Nos EUA: síndrome anti-China

O Partido Comunista da República Popular da China (PC-RPC) não se deixará arrastar para guerra sem objetivo, contra os EUA - A ascensão metórica da China preocupa Washington, não porque a China seja ameaça aos seus vizinhos a à segurança nacional dos EUA, mas porque a influência da China está em expansão na região.

"A China cuida de chegar cada vez mais fundo no interior da Ilha-Mundo, em esforço para remodelar completamente os fundamentos geopolíticos do poder global. (...) Ao construir a infraestrutura para bases militares nos mares do Sul da China e da Arábia, Pequim vai gerando e acumulando capacidade para abalar, estratégica e cirurgicamente, a campanha dos EUA, de contenção (...) Se a China conseguir conectar suas indústrias em crescimento, aos vastos recursos naturais da Terra Central Eurasiana, nesse caso muito possivelmente (...), o império do mundo ali estará para ela, à vista" 
(Alfred McCoy, Geopolítica do Declínio Global dos EUA, trad. em redecastorphoto) 
[orig. The Geopolitics of American Global DeclineThe Unz Review].

"O futuro da política será decidido na Ásia, não no Afeganistão ou Iraque, e os EUA estarão bem no centro da ação (ex-secretária de Estado Hillary Clinton,
"America's Pacific Century", Foreign Policy).
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A ascensão metórica da China preocupa Washington, não porque a China seja ameaça aos seus vizinhos a à segurança nacional dos EUA, mas porque a influência da China está em expansão na região. A China está criando as instituições de que precisa para financiar o próprio desenvolvimento (BAII e Novo Banco dos BRICS), está construindo a infraestrutura de que precisa para conectar os continentes mediante moderníssimas ferrovias de alta velocidade (Nova Rota da Seda) e está atraindo aliados e parceiros de comércio que querem participar no plano chinês para crescimento e prosperidade. Por isso Washington está preocupada: porque a China converteu-se numa usina de energia econômica que não corresponde ao modelo neoliberal de arrocho punitivo, privatização perniciosa e inflação ensandecida. A China escapou da órbita do império e mapeou o próprio curso, motivo pelo qual Washington só faz provocar Pequim em torno de uma ações insignificantes de reivindicação de umas poucas terras no Mar do Sul da China. Washington crê que possa ter sucesso militar onde fracassou economicamente e politicamente. Sobre a provocação, vejam o que diz Bloomberg News:


"EUA e Japão estão fazendo exercícios militares separados com os filipinos, próximos ao disputado Mar do Sul da China (...). Essas manobras anuais CARAT Philippines de exercícios conjuntos começaram na 2ª-feira, ao largo da costa leste da ilha Palawan e se estenderão até dia 26 de junho, segundo o porta-voz da Marinha dos EUA Arlo Abrahamson. Navios filipinos e japoneses estão em manobras também na mesma região, até 27 de junho, disse o ministro da Força Marinha de Autodefesa do Japão, semana passada.

Os EUA têm apoiado as nações do sudeste asiático, inclusive as Filipinas, enquanto aumentam as tensões com a China, por demandas territoriais no Mar do Sul da China; e o Japão fornece navios de patrulha para a guarda costeira filipina (...). O exercício inclui uma fase no mar, com o submarino USS Fort Worth de combate em águas litorâneas, o USNS Safeguard de mergulho e socorro e um avião P-3 Orion de vigilância, além de, pelo menos, uma fragata filipina, segundo a Marinha dos EUA (...).

Os exercícios japoneses com os filipinos realizam-se em áreas próximas das vizinhas ilhas Spratly, onde a China criou mais de 2 mil acres de terrenos artificiais sobre águas que as Filipinas, Vietnã, Brunei, Taiwan e a Malásia reivindicam como suas. O Japão enviará uma aeronave P-3C anti-submarinos e de vigilância marítima, e 20 soldados" ("U.S., Japan Join Philippines in Navy Drills Near South China Sea", 21/6/2015,Bloomberg).


Os exercícios "show de força" são concebidos para provocar e intimidar a China. Não têm nenhum outro objetivo. Os EUA quer forçar a China a render-se aos diktats da única potência indispensável, a abandonar todos os seus compromissos com novas instituições que estão sendo criadas, a escancarar seus mercados a empresas norte-americanas & Wall Street, e a deixar que os EUA façam como bem entenderem na redação das regras do comércio mundial. Eis o que Washington realmente quer e motivo pelo qual o moderado Chuck Hagel foi trocado pelo truculento Ashton Carter, como secretário da Defesa. Os donos do poder nos EUA preferiram um leão-de-chácara, que esmurraria o nariz da China e lhe ensinaria quem manda. Carter é perfeito para a tarefa, burocrata quebra-pernas, que se acha "o mais esperto da rua". Peter Lee oferece interessante percepção sobre Carter, em postado recente no seu blog China Matters. Diz ele:


"(...) o assertivo Ash Carter não faz o policial durão, na parceria com o policial bonzinho Obama/Kerry: Ash é, só ele, todo o show, o que deliciará os fãs do controle militar sobre a política exterior por todos os cantos."


É bom perceber que outros já começam a ver que o Pentágono assumiu completamente a política externa dos EUA. Não há dúvidas de que Carter manda e desmanda na Ásia e Europa.

