A Ilha de Cuba: 'Voltei mais comunista do que fui'

A Ilha de Cuba: 'Voltei mais comunista do que fui'

por Alberto Villas* - Carta Capital

Recuerdos de mil novecentos e oitenta e pouco: "Chico! Chico! ", gritavam no aeroporto para um Buarque de Holanda sorridente e meio tímido

'Voltei mais comunista do que fui'

A emoção é sempre muito grande quando a gente pisa num lugar sonhado pela primeira vez. Foi assim quando cheguei a ilha de Cuba e fui recebido como um pachá. Claro. Estava ao lado de Chico Buarque, nosso embaixador por lá.

- Chico! Chico! Chico! gritavam no aeroporto para um Buarque de Holanda sorridente e meio tímido, cigarro entre os dedos, depois de muitas horas de voo.

Eu era um garoto magro e cabeludo, tênis Bamba nos pés, calça jeans desbotada, camiseta com estampa de rock and roll e uma mochila da Company nas costas, cheia de sonhos e ilusões. Nem parecia um funcionário do Estadão, com carteira assinada e tudo mais.

Voei pro Panamá e depois embarquei num avião da Cubana, que mais parecia um ônibus da Cometa com asas. Gostava daquela aventura, não reclamava do barulho do motor, da turbulência dentro das nuvens, do papel de parede florido descolando da mesinha de lanche. Não reclamava nem mesmo da cerveja quente sem rótulo servida a bordo.

No pensamento, modificava a canção de Luiz Melodia, cantando baixinho se alguém quer matar-me de amor, que me mate no espaço aéreo da ilha de Cuba!

Voava ansioso com a missão de cobrir o Festival de Música de Varadero para o Caderno 2 que, além de Chico, tinha Maria Bethânia numa noite bem brasileira.

O jornalismo não era quadrado, medroso, tampouco burocrático, tanto que o Luiz Fernando Emediato nem percebeu que fiquei na ilha quinze dias pra cobrir um festival que durava apenas três.

Além da cobertura do festival, escrevia crônicas, fotografava o país para uma reportagem do Suplemento de Turismo do jornal e me divertia com o bom humor dos moradores dali. Dancei salsa como nunca com cubanas cheirosas, muito jogo de cintura e rebolado, ao som quente de Los Van Van e Celia Cruz e canções românticas de Silvio Rodriguez e Ibrahim Ferrer.

Cuba era uma festa. Havia uma certa penúria, lembro-me bem, até para comer um perro caliente seco, pão com salsicha e só. Tinha filas enormes e a caixa do trailer demorava um bom tempo para fazer a nota fiscal em quatro vias, que ia colocando uma a uma dentro de escaninhos de madeira. Uma pro governo, outra pro Ministério da Saúde, outra pro Ministério da Agricultura, outra pro Ministério do Comércio, me disseram.

O refrigerante era uma cola meio aguada e muito doce que eu bebia com vontade e prazer, mordendo aquele cachorro quente minúsculo e esquisito.

Gostava de entrar nos sebos e livrarias e ver o preço de banana dos livros impressos em papel jornal e com capas bem populares. Jorge Amado era o pop star da ilha e todos se miravam em Gabriela, cravo e canela.

De noite, a festa era nas praças públicas de Havana. enfeitadas com bandeirinhas de papel crepom colorido e lâmpadas de 40 watts. Muita música, muita margarita e muito mojito. O papo rolava entre política, a resistência aos yankees e o sonho de um dia conhecer Copacabana.

As minhas camisetas faziam sucesso por ali e eu não podia sair com elas nas ruas. Era colocar o pé na calçada, logo aparecia um companheiro querendo trocar a sua branca de algodão rústico por aquela colorida de rock and roll.

Deixei por lá uma com o rosto da Nina Hagen, uma da Madonna, uma da Cindy Lauper e uma quarta com um desenho do Yellow Submarine, que devem existir até hoje, puídas e desbotadas, porque cubano não se desfaz assim de uma camiseta preciosa.

Visitamos o museu e a praça da Revolução, conversamos com estudantes universitários que levavam fotografias de Fidel nas carteiras de couro surrado que guardavam dentro de pastas de cartolina. todos muito orgulhosos da ilha.

Comi muita banana frita e camarões ensopados. Fotografei noivas nas muradas do Malecón, a imagem de Che Guevara nos muros de Havana, comprei livros de Marx e Engels, voltei mais comunista do que fui.

Assisti palestras intermináveis sobre música e cinema cubano, palestras que mais pareciam aqueles históricos discursos do comandante Fidel Castro. Anotava tudo num bloquinho azul que o Estadão dava aos repórteres do Caderno 2. Dos bloquinhos, só sobraram as histórias pra contar.

*Jornalistas e escritor, acaba de lançar o e-book "Mil Tons, o meu Millôr", pela editora e-galaxia.

http://www.patrialatina.com.br/a-ilha-de-cuba-voltei-mais-comunista-do-que-fui/

 

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