"Não precisamos que o Império nos presenteie nada!": Lição de Fidel Castro ao Brasil

Em tempos que a tal de "esquerda" brasileira arranca os cabelos em busca de alternativas para o ativismo rumo a um Brasil unificado e decente, expondo e filosofando sobre toda a sorte de fórmulas teóricas, vem (ou deveria vir) d'além mar a lição mais simples e prática de como se livrar de uma crise que, antes de mais nada, é intelectual e moral - origem de todas as crises que hoje leva muitos ao desespero, como se ela não fosse previsível (sob apatia e inércia generalizada) desde que Lula assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003.

Edu Montesanti (*)

"Não precisamos que o Império nos presenteie nada!", diz a carta de Fidel Castro, líder da Revolução Cubana, ao presidente Barack Obama por ocasião da visita do atual líder do regime norte-americano à ilha caribenha portadora da medicina mais avançada do planeta, e um dos melhores sistemas educacionais, tudo isso com acesso universal e gratuito.

Parcialmente publicada em artigo do próprio Fidel em Cuba Debate , o exemplo de vergonha na cara de sobra segue neste tom dirigido a quem, precariamente disfarçado em nome do imperialismo mais descarado e cruel da história, tentou dar lições de moral à ilha que, outrora, serviu de paraíso financeiro e de prostituição a cidadãos estadunidenses, especialmente altos políticos e empresários: "Somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais que precisamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. [Obama não] diz que a discriminação racial foi varrida pela Revolução [Cubana]; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados por esta [Revolução] antes que el senhor Barack Obama cumprisse 10 anos de idade".

Esta é a mais recente lição bem prática (se é que vai ensinar algo) ao Brasil de senso de dignidade e de brio - antítese da apatia que leva à covardia - vinda do estrangeiro, especialmente dos países vizinhos e latino-americanos em geral.

Alguns exemplos entre vários e vários não só de Cuba mas dos países vizinhos efetivamente praticantes do que dizem acreditar, é a resposta do presidente equatoriano Rafael Correa, quem comprovadamente sofre constante tentativa de golpe e de assassinato por parte da CIA, à proposta indecente de Barack Obama de formar líderes e fortalecer a sociedade civil em solo equatoriano: "Os latino-americanos entendemos perfeitamente o que significa isso: mais intervencionismo. Que não nos ajude tanto, que simplesmente vá formar líderes e fortalecer a sociedade civil em seu país, que nos deixe em paz".

O presidente boliviano Evo Morales já expulsou "diplomata" e todas as "ONGs" (de fachada da CIA, as mesmas que financiaram diversos golpes militares na região) de seu país, a exemplo do próprio presidente do Equador e de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, os quais sempre deixaram claro o desejo de, tanto quanto possível, manter paz e diálogo com o regime de Washington.

Um vídeo que pode mexer bastante com o sentimento alheio (e causar também bastante inveja) é este a seguir do inflamado presidente venezuelano Nicolás Maduro sobre as denúncias de Edward Snowden: "Não podem [o Império] pisotear a dignidade da Venezuela! Ninguém respeita aos fracos e aos vende-pátria. Os poderosos só respeitam quem se coloca de pé, e são corajosos. Os filhos de Bolívar não temos medo do Império; decidimos dar asilo ao jovem Edward Snowden em nome da Venezuela, e da dignidade da Venezuela independente. O comandante Chávez deixou-nos um legado muito claro: exercer com dignidade, firmeza e equilíbrio nossa dignidade e nossa independência. Yankees, go home!":

Logo em seu primeiro mandato, Chávez subsidiou gás natural às populações mais carentes dos Estados Unidos, o que não o impediu de falar duramente em defesa da soberania de seu país ao mesmo tempo que denunciava o caráter imperialista de Washington e suas atrocidades mundo afora. Nos vídeos abaixo, Chávez (em defesa de países alheios, em nome do respeito aos povos latino-americanos) também manda os "yankees de mierda go home!", que tanta miséria, torturas e assassinatos têm até hoje produzido dentro e fora da Venezuela:

e

Enquanto o Brasil "pega-se" ferozmente na tentativa teórica de entender porque nada no país do carnaval, da privilegiada parte traseira da mulata, da caipirinha e do futebol (em vertiginosa decadência) sai do papel (já mal elaborado), vale fazer uma breve recordação da postura dos governos de Luiz Inácio e de Dilma em relação aos Estados Unidos, diretamente, o que elimina a maior parte das lições dos mestres em teoria que têm, no Brasil, levado do nada a lugar nenhum.

