Propostas políticas sobre sistema de execução de penas‏

Propostas políticas sobre sistema de execução de penas‏. 15670.jpegEx.mos. Senhores

Presidente da primeira comissão da Assembleia da República,

Dr. Fernando Negrão,

Deputados membros da mesma comissão,

  

Lisboa, 26-09-2011

N.Refª n.º 119/apd/11

V. Refs. Oficios 315/XII/1ª - CACDLG/2011 e 317/XII/1ª - CACDLG/2011, ambos de 15/09/2011

  

Foi com gosto que recebemos, após oito anos de envios de emails possibilitados pelo e-government, uma nota de preocupação dessa comissão sobre alguns casos por nós divulgados.

No primeiro ofício, pede essa comissão à ACED informações suplementares sobre o caso denunciado. Não podemos, infelizmente, corresponder ao vosso pedido. A ACED não tem mandato para investigar situações prisionais, pelo que não pode telefonar para o sr. Amilton César Gonçalves (ou para outro qualquer recluso), pedindo-lhe que consubstancie as suas denúncias de forma a poder corresponder ao vosso pedido.

Poderia fazê-lo, tivesse Portugal ratificado o Protocolo Adicional da Convenção da Tortura da ONU, que torna possível a comunicação entre reclusos e entidades independentes que lhes mereçam confiança para depositarem as respectivas queixas. Infelizmente, o Estado português subscreveu esse Protocolo, mas não o ratificou. Talvez a Comissão a que V.Ex.ª preside possa pressionar no sentido dessa ratificação, que poderia vir a contribuir para que o trabalho da ACED pudesse ser estendido e para uma maior vigilância sobre o adequado funcionamento dos estabelecimentos prisionais?

No segundo ofício, informa-nos V.Ex.ª ter pedido ao Ministério da Justiça esclarecimentos sobre outros casos de maus tratos reportados pela ACED. Temos razões para temer que nenhuns dados úteis resultem desse pedido. A experiência ensinou-nos que as inspecções aos serviços prisionais estão condicionadas, de forma a impedir a emergência aos olhos do Estado e do público dos casos de violência e maus tratos ocorridos nos estabelecimentos prisionais. O caso mediático do uso de uma arma taser contra um recluso, há um ano atrás, mostrou o embaraço que o Estado passa, de cada vez que é pedido algum esclarecimento público aos serviços e aos seus dirigentes. Mas talvez os senhores deputados - seguindo o exemplo dado pelos deputados da Ala Liberal que, em plena ditadura, entenderam ouvir as queixas que lhes chegavam das prisões de Caxias e Peniche - pudessem inteirar-se in loco dos casos referidos?

Permitimo-nos sugerir-vos, por exemplo, o caso de Carlos Gouveia - a quem foi aplicada a taser no caso já referido - institucionalizado desde os quatro anos de idade, que com quase 30 nunca saiu das instituições, tendo passado quase directamente do orfanato para a prisão e sujeito a um regime que o traz preso a sucessivos processos crimes, com o possível resultado de uma institucionalização perpétua. Ou os de homens mais velhos, como António Ferreira ou Delfim Branco, cuja sucessão de penas os tornam efectivamente objecto de prisão perpétua. Ou os casos de Hélder Costa e de Hugo Teixeira, entre muitos outros vítimas da negligência dos serviços de saúde. Ou o de Maria Alzira Lam que alegou terem sido vítimas de tortura e foi processada criminalmente por isso. Ou o de Maria Cecília Menezes, que de testemunha de tortura e passou a arguida por ter ajudado a vítima a organizar a respectiva queixa. Saber porque razão um inspector dos serviços organizou um levantamento das violências quotidianas na Penitenciária de Lisboa que se ficou pela produção de uma extensa lista de presos que se dispuseram a testemunhar.

E permitimo-nos também fazer uma outra proposta, baseada na experiência da reforma prisional norueguesa, cujo êxito passou pela realização anual de um fim-de-semana de imersão reunindo representantes de todos os sectores interessados no assunto, desde jornalistas a políticos, guardas e presos, académicos e activistas, etc. : - a organização anual de um seminário de 3 dias para recolha de sugestões de política de execução de penas, em que todos os interessados disponíveis para ultrapassar a situação estruturalmente imoral das prisões em Portugal se possam juntar, de modo a debater os diferentes diagnósticos e acordar formas de acção democrática, em cooperação e em liberdade, para que em Portugal se possa trabalhar eficazmente por uma sociedade mais segura e mais livre ao mesmo tempo;

Parece-nos da maior importância estudar os processos de inspecção dos serviços prisionais e avaliar a respectiva utilidade para as políticas de execução de penas, com vista a eventual alteração das condições de funcionamento de tal instituto.

Uma forma de ultrapassar barreiras aparentemente intransponíveis seria dar um sinal político de vontade de racionalização e responsabilização das instâncias reguladores dos serviços prisionais, agilizando-lhes a autonomia face aos serviços inspeccionados e apoiando-as politicamente no trabalho de levantamento e correcção das práticas indesejáveis. A política defensiva de "olhar para o lado" torna os inspectores cúmplices das práticas que deveriam revelar, habituando-os a terem receio de si próprios. Na prática impondo ao Estado, no seu conjunto, independentemente da vontade dos titulares dos diferentes cargos, a extensão dessa cumplicidade involuntária.

A Direcção

ACED

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