Anita Prestes, uma mulher que renunciou ao que ninguém renuncia

Por conta da derrubada do presidente João Goulart, em março de 1964, e a instalação de um Governo Militar no Brasil, iniciou-se uma resistência intelectual e armada aos militares.

Muitos dos contrários ao novo regime político brasileiro foram obrigados a procurar outros países para sobreviverem. Entretanto, muitos outros, como que se auto-intitulando perseguidos políticos da ditadura militar, foram passar umas “merecidas” férias no exterior.

Com a Lei da Anistia em 1979, iniciou-se, então, uma avalanche de processos judiciais, mais de 52 mil, clamando por indenização financeira aos que foram vítimas reais e imaginárias da ditadura militar. Com isso, estima-se que até hoje o Governo Federal já pagou em indenização mais de R$3 Bilhões.

O próprio humorista, dramaturgo e escritor Millôr Fernandes chegou a afirmar, certa feita, que para muitos beneficiários da farra da anistia, o combate à ditadura militar não foi uma causa, mas um investimento.

Lamentavelmente, a imprensa brasileira não teve o menor interesse em tornar público uma carta de Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes, datada e divulgada em 13/01/2010, renunciando a uma polpuda bolada de indenização financeira a que teria direito, por lei, como filha e herdeira do líder comunista.

Pelas atrocidades sofridas pela ditadura de Getulio Vargas, se há alguém no Brasil (se vivo estivesse) que teria direito de forma justa, robusta e incontestável a uma indenização financeira seria Luiz Carlos Prestes ou seus legítimos herdeiros vivos, como é o caso de sua filha Anita Leocádia Prestes.

De conteúdo simples, sem eloqüência ou veemência verbal, mas de forma direta, clara e contundente, Anita Leocádia Prestes enviou ao jornal O Globo, em 13/01/2010, a seguinte carta:

"Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (página 4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações”, e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes, devo esclarecer o seguinte:

Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.

A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.

Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.

Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.

Atenciosamente,

Anita Leocádia Prestes

RJ, 13/01/2010".

Quem foi Luiz Carlos Prestes

Na verdade, o único comunista brasileiro que teve ligações diretas e pessoais com o Governo do Kremelin, quando do vigor político da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), foi Luis Carlos Prestes, pai de Anita Leocádia Prestes.

Luís Carlos Prestes era gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu em 03 de janeiro de 1898 e faleceu no Rio de Janeiro em 07 de março de 1990. Prestes foi oficial do Exercito Brasileiro, político e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro. Sua mulher, Olga Benário, foi morta na Alemanha, em uma câmara de gás, pelos nazistas.

Em 1919 Luiz Carlos Prestes formou-se oficial do Exército Brasileiro pela Escola Militar do Realengo, Rio de Janeiro, atual Academia Militar das Agulhas Negras. Em outubro de 1924, já capitão, Luís Carlos Prestes liderou um grupo de rebeldes no Rio Grande do Sul.

Mais tarde, conseguiu formar um contingente rebelde chamado de Coluna Miguel Costa-Prestes, com 1500 homens, que percorreu por dois anos e cinco meses 25.000 km. Em toda esta volta, as baixas foram em torno de 750 homens devido à cólera, à impossibilidade de prosseguir por causa do cansaço e dos poucos cavalos que tinham, e ainda poucos homens que morreram em combate.

Prestes recebeu o apelido de "Cavaleiro da Esperança" e foi estudar marxismo na Bolívia, para onde havia se transferido no final de 1928,quando a maioria da Coluna Miguel Costa-Preste haviam se exilados. Na Bolívia teve contatos com os comunistas argentinos Rodolfo Ghioldi e Abraham Guralski, este último dirigente da Internacional Comunista.

Em 1930 retorna clandestinamente a Porto Alegre, onde se encontra por duas vezes com Getúlio Vargas, que o convidou a comandar militarmente a Revolução de 30, mas recusa-se e se coloca contra a aliança entre os tenentistas e as oligarquias dissidentes.

Em 1931, a convite do Kremelin, Luiz Carlos Prestes foi morar na União Soviética, onde trabalhou como engenheiro (no Exército Brasileiro Prestes formou-se em Engenharia Militar) e dedicou-se aos estudos marxistas-leninistas. Em agosto de 1934, por força da pressão do Partido Comunista da União Soviética, Luiz Carlos Preste finalmente foi aceito como filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Após ter sido eleito membro da comissão executiva da Internacional Comunista, em 1934, Luiz Carlos Prestes retornar como clandestino ao Brasil, em companhia da alemã Olga Benário, também membro da IC. Seu objetivo era liderar uma revolução armada no Brasil.

Já no Brasil, Prestes encontra o recém constituído movimento Aliança Nacional Libertadora (ANL), de cunho antifascista e antiimperialista, que congregava tenentes, socialistas e comunistas descontentes com o Governo Vargas. Mesmo na clandestinidade, Luiz Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra da ANL em sua sessão inaugural no Rio de Janeiro.

Prestes procura então aliar o enorme crescimento da ANL com a retomada de antigos contatos com militares para criar as bases que julgava capazes de deflagrar a tomada do poder no Brasil. Em 1935 divulga um manifesto exigindo a derrubada da ditadura Vargas, que declara a ANL ilegal, mas não consegue impedir que Prestes continue a organizar o que ficou conhecido como a Intentona Comunista.

Em março de 1936, Luiz Carlos Prestes é preso, perde a patente de capitão do Exército Brasileiro e inicia uma pena de prisão de nove anos. Sua mulher, Olga Benário, grávida, é deportada e morre em uma câmara de gás no campo de concentração nazista Ravensbrück. A criança, Anita Leocádia Prestes, nasceu em uma prisão na Alemanha.

Com o fim do Estado Novo, Prestes foi anistiado, elegendo-se Senador da República. Assume a secretaria geral do PCB, mas o registro do partido foi cassado, e novamente Prestes foi perseguido e voltou à clandestinidade.

Na Assembléia Constituinte de 1946, Prestes liderava a bancada comunista de 14 deputados composta por, entre outros, Jorge Amado, eleito pelos paulistas, Carlos Marighela, pelos baianos, João Amazonas, o mais votado do país, escolha de 18.379 eleitores do Rio, e o sindicalista Claudino Silva, único constituinte negro, também eleito pelo Rio.

Após o movimento de 1964, com o AI-1, teve seus direitos de cidadão novamente revogados por dez anos. Perseguido pela polícia, conseguiu fugir, exilando-se na União Soviética no final dos Anos 60, regressando ao Brasil devido à Anistia de 1979.

Os membros do PCB que também voltavam do exílio, de orientação eurocomunista, e que se tornaram maioria no Comitê Central do Partido, não mais aceitaram as orientações de Prestes, por considerarem-nas retrógradas, rígidas demais e pouco adaptadas aos novos tempos.

Então, Prestes foi destituído da liderança do PCB e lança a Carta aos Comunistas, em que defende uma política de maior enfrentamento ao regime e uma reconstrução do movimento comunista no país. Em 1982, em companhia de vários militantes comunistas, Prestes sai do PCB e ingressa no PDT.

ANTONIO CARLOS LACERDA

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