O Brasil, cujos "intelectuais" de "esquerda" tentam embarcá-lo no trem da Revolução Bolivariana, foi o único país com governo alegadamente progressista que não respondeu ao pedido de asilo a Edward Snowden. Um importante detalhe: exatamente o Brasil reacionário como poucos no mundo, tem sido um dos países mais espionados do mundo pelo regime de Washington e, em determinados anos, o mais espionado em todo o globo. O máximo que a presidente Dilma Rousseff fez, foi cancelar uma viagem a Washington por ter vindo à tona que seu celular estava sendo grampeado - e continua sendo. Agora, está aí o preço da tradicional inércia recheada de apatia: o castigo pela covardia vem a cavalo enquanto o país está, incontrolavelmente, insuportável.

À época ministro da Casa Civil de Luiz Inácio da Silva, José Dirceu era frequentador assíduo do centro de espionagem dos Estados Unidos em Brasília, onde semanalmente ia ao encontro dos agentes da CIA travestidos de diplomatas: diversos telegramas confidenciais e secretos emitidos pela Embaixada de fachada do regime estadunidense na capital tupiniquim liberados por WikiLeaks (no Brasil há conhecimento vago sobre tal sítio, e se desconhece por completo inclusive entre as profundamente ignorantes e histéricas classes média e alta quem é Julian Assange) registram que, com o pires na mão, o homem da mais alta confiança do então presidente brasileiro, e figura política mais importante depois dele, desempenhava o papel de prestador de contas da política e das intenções do Brasil, dentro e fora de casa (traduções inéditas ao português de alguns desses cabos podem ser lidas no blog deste autor).

Para finalizar, o ex-presidente Luiz Inácio fez constantes juras de amor à Rede Globo (cuja emissora de TV foi iniciada e cresceu meteoricamente financiada ilegalmente por Washington, a fim de promover o golpe militar de 1964 e os sangrentos 21 anos que o seguiram), especialmente ao seu proprietário, o "doutor" Roberto Marinho (simples jornalista), além de ter injetado, seguido hoje por sua sucessora no Palácio do Alvorada, bilhões de dólares na maior manipuladora da opinião pública brasileira (que apenas se livrou da grave crise financeira graças à "mãozinha amiga" do PT).

Em resumo, o que elimina todos os embates teóricos ao menos por ora, e até que haja decência neste país: há um verso muito bem conhecido nos países vizinhos, que diz: "É mais digno morrer de pé, que viver de joelhos". Pois não é que o PT e seus defensores de interesses político-partidários, tão mesquinhos, estão morrendo... e de joelhos!?

Antes de qualquer debate teórico-ideológico, o que urge no Brasil para sair do atoleiro da crise em crise sem nunca tirar lição nenhuma, é reunir o senso de dignidade para fazer valer o pensamento de : 

Enquanto isso, até se blindando de possíveis lições de moral recheadas de teorias doutrinárias e de números tais como reserva nacional de dólares e outros números que não se traduzem em beneficio ao povo, o casal Montesanti, em vias de deixar definitivamente o Brasil para se refugiar em um lugar decente para educar o filho prestes a vir ao mundo, clama por solução ou ao menos algum auxílio prático pela esposa, grávida e enferma, que não consegue ser atendida minimamente satisfatória em hospital público.

A menina de antecedência indígena, não raras vezes chega em casa chorando: originária do Acre, estado mais pobre do Brasil, a jovem e futura mãe pela primeira vez é constantemente discriminada nas partes mais "brancas", ao sul do país.

Enquanto ousa dizer que este é o clamor de milhões de cidadãos na mesma situação de similar desespero, o auxílio solicitado descarta teorias e números. Em outras palavras a quem ainda não compreendeu: Brasil, basta de cinismo e de covardia!

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Edu Montesanti é autor de Mentiras e Crimes da "Guerra ao Terror" (Editora Scortecci, 2012), escreve para o Diário Liberdade (Galiza), para Truth Out e para Counterpunch (Estados Unidos), ex-tradutor dos sítios na Internet das Abuelas de Plaza de Mayo (Argentina), e da ativista pelos direitos humanos, escritora e ex-parlamentar afegã, Malalaï Joya, e ex-articulista semanal do Observatório da Imprensa (Brasil).

 

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