Não são peanuts, não senhor!!!

Ficou célebre a expressão “Isso são peanuts…” do Dr. Jorge Coelho, então Ministro de Estado e do Equipamento Social, do XVI Governo Constitucional (1999 – 2002) ao reagir a críticas sobre as altas remunerações dos executivos das empresas públicas e participadas, já nessa altura exorbitantes.

Quis esta figura da nossa praça, que transitou da administração pública para a privada (Mota-Engil) graças à habitual troca de favores corporativos (institucionais…), dizer que tal problema era de somenos importância, não valendo nem sequer um pacote de amendoins… Evidentemente que vale muito mais e o resultado, vergonhoso, está à vista, como adiante veremos.

O problema do leque salarial ou se quiserem dos rendimentos, sempre foi motivo de grande polémica em Portugal e com razão. Um país onde o Trabalho foi sempre mal remunerado, gerando uma pobreza endémica, e o Capital e os seus serventuários, bem remunerados, só pode gerar gritos de revolta. Houve quem quisesse acabar com isso, estabelecendo um tecto máximo, que não deveria ultrapassar, se não estamos em erro, 4 salários mínimos.

Quem o tentou, Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro no período mais quente do PREC (Processo Revolucionário em Curso, 1974 – 1975), sofreu uma chuva de insultos que foram de “doido varrido” a “bêbado”… A crítica mais “séria” que nos lembramos, foi de que tal provocaria a fuga de quadros. Aconteceu de facto, porém não foi tanto por isso, que não chegou a ser na prática implementado, mas devido à fúria esquerdista contra tudo que representasse a dita “exploração capitalista”. Curioso é que volvidos alguns anos, muitos desses “inflamados revolucionários” mudaram de campo e ocupam hoje invejáveis lugares na política e na economia, que lhes garante chorudos rendimentos. Não é que tenhamos inveja, mas há que dizê-lo para memória futura.

Analisando um quadro de incidência das remunerações no PIB, da Eurostat, de 2000 a 2009, de alguns países da Zona Euro, Portugal apresenta índices dos mais altos da União Europeia, havendo anos que chega a superar, por exemplo, a França e a Espanha, que constituem economias muito mais fortes do que a portuguesa. Em 2008, quando a crise do imobiliário norte-americano já tinha deflagrado, tal valor foi de 50,1% contra 51,6% e 48,4% respectivamente dos franceses e espanhóis.

A projecção para 2010 e 2011 dá ao país valores de 53,3% e 53,00%, à frente dos países considerados. Aparentemente os portugueses ganham bem… mas só aparentemente. Como então é possível tal classificação se temos os salários mais baixos da Europa Ocidental e o nosso contingente de desempregados já atingiu os dois dígitos, um dos mais elevados? Fácil. Deve-se fundamentalmente aos altos rendimentos dos CEOs (Chief Executive Officer) das empresas públicas e participadas e não apenas estas… Não é concerteza o salário mínimo que engorda tais índices.

No mesmo momento que se aprova um PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) draconiano, que tem no agravamento das condições de vida dos portugueses o seu principal instrumento de correcção do desequilíbrio orçamental, não se compreende, ninguém aliás seriamente pode compreender, que uma certa “elite corporativa” continue a beneficiar de rendimentos centenas de vezes superiores ao salário mínimo nacional e à média europeia, para o mesmo escalão. Há quem, por exemplo, somadas todas as remunerações de um ano (2009), daria para pagar cerca de 7.111 salários mínimos, ou seja, 592 por mês!!! Não me digam que isto são peanuts…

Ouvimos no debate desta semana da Assembleia da República, o parlamentar Dr. Miguel Macedo, agora líder da bancada do PSD (Partido Social Democrata), denunciar que o CEO da EDP, o Dr. António Mexia, em 2009 recebeu uma remuneração mensal, 20 vezes superior ao do Presidente da República e do Primeiro-Ministro e o dobro dos seus colegas francês e espanhol. A perplexidade daquele Deputado, e a nossa também, é tanto maior, quando se sabe que aquela empresa tem o monopólio da produção e distribuição da energia eléctrica em Portugal e que portanto, acrescentamos nós, tem a facturação garantida a cada mês, chova ou faça sol.

Significa que não havendo concorrência, torna-se relativamente fácil obter lucros e lucros crescentes. Tem ainda a vantagem de ter amiguinhos na ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), um regulador que supostamente deveria estar ao serviço do consumidor, que permite o aumento discricionário das tarifas para suportar o “negócio” das energias renováveis… que custa os “olhos da cara” e que são de discutível eficácia. Não nos admiremos se qualquer dia destes não incluirão também uma taxa para “penalizar” o consumidor pela produção de CO2 por via do consumo de energia eléctrica… num alinhamento oportunista com as teses algoristas do Mister Al Gore.

Pelo menos a sua congénere dos Açores, a EDA (Electricidade dos Açores) já indica nas facturas a quantidade de carbono correspondente ao consumo… Qualquer verdadeira empresa investe com capitais próprios ou vai à banca, mas a EDP tem o privilégio de obter o dinheiro para os seus investimentos através do preço excessivo do kWh, superior ao de alguns países da União Europeia, nomeadamente os mais ricos. A “farra do agiotismo empresarial” do sector energético vai ao ponto de propor que seja o consumidor a pagar as dívidas de consumo incobráveis!!! É obra! Mas é este tipo de executivo que tem o aplauso internacional dos seus pares e certamente dos accionistas, entre os quais o próprio Estado, que detém 25% do Capital Accionista, se incluirmos a Caixa geral de Depósitos. António Mexia e Zeinal Bava foram considerados em 2009 os melhores CEOs nos sectores da energia e telecomunicações pela Revista Institutional Investor.

Todo este ruído à volta das remunerações dos altos quadros das empresas públicas e participadas esconde no entanto a natureza das Sociedades Anónimas, que é quanto a nós a verdadeira causa de um tão grande desequilíbrio dos rendimentos praticados em Portugal. E esconde, por que muita gente, a começar pelos accionistas, pequenos e grandes, entre eles o próprio Estado, medem o desempenho dos CEOs pelo valor dos dividendos que a cada exercício conseguem. Ninguém quer saber, como o rendimento das suas acções é obtido…

Ninguém quer saber, por exemplo, se tais dividendos tiveram como resultado o despedimento maciço de trabalhadores, ou se, o esmagamento dos Direitos Sociais, ou ainda se pelo expediente esperto do aumento discricionário de preços ao consumidor, sempre acima da taxa de inflação. Ninguém pergunta como é? Querem é dividendos e em crescendo, independentemente da situação económica e social do país. A isto chamam “mercado”. Nós chamamos cega ganância. Nem sequer percebem isto: se os recursos são finitos, como fazê-los crescer quando uma Economia atingiu os limites da sua expansão, como é o caso português? Então só há uma forma de satisfazer a avidez de lucros crescentes, retirando activos do Trabalho, incluindo os preços ao consumidor, para não chamar outra coisa, e/ou, especulando no mercado financeiro, onde rola dinheiro electrónico, sem correspondência à Economia Real. Isto também gera crise, e não apenas económica…

Artur Rosa Teixeira

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