão de discursos contra o governo Lula. Eleito em 2002 com quase 30% dos votos válidos, para senador, obteve, agora, cerca de 5%, para governador. Para maior contrariedade, no estado do senador, o presidente Lula obteve 86% dos votos válidos. É, também, o caso do senador Demóstenes Torres (PFL-GO). Conseguiu apenas 95 mil votos para governador, 3,5% dos votos válidos, diferentemente de 1,5 milhão de votos que obteve em 2002. Não esqueçamos de que o senador goiano recebeu generosos focos da grande mídia, nas CPIs dos Bingos e dos Correios.

A valer os indicadores da amostragem, poderíamos inferir que bem mais da metade dos senadores teriam sido derrotados em novas tentativas eleitorais? Parece que a instituição passa de fatigado exército de Brancaleone a condição de um caricato retrato de Dorian Gray. Acho que seria apropriado instituir-se um instrumento de aferição, na metade do mandato, para que o eleitor pudesse expressar sua aprovação ao desempenho do parlamentar. Como acontece com os prefeitos das grandes cidades, com os governadores e com o Presidente da República. Justo. Teríamos muita gente graúda vestindo pijama no tempo certo.

Sidnei Liberal

Brasília

25 de novembro de 2006

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