Der Spiegel e os revolucionários CIEPs

Der Spiegel e os revolucionários CIEPs

A revista alemã DER SPIEGEL considerava os Os Centros Integrados de Educação Pública(CIEPs), popularmente apelidados de Brizolões, os mais revolucionários do Terceiro Mundo.

por Sergio Caldieri
No período entre 1983/85, quando eu trabalhava na assessoria de imprensa do professor Darcy Ribeiro, titular da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, a mais importante revista alemã publicou uma página sobre os CIEPs construídos sob à gestão governamental de Leonel Brizola, considerando-os como os mais revolucionários centros de educação de países em desenvolvimento. Tirei uma cópia da página, postei ao cliping e devolvi o exemplar da revista ao Darcy. Não guardei cópia, e a revista desapareceu, não consegui encontrá-la nem mesmo nos arquivos da Fundação Darcy Ribeiro.

No último dia 25 de agosto de 2017, acessei a International SPIEGEL ONLINE, enviei mensagem contando sobre a matéria publicada, mas não tinha certeza do ano, referi-me apenas ao período entre 1984/85. Em menos de um mês, gentilmente Elif Guven, do atendimento ao leitor, mandou uma cópia das páginas 102 e 104, da Der Spiegel Nº 32/1985, publicada em 5 de agosto. 

Eis a matéria sobre os CIEPs tão rejeitados pela imprensa do Rio de Janeiro:

BRASIL

A Síndrome de Calcutá

Escolas, jardins de infância e berços infantis construídos a partir de uma linha de montagem - um enorme programa governamental, na área da educação básica, supre as carências do setor no Rio de Janeiro.*

Oswaldo Luiz Machado está dormindo na rua. Um banco de praça é sua casa, alguns jornais antigos do lixo podem ser suficientes para agasalhar os seus 13 anos de idade. Suas atividades estão limitadas a alguns quarteirões no distrito do Catete, no Rio de Janeiro. Ele ganha cerca de 20 marcos alemães por mês para cuidar de carros estacionados. Os garçons nos restaurantes da região lhe dão alguma comida. Também foram eles quem atraíram o menino desabrigado para o novo edifício [novo CIEP], que surgiu no final de sua rua, construído com elementos de concreto, pré-fabricados, elegantemente curvados, com painéis amarelados brilhantes e grandes janelas em alumínio, tudo sob o estilo inimitável do renomado arquiteto  brasileiro Oscar Niemeyer. 

Durante quatro semanas, Oswaldo foi um dos quase 600 alunos do primeiro "Centro Integrado de Educação Pública" (CIEP), talvez, um dos conceitos escolares mais revolucionários do Terceiro Mundo está por atrás desse bem elaborado programa.

Numa ação inicial, o Estado do Rio de Janeiro, em três anos, construiu 300 escolas, cada uma com capacidade de atendimento a 1.000 alunos, não só com educação, mas também oferecendo quatro refeições por dia, bem como cuidados médicos e dentários. Além disso, centenas de jardins de infância e creches estão sendo lançados da linha de produção, em uma "fábrica de unidades escolares" com produtividade, em média, de uma escola por dia - a meta inicial do programa prevê um total de 2000 unidades.

"Nós temos que passar pelo nó gordiano", diz o antropólogo Darcy Ribeiro, Secretário da Cultura e Educação do Estado do Rio de Janeiro, que definiu o programa "louco" da Oposição, "de forma contrária: a Síndrome de Calcutá". Assim, o cientista chama o pântano de fome, sujeira e violência, em que as grandes cidades dos países em desenvolvimento ameaçam afundar. "As pessoas nascem na rua, passam toda a vida na selva de asfalto e também no mar da casa", reclama Ribeiro. "E, como resultado da racionalização na agricultura, mais e mais cidades estão chegando às cidades sem a menor chance de encontrar trabalho". A esperança de uma vida digna continua sendo uma ilusão".

