Um passo para frente: os desafios da Frente Ampla chilena

Um passo para frente: os desafios da Frente Ampla chilena

Não seremos um setor relevante só pela resistência, necessitamos transmitir que sim podemos mudar o país e que a Frente Ampla é a via para se chegar às transformações grandes. Devemos organizar a esperança, não só a insatisfação.

Por Sebastián Depolo - El Desconcierto

A direita ganhou com Sebastián Piñera. Ela mobilizou seus eleitores e também os que estão além de sua fronteira, somou muito mais que o um terço que historicamente reúne - o mesmo um terço que conseguiu no primeiro turno. Adesões que conseguiu algumas pelo sucesso do discurso do medo, outras por genuína convicção a um programa que administra o existente. Mas o fato é que essa direita ganhou, e agora as esquerdas deverão ser oposição, tal como dissemos - e no caso da Frente Ampla, seríamos oposição mesmo se o vencedor fosse Alejandro Guillier.

Pode-se prever que este segundo governo de Piñera não será fácil, pois enfrentará duas grandes fontes de tensões internas: a primeira será a construção de uma maioria parlamentar que permita aprovar as leis pelo Congresso e a segunda são as tensões entre as almas reunidas na própria direita e expressadas nas outras candidaturas presidenciais dos seu setor. Por trás de Piñera há várias direitas: a populista (ou autodenominada "social") de Ossandón, a neoconservadora de José Antonio Kast e a tecnocracia renovada de Felipe Kast, para citar apenas três exemplos mais conhecidos. Lidar com isso de forma equivocada por gerar conflitos internos e problemas externos que despertariam a indignação da cidadania, como o retrocesso ou burocratização excessiva da aplicação da Lei do Aborto nas três causas que foram aprovadas (risco materno, inviabilidade fetal e gravidez fruto de violência sexual), ou medidas extremas como a militarização da região da Araucania e uma política de criminalização das organizações mapuche.

Para Piñera, isso sim, há boas notícias vindas do mundo das finanças: o ciclo de preços dos principais produtos de exportação chilenos enfrentará uma importante melhora e os mercados reagiram com entusiasmo diante da possibilidade de um governo que será favorável a eles e seus interesses. Também conta com a anuência dos principais meios de comunicação, seus editorialistas e analistas. É provável que sejam tempos difíceis para nossas ideias. Diante de um cenário adverso, será difícil ser oposição.

Estou convencido de que se abre um novo ciclo político, com a direita no poder, uma centro-esquerda em crise e com o surgimento da Frente Ampla como novo ator político deste cenário. Como seguirá esta história? Dependerá muito do comportamento dos envolvidos e da maturidade e responsabilidade com o futuro. Temos o dever e a responsabilidade de construir um novo tipo de oposição política e social com essa direita no poder. E temos pouco tempo.

Não podemos nos omitir diante dos desafios que este novo ciclo nos apresenta. Existe uma possibilidade real de que o triunfo de Sebastián Piñera se transforme numa sequência de governo da direita neoliberal, se esta organiza os infinitos recursos com os quais contará em prol desse objetivo. Necessitamos protagonizar o ciclo que se abre em todas as frentes de disputa, a do movimento social, a frente institucional, a frente territorial e a mais importante de todas: a batalha pelo sentido comum e a sintonia com as maiorias. Não seremos um setor relevante só pela resistência, necessitamos transmitir que sim podemos mudar o país e que a Frente Ampla é a via para se chegar às transformações grandes. Devemos organizar a esperança, não só a insatisfação.

Necessitamos construir, a partir das nossas ideias, uma maioria social que se expresse politicamente nas disputas eleitorais que virão. Não necessitamos da simples soma de legendas partidárias, nem de potenciais reconfigurações de alianças sem identidade nem projeto próprio, necessitamos que nossas ideias de mudança, que nosso programa esteja presente nas conversas cotidianas das famílias chilenas e isso se consegue com trabalho, presença em terreno e organização, para que a Frente Ampla seja o veículo que possa dar ao Chile um governo verdadeiramente transformador no próximo ciclo presidencial.

Necessitamos desenvolver e aprofundar nosso programa, que hoje coloca sobre a mesa questões cruciais como o imposto aos super ricos e a ideia de justiça tributária para melhorar nossa vergonhosa distribuição de renda, o perdão às dívidas educativas como compromisso do Estado, uma Assembleia Constituinte para definir entre todos e todas as regras do futuro e políticas públicas participativas em sua elaboração, implementação e avaliação desde os territórios. Falta muito por diante, serão quatro anos intensos e vertiginosos. Chegamos para ficar, e isso significa uma tremenda responsabilidade.

Também é verdade que hoje representamos 20% na disputa presidencial, e que quase um milhão de chilenos nas eleições parlamentárias, e necessitamos muito mais que isso para ser governo. Alcançar essa diferença só será possível com diálogos sinceros, com paciência e sem exageros, respeitando a autonomia de cada um dos projetos ao qual vamos nos opor, apresentados pelo governo de direita, sendo a oposição e o peso relativo que alcançamos, de forma responsável.

Precisamos aprender rápido a trabalhar com outros que, estando fora da Frente, compartilham nossos objetivos: um novo modelo de desenvolvimento, uma democracia profunda e uma vida segura com direitos sociais universais desde o nascimento até a velhice. Coordenar uma ação conjunta quando seja possível, competir com eles quando seja necessário. Depende de nós, da nossa capacidade, a tarefa de transformar o anseio de mudanças em ação real e eficaz. Necessitamos dar um passo para frente, nos organizar e avançar.


Sebastián Depolo é sociólogo da Universidade de Concepción, presidente do partido Revolução Democrática e foi chefe de campanha da candidata presidencial da Frente Ampla, Beatriz Sánchez.

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