Apagão de dados sobre Covid-19 dificulta políticas públicas

Apagão de dados sobre Covid-19 dificulta políticas públicas

Desde o início da pandemia, grupos têm se mobilizado e procurado parlamentares para que dados como raça, cor, etnia e nacionalidade fiquem disponíveis. Também faltam informações sobre número de testes e leitos de hospital.

                                          

 

por Mariana Branco

Ministério da Saúde só incluiu recorte de cor e raça em formulário do SUS no fim de abril

Entidades ouvidas pelo Vermelho apontam que há um apagão de dados sobre o novo coronavírus que dificulta o planejamento de políticas públicas contra a doença, penalizando particularmente populações mais vulneráveis e minorias. Desde o início da pandemia, grupos têm se mobilizado e procurado parlamentares para que essas informações fiquem acessíveis.

Uma proposta de lei em tramitação na Câmara dos Deputados determina a divulgação de uma ampla gama de informações relativas a casos suspeitos e confirmados. O Projeto de Lei 2.151/2020, da deputada Tabata Amaral (PDT-SP) e do deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), prevê a obrigatoriedade de informar dados como raça, cor e etnia dos pacientes; comorbidades; número de leitos disponíveis; taxa de internação; número de testes e de profissionais de saúde contaminados ou que vieram a óbito.

Uma emenda do deputado Alexandre Padilha (PT-SP) determinou ainda a inclusão da nacionalidade, a fim de tornar visível o impacto da doença entre imigrantes e refugiados, que somam 1,9 milhão de pessoas no país segundo a Polícia Federal.

Segundo Tabata e Rigoni, 90% dos estados ainda não publicam dados suficientes para acompanhar a disseminação da pandemia da Covid-19 pelo país, incluindo o governo federal. Apenas um estado divulga a quantidade de testes disponíveis em seu portal e nenhum divulga quantos leitos - sobretudo de UTIs - estão ocupados. Há um requerimento, ainda não apreciado, para que o projeto de lei tramite em regime de urgência.

Vulneráveis

A solicitação de dados sobre raça, cor, etnia e nacionalidade destina-se a formular políticas que atendam às populações mais vulneráveis à pandemia. Um estudo divulgado no início deste mês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com 29,9 mil pacientes internados no país, mostrou que a Covid-19 matou 54,9% dos pacientes negros contra 37,9% dos brancos. Estudos por amostragem indicam tendências, mas não suprem a deficiência de dados oficiais.

O Ministério da Saúde só começou a publicar dados sobre pessoas infectadas com o recorte de cor e raça após ser demandado por entidades, como a Coalizão Negra por Direitos, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Conforme informações do ministério, a porcentagem de pacientes mortos por Covid-19 entre pretos e pardos passou de 32,8% para 54,8% entre 10 de abril e 18 de maio. Segundo Luís Eduardo Batista, um dos coordenadores do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Abrasco, após ser acionado, o ministério também passou a solicitar recorte de cor e raça no formulário do sistema e-SUS-VE. Anteriormente, o campo existia apenas em um outro formulário, do SIVEP-Gripe.

Segundo Batista, no entanto, na prática ainda é difícil obter esses dados. "Em 29 de abril [a informação] passou a ser incluída, mas o que a gente está vendo é que não está sendo preenchida". Para ele, precisa haver uma conscientização das equipes de saúde e da sociedade de que, sem as informações, o combate efetivo ao vírus não será possível.

"A gente tem que pedir ajuda, tem que divulgar, para que os profissionais na linha de frente fiquem atentos a isso. Imagine que a gente precisa pensar estratégias de prevenção. Eu quero falar para a população negra. Mas qual população negra? Em qual região da cidade? Tem diabetes? Tem hipertensão? Se você não consegue ter essas informações, não consegue fazer planejamento", diz.

Invisíveis

Os dados sobre nacionalidade também são importantes para conhecer os efeitos da Covid-19 sobre outro grupo vulnerável, os imigrantes e refugiados. Ao pedir a inclusão da informação sobre nacionalidade nos formulários epidemiológicos, Alexandre Padilha atendeu a pedido da Rede de Cuidados em Saúde para Imigrantes e Refugiados (Rede).

O Congresso Nacional é agora a esperança do sanitarista haitiano James Lalane, aluno do programa de pós-graduação em Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Rede. As tentativas junto ao Ministério da Saúde, diz Lalane, até o momento ficaram sem resposta.

"Eu escrevi uma nota técnica. Mandei por e-mail para o Ministério da Saúde e não responderam. Então, entrei em contato com a Ouvidoria. A Ouvidoria respondeu que aceitavam minha sugestão e que o ministério entraria em contato, mas até agora não entrou. A DPU [Defensoria Pública da União] em São Paulo fez um ofício e também não responderam", informa.

A nota técnica, do dia 6 de maio, é assinada pela Rede e diversas outras entidades. Já o ofício da DPU São Paulo data de 12 de maio. No documento, a defensora pública Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi argumenta que habitam no Brasil cerca de 1,9 milhão de imigrantes e refugiados, dos quais 42% vivem em São Paulo, epicentro da pandemia no país. Ela solicita a inclusão do campo nacionalidade nos formulários do SUS e também que sejam divulgados dados sobre a Covid-19 entre essa população caso existam.

Vermelho entrou em contato com o Ministério da Saúde e pediu informações sobre o contato de James Lalane e o ofício enviado pela DPU. Perguntou, ainda, qual o prazo para a inclusão do campo nacionalidade nas notificações de casos de coronavírus. Até a publicação desta matéria, o órgão não havia respondido. O espaço segue aberto para manifestação.

Contabilizados como brasileiros

Segundo o antropólogo Alexandre Branco Pereira, um dos coordenadores da Rede, imigrantes e refugiados com a Covid-19 são muitas vezes contabilizados como brasileiros na hora de lançar os dados nos sistemas e-SUS-VE e SIVEP-Gripe.

"Isso invisibiliza conhecer o impacto da pandemia sobre a população imigrante e refugiada. Nos EUA, por exemplo, é possível apontar que as cidades com mais comunidades migrantes têm até 30% mais mortes que a média nacional. E no Brasil? Só será possível dizer se nacionalidade for informada e sistematizada pelo Ministério da Saúde e boletins epidemiológicos forem divulgados com esses dados desagregados", defende.

Mariana Branco

 vermelho.org.br

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