Como distinguir: Um manifesto fascista

Como distinguir: Um manifesto fascista

O que caracteriza o discurso fascista é a simplificação dos argumentos. Não há mais lugar para dúvidas. Só existe a certeza. Quem o profere é sempre alguém que se considera portador de uma verdade única.

Numa sociedade democrática seu autor é quase sempre uma figura excêntrica e ridícula, que nos casos mais graves acaba sendo internado num sanatório para doentes mentais.

Numa sociedade ditatorial ele é trágico, porque muitas vezes se transforma no discurso oficial dos donos do poder. Exemplo definitivo na história da humanidade foi o período do nazismo na Alemanha, onde as versões mais absurdas da realidade se transformaram em verdades oficiais.

Num país como o Brasil, que vive um período onde as liberdades civis, tão duramente conquistadas, estão sob a ameaça de um governo que assumiu o poder de uma forma espúria e de forças sociais que trabalham diariamente contra elas, esse discurso deve ser denunciado enquanto isso ainda é possível.

Tome-se como exemplo o manifesto de uma centena de promotores públicos, meia dúzia de advogados e um juiz,em defesa do endurecimento das penas atribuídas aos condenados na justiça criminal e na crítica, ao que os signatários do documento chamam de "garantismo" e de "bandidolatria".

Trata-se, manifestamente, de um documento de conteúdo claramente fascista, na medida em que, se valendo de um sentimento difuso de insegurança por parte da sociedade, prega abertamente o fim das garantias que a lei assegura a todas as pessoas, mesmo àquelas que cometeram algum crime.

No caso dos julgamentos criminais, a lei permite que o acusado negue no seu julgamento o que "confessou" na fase policial, porque o legislador percebeu que estas confissões são muitas vezes obtidas de forma ilegal.

São essa e outras medidas,formas claras de proteção ao ser humano, nascidas daquela visão de que todos são inocentes até que se provem sua culpa, que os signatários do documento querem acabar.

E para isso usam argumentos falsos, afirmando que a maioria dos criminosos escapa às condenações. Um dado concreto da própria Justiça do Rio Grande do Sul mostra que, nos últimos dois anos, a população carcerária gaúcha amentou em oito mil pessoas, o que significa uma elevação de 30% dos presos.

Na sua argumentação simplista, os signatários do manifesto acabam defendendo a velha e surrada ideia de que o criminoso nasce feito, ao tentarem desconstruir o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos de que ele é um produto do meio e da cultura onde vive.

O perigo desse manifesto é que uma mídia, como no caso do Rio Grande, que faz do noticiário policial seu maior destaque jornalístico, dê seu apoio à iniciativa, como parece já estar ocorrendo e convença a população de que essa é a posição correta, tornado os defensores de uma justiça mais humana, figuras execráveis para a sociedade.

Seria bom que esses defensores de um autoritarismo ultrapassado, lembrassem o que ocorreu com a justiça no período do nazismo na Alemanha.  Lá, como mostra em seu livro "Apoiando Hitler - consentimento e coerção na Alemanha nazista", o professor americano Robert Gellately, a Justiça foi colocada a serviço da ideologia mais perniciosa da história da humanidade.

Consultando documentos e citando jornais da época, o professor Gellately, comprova como a justiça comum alemã endureceu em seus julgamentos, transformando pequenos crimes, antes passíveis de condenações leves, em condenações pesadas e mesmo à penas de morte.

E não foram apenas os judeus, comunistas e ciganos, que seriam transformados em alvos de uma justiça extremamente politizada e aplicada por juízes temerosos do poder da Gestapo e do Kripo (as policias nazistas), mas todos os tipos de dissidentes sociais, os que eram considerados pela justiça nazista como "vagabundos, desviantes sexuais, delinqüentes juvenis", milhares deles levados para os campos de concentração que os nazistas espalharam pela Alemanha.

A pretexto de tranqüilizar a população, "ordeira e trabalhadora" alemã, esses defensores da moral introduziram no País a ditadura mais monstruosa que o mundo já começou.

E tudo começou também numa velha cervejaria de Munique com um manifesto a favor da ordem e contra os dissidentes sociais.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

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