De fato, o fornecimento de infraestrutura urbana na metrópole de 7 milhões de habitantes da cidade do Rio de Janeiro [capital do Estado] é trinta vezes menor do que em Paris. E a desproporção aumenta. No ano 2000, a "cidade maravilhosa", a maravilhosa cidade, acolherá 17 milhões de pessoas [turistas estrangeiros e visitantes de outras regiões do país]. 

Acima de tudo, a educação escolar foi completamente negligenciada nas últimas décadas, aumentando a demanda, que era respondida com oferta reduzida. O dia escolar no Brasil leva apenas quatro horas e meia, de modo que dois turnos podem dividir as escassas salas de aula. Nas grandes cidades, é introduzida um terceira turno, que limita o horário escolar diário a três horas. 

"52 por cento das crianças deixam a escola antes da conclusão do segundo ano de educação, nem conseguem escrever e ler corretamente", explica Ribeiro. Na cidade do Rio, nada menos que 700 mil lugares escolares estão faltando; em todo o estado, 1,5 milhão. O Ministério da Educação e Cultura, em 1984, no Estado do Rio de Janeiro, registrou a presença de 586.987 estudantes matriculados em 2350 escolas.

"Não estamos fazendo nada de revolucionário aqui", diz Ribeiro, "estamos apenas reinventando a escola convencional".

É assim que o programa CIEP fornece aulas de tempo integral. As crianças passam nove horas no complexo educacional, que está equipado com uma biblioteca e um campo de esportes. Na primeira unidade, aberta há um mês no Catete, as crianças ficam emocionadas: "É divertido, é fantástico".

Há, naturalmente, muitas crianças que sobreviviam de catar gêneros alimentícios nas latas de lixo dos restaurantes. Aqui [no CIEP] você pode encontrar arroz, feijão, omeletes, frutas ou leite em chapas de aço brilhante em cromo na moderna cantina. 

As aulas são intercaladas por apresentações de teatro, pintura e esportes. E depois que da ginástica, o banho - para muitas dessas crianças da favela, isso é algo inédito. "Aqueles que nunca tiveram a chance de jantar, da alfabetização e da higiene", diz Teresa Graupner, da Secretaria da Cultura.

A coisa maravilhosa sobre todo o programa é que o sistema funciona - pelo menos até agora. "Não é tão caro", diz Ribeiro, "embora usemos a maioria dos recursos do Estado para fazê-lo.

De fato, o governo anterior gastou 80% de seu orçamento em investimentos em áreas de construção urbana, ou no esplendor de lindas praias brancas e amplas avenidas, onde se constroem prédios de apartamentos de luxo incomparável. "Cidade Maravilhosa" é o Rio somente naquela borda sul estreita ao longo das praias que os turistas conhecem. Os milhões de misérias estão escondidos atrás deles

Uma escola CIEP custa menos de quatro bilhões de Cruzeiros (dois milhões de marcos). "Mas o Cruzeiro não é estável", conclui Ribeiro, "mas eu estimo que a próxima expansão de 100 escolas custará cerca de 100 milhões de dólares". 

O jornal "O Estado de São Paulo" chama os CIEPs de "Edifícios faraônicos".

A oposição é surpreendida pelo programa cuidadosamente preparado e pelo planejamento financeiro preciso e teme a crescente popularidade dos reformadores. 

Oswaldo Luiz Machado ainda está dormindo em casa, ainda cuidando de carros, mas agora apenas à noite, com um estômago cheio e um banho limpo. Em breve, ele espera, esta vida também será uma coisa do passado: no sótão do centro escolar, dois apartamentos são organizados para doze crianças cada. Oswaldo quer ser aceito. 

DER SPIEGEL 32/1985

http://www.spiegel.de/spiegel/print/d-13514029.html 

*****

"Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. 
Tentei salvar os índios, não consegui. 
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. 
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. 
Mas os fracassos são minhas vitórias. 
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu."

(Darcy Ribeiro)

Darcy Ribeiro (26 de outubro de 1922 - 17 de fevereiro de 1997) foi um antropólogo, escritor, professor e político brasileiro, conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação.

 

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