Vamos votar em "ninguém"

Vamos votar em "ninguém"

Mais alguns dias e seremos chamados a tomar uma decisão que pessoas, como nós, que se julgam politizadas, consideram de certa forma um grande risco. Vamos anular nossos votos no segundo turno da eleição para prefeito de Porto Alegre, como forma de protesto contra o golpe parlamentar que cassou nosso voto para a eleição de Dilma Roussef como Presidenta.

Não se trata apenas de se recusar de fazer uma opção entre dois candidatos descomprometidos com nossas posições políticas. Outras vezes, votamos seguindo o critério de escolher o menos ruim, mas agora, ao anular nossos votos queremos mostrar que nos recusamos a aceitar o que nos foi imposto pelo conluio entre o parlamento, o judiciário e a mídia.

Será preciso, porém, que esse voto em "ninguém", como foi identificado no primeiro turno, seja realmente expressivo e para isso é preciso combater ideologicamente em duas frentes: primeiro, será necessário deixar claro que é um voto de protesto e não uma prova de desinteresse político e segundo, desmascarar as ações de oportunistas que estimulam o compromisso com um dos lados, usando argumentos que não cabem numa época de exceção.

Outras vezes, um eleitorado alienado, fez seu voto de protesto elegendo personagens que são a própria negação da política como forma civilizada de relacionamento entre os seres humanos, caso ocorrido com o rinoceronte Cacareco, do Zoológico de São Paulo, que recebeu mais de 100 mil votos em 1957 nas eleições para vereador ou do palhaço Tiririca, que com mais de 1 milhão de votos, foi eleito e reeleito deputado federal.

Luís Fernando Veríssimo chamou a atenção em sua coluna dessa semana para o risco em que vive a democracia, ou o que resta de democracia no Brasil, dizendo que a votação em "ninguém" não deve ser festejada, porque " o que há no ar é uma revolta, é uma clara desesperança com o processo eleitoral e fastio com a democracia" - e pergunta - "desvalorizada a política, nos sobra o quê"?

As perguntas que se colocam a partir daí, são muitas:

- O funcionamento das instituições públicas e a falta de censura nos meios de comunicação são suficientes para caracterizar que vivemos num estado democrático, ou as instituições são partes do processo de exceção e os meios de comunicação a sua sustentação ideológica?

- O modelo democrático formal em que vivemos (independência dos poderes, falta de censura, eleições periódicas) ainda pode ser aperfeiçoado ou esgotou essa capacidade?

- Caso esse modelo capitalista, onde os interesses do mercado se sobrepõem aos da população, precise ser substituído, como se dará esse processo, se por via eleitoral ou através de uma nova forma de ação que atenda os interesses da população?

Uma ampla negação em participar de um processo eleitoral, viciado pelos limites colocados ao debate de ideias e pela ação delituosa da mídia, pode ser a primeira resposta da população?

O capitalismo, na sua forma mais avançada, é profundamente ideológico, na medida em que aposta na despolitização como forma de combater o posicionamento ideológico do povo na defesa dos seus interesses.

O processo eleitoral, que deveria servir como um processo de conscientização das pessoas é esterilizado por regras rígidas sobre as campanhas dos candidatos e pelo empenho da mídia em sonegar o discurso de algum candidato que por ventura se atreva a contestar o sistema.

O primeiro turno das eleições municipais em Porto Alegre mostrou um enorme esforço da mídia em desconstruir as candidaturas de esquerda e preparar o campo para a eleição de um representante da direita.

Nesse segundo turno, os dois candidatos que sobraram, além das ofensas pessoais, gastam seu tempo prometendo obras na cidade que nunca farão (a trincheira da Ceará foi promessa do governo de Fogaça) e jamais respondem sobre uma questão crucial: em nome de que interesses pretendem governar?

Ao contrário do que dizem os economistas que defendem a situação atual é preciso politizar a economia para libertá-la da tutela atual do mercado. 

Essa é uma questão que passa longe das preocupações dos representantes dos dois partidos que comandaram o golpe, o PMDB e o PSDB, e que disputam o segundo turno.

O voto em "ninguém" no dia 30 de outubro, pode ser um passo, ainda que pequeno, no sentido de mostrar que uma boa parte da população não está mais disposta a aceitar que o processo eleitoral sirva apenas para justificar a continuidade de um modelo ultrapassado de fazer política.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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