Mentalidade colonial versus Complexos

Por João Craveirinha

É isso aí. Aonde se fala português a consciência política de ser e estar chega tarde (fruto do complexo e alienação coloniais herdados da mentalidade portuguesa de superioridade em relação aos africanos sub –saharianos, conotados sempre com “O” negro, “O” preto, et cetera). E o racismo (dito branco) tem campo fértil, fruto da ignorância histórica de ambos; do dito negro e do dito branco, invertendo sempre os papéis. Em Moçambique já começou faz tempo o abafar da história colonial, aliás seguindo o que os académicos (grosso modo) em Portugal sempre fizeram: sonegar a informação da verdade dos factos da história da escravatura e do colonialismo baseados em fontes duvidosas e parciais sem a devida filtragem. Esta atitude induz-nos a intuir que se trata de uma posição tendenciosa com fins obscuros, muitas vezes tomando o particular como geral, tomando a excepção como regra.

Estes factores induzem os complexos de superioridade no relacionamento entre o dito branco e o de inferioridade do dito negro ou preto, como chamam. E em Moçambique é por demais evidente. Em Portugal nem vale a pena dizer.

OUTRA VEZ A ESCRAVATURA

É um tema incómodo para as consciências pesadas ou portadoras de cegueira nas almas. Mas todos os preconceitos, se iniciam algures na sonegação de informação e esses dados distorcidos se implantam no imaginário colectivo de uma sociedade: é o caso da afirmação que os “pretos vendiam os pretos aos brancos” visando minimizar a perversidade e perfídia destes últimos no passado.

«Mas será mesmo que os “pretos” vendiam os “pretos” voluntariamente aos “brancos”? Ou não será de facto um plano diabolizante de distorcer a memória histórica às recentes gerações africanas e seus descendentes na diáspora nas Américas e na Europa?»

Temos estes aspectos desmentidos por muitos relatórios sobre a escravatura. Seleccionamos uma citação paradigmática, à época confidencial, como esta do Visconde da Arriaga (1881) deputado às Cortes do Reino de Portugal no século XIX. . …” mas os regulos dos sertões prestavam-se a esta mercancia sempre constrangidos (…) sendo necessario aos brancos empregarem o artifício e a violência para a conseguirem;”(… ) …”A escravatura tornou-se um delirio durante os primeiros quarenta annos d’este seculo (séc.XIX, 1800-1840), e quanto mais se desenvolvia a America, tanto mais se despovoava e empobrecia a Africa! Chegaram a navegar annualmente para o porto de Moçambique (ilha) e Quilimane à procura de pretos mais de quarenta navios de differentes nações!» Ortografia do texto original.

Dilui-se o drama de milhões ainda por equacionar se serão 12 milhões de escravos (ditos negros) com que África (forçadamente) contribuiu para a riqueza da Europa e das Américas durante cerca de 459 anos.

No entanto a desertificação do litoral e do interior de África em 4 séculos e meio tem uma outra estatística em cerca de prováveis 60 milhões que África teria perdido com a massificação da escravatura com os europeus, superando estes de longe os árabes, anteriores senhores do execrano tráfico.

Se a cada ser raptado para escravo nesse período histórico (1441/1891) se multiplicar por 5 (cálculo baseado num possível agregado familiar desse africano aprisionado e vendido) teríamos 12m x 5ind. = 60m. Número que indicaria por alto a destruição demográfica (genocídio), para chegarem às costas africanas num embarque forçado, nas caravelas e galeões, rumo à Europa e Américas, e desses seres humanos somente cerca de 12 milhões, chegariam vivos como escravos.

E não seriam seguramente, “trabalhadores africanos que os portugueses foram buscar a África”, como tendenciosamente se referiu o historiador da RTP (Rádio Televisão Portuguesa), Dr. Hermano Saraiva (2006), num programa de Memórias da História sobre a colonização portuguesa do Brasil. Pelo tom (na peça) até parecia que nas caravelas quinhentistas portuguesas se deu início à emigração africana voluntária com a solidariedade lusa.

A quota-parte portuguesa andaria por volta de 4 milhões de escravos africanos vendidos. Os primeiros Fortes europeus, ao longo da costa africana foram construídos para o “negócio” da escravatura e eram portugueses. É História. Goste-se ou não. E cada época tem a sua. Hoje a História pode ser outra mas não invalida a anterior. Pelo contrário, pode ser consequência desses períodos. Enquanto não forem exorcizados os fantasmas de uma História comum não haverá verdade no relacionamento multicultural entre povos. Será hipocrisia.

Na ilha de Gorê, 1444 (Senegal), ilha de Arguim, 1445 (Mauritânia), e S. Jorge da Mina, 1482 (Ghana), são alguns dos muitos exemplos. Vários desses Fortes construídos por portugueses para a escravatura, mudariam de mãos para holandeses, ingleses e franceses e tentativas de dinamarqueses. O ouro, marfim, madeiras e outro comércio foram acréscimos ao lucro da mão-de-obra escrava.

Mais - o arquipélago de Cabo Verde foi especificamente estabelecido para entreposto de escravos.

DESCULPAS PELO HOLOCAUSTO AFRICANO

O Papa João Paulo II (1992), os presidentes do Brasil (Lula da Silva, 2006), da França (Jacques Chirac, 2006), e o 1º Ministro da Inglaterra (Tony Blair, 2007) pediram desculpas pelo tráfico de escravos. E Portugal? Parece que nunca pedirá!

CONSCIÊNCIA POLÌTICA

A formação de uma consciência política individual do ser humano é uma essência natural. (Não confundir política com ideologia). Ser e estar é uma atitude política. Ter opinião é uma posição política. Basta pensar para ser um exercício político, maior ou menor. O ser humano é um animal político.

Nesta matéria, nós os moçambicanos em geral (havendo excepções), seguimos um caminho niilista (de negação) do acto político na reflexão cognitiva de assumpção do discurso (ao comunicar na conversação). Vários factores podem contribuir para tal: a inflação coerciva da “linha correcta ideológica” (1974/1992) da transição e dos tempos da ditadura, provocando saturação do termo “política”.

Actualmente, o oposto acontece por empatia com o veiculado nas mensagens da promoção do “marketing”, apologéticas do consumismo de ostentação desenfreado, esvaziando qualquer conteúdo político, incidindo em doses massivas de propaganda supérflua, muitas vezes. Através do que é mostrado na televisão, imprensa, rádio e on-line somos consumidos pelo consumismo desenfreado. De consumidores somos absorvidos pelos ditames do modismo e as crianças nesse ambiente crescem com esses novos estereótipos vazios de valores educativos e formativos éticos. Serão eles os adultos de amanhã. Mas com que consciência política? Em que medida os “mass media” contribuem positivamente ou não para este estado de coisas?

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO

Dentro destes pressupostos a educação (ensino) oficial tem uma responsabilidade acrescida; a de acrescentar valores familiares perdidos que inculquem uma consciência política no sistema nacional de ensino.

Por outro lado, a nível universitário, na ausência de estudos pós – coloniais, a sério, sem complexos do passado e do presente, seria uma prioridade começar a fazê-los. Aí a Lusofonia, teria de deixar de ser um pensar “saudosista” em português conotado com a “sede” em Lisboa - ser uma mais valia e não um travão à consciência política colectiva, na pesquisa independente e reflexão individual sem tibiezas do passado comum por onde Portugal andou; seja em África, Brasil, Goa e talvez Macau e Timor).

João Craveirinha

(façam uma visita guiada pela “UNESCO” com som à “casa dos escravos” da ilha de Gorê)

http://webworld.unesco.org/goree/en/visit.shtml

Outras fontes e sítios

http://www.africamission-mafr.org/jeanpaul2egb.htm

http://archive.wn.com/2005/04/17/1400/brazilpost/

http://www.grioo.com/info6138.html

http://www.usatoday.com/news/world/2006-11-27-blair-slave-trade_x.htm?csp=34

http://www.thisislondon.co.uk/news/article-23375972-details/Tony+Blair's+'sorrow'+over+slave+trade/article.do

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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