Lee parece convencido de que Carter permanecerá no posto mesmo depois de Obama já ter sido substituído, se Madame Clinton for eleita. O que não é surpresa, pois foi Clinton quem introduziu o termo "pivô" no léxico estratégico, em discurso que fez em 2010 intitulado "O Século do Pacífico Norte-Americano" [orig. "America's Pacific Century"]. Naquela apresentação ("America's Pacific Century", secretária de Estado Hillary Clinton, Foreign Policy Magazine, 2011), Clinton expôs os temas básicos que, adiante, seriam convertidos em "alta prioridade" dos EUA, a reorientação do poder dos EUA para o Pacífico Asiático. (...) Disse ela que "aproveitar o crescimento e o dinamismo da Ásia é central para os interesses econômicos e estratégicos dos EUA. Abrir mercados na Ásia garante aos EUA oportunidades sem precedentes para investimento, comércio e acesso a tecnologia de ponta (...). As empresas norte-americanas precisam pôr a mão na vasta e crescente base de consumidores asiáticos." 

Não poderia haver melhor resumo. Tendo reduzido a antiga grande classe média norte-americana a gigantesco cadáver putrefato, incapaz de sustentar sequer uma demanda magra ou algum crescimento, as elites norte-americana estão carregando os barcos e partindo para a China, o Valhalla que brilha prateado sobre a colina. Clinton dá a impressão de supor que deva ser facílimo entrar naqueles potentes mercados asiáticos, desde que os EUA empurremos nossas ambições mais alucinadas com dose forte de diplomacia de canhão -, que é onde o capataz Carter entra em cena.

Mas Clinton não inventou, ela mesma, o tal pivô: a coisa foi-lhe ensinada em rápidas lições pelo cérebro do pivô, Kurt M. Campbell. Campbell é co-fundador e ex-presidente do Center for a New American Security.  Segundo o website desse Center for a New American Security: "De 2009 a 2013 [Campbell] serviu como secretário de Estado assistente para Assuntos do Leste da Ásia e Pacífico, onde [sic] lhe são atribuídos os créditos por ter arquitetado o "pivô para a Ásia". Naquela função, o Dr. Campbell elaborou ampla estratégia norte-americana que o levou aos mais distantes pontos da região do Pacífico Asiático, onde advogou incansavelmente a favor de interesses norte-americanos, particularmente na promoção do comércio e investimentos."

Numa recente entrevista em vídeo com o neoconservador Robert Kagan, Campbell regurgita a mesma retórica que já se ouviu no discurso da Clinton. Para ele, "A maior parte da história do século 21 [sic] estará na região do Pacífico Asiático (...). É do mais alto interesse nacional dos EUA mostrar que desempenharemos papel central naquele drama, assim como já o fizemos no século 20 (...). [Os dois partidos] reconhecem que nossa presença militar é nosso tíquete de entrada para o grande jogo no Pacífico Asiático" (Foreign Policy, vídeo [ing.]).

Parece haver consenso crescente de que os militares norte-americanos seriam a perfeita ferramenta para persuadir a China a desistir. Mas... será que é?

A última coisa que o governo Obama deseja é guerra a tiros com a China, principalmente porque a China tem meios para retaliar, e não só militarmente. Explico-me: Segundo o cientista político Pang Zhongying, "A relação atual entre China e os EUA é relação como nunca antes houve na história das relações internacionais (...). O nível de interdependência entre China e EUA é sem precedentes. Antes dos anos 1970s, ninguém poderia sequer imaginar que esses dois países seriam interdependentes na escala em que hoje são. Naquele momento, só existia interdependência entre EUA e Europa, ou dentro do G7, no máximo. O atual nível de interdependência jamais antes existiu entre EUA e China."

Em outras palavras, os dois países precisam um do outro e estão interligados por uma rede complexa de laços financeiros e econômicos, inclusive o 1,3 trilhão de papéis da dívida norte-americana, guardado em cofres chineses. Essa interdependência implica que os EUA não podem abusar no caso da China, como abusaram no caso da Rússia, sem que os próprios EUA se ponham em grave risco. 

Assim sendo, apesar de os EUA ainda manterem posição economicamente e militarmente dominante, não podem simplesmente jogar o bom-senso e a cautela pela janela, e impor sanções, ou escalar nas hostilidades e provocações, além de um certo ponto, sem que os EUA ponham em risco a própria segurança. A China sabe disso, razão pela qual continuará a fazer avançar agressivamente a própria agenda, ao mesmo tempo em que vai evitando do melhor modo possível a beligerância e a hostilidade dos EUA.

A República Popular da China (RPC) continua comprometida com o "desenvolvimento pacífico". O antagonismo dos EUA é apenas mais um dos muitos obstáculos que a China terá de superar para dar realidade aos seus planos para integrar toda a massa de terra eurasiana num grande (o maior) e próspero bloco comercial. Basta conferir mais um trecho do artigo seminal de Alfred McCoy (Geopolítica do Declínio Global dos EUA, trad. em redecastorphoto):


"Simultaneamente, a liderança chinesa começou a colaborar com estados vizinhos, num programa massivo para integrar a rede nacional de ferrovias numa grade transcontinental. A partir de 2008, alemães e russos uniram-se aos chineses para lançar a "Ponte Terrestre Eurasiana" (também chamada "Nova Rota da Seda"). Duas vias leste-oeste, a antiga Trans-Siberiana no norte e uma nova rota que acompanha o traçado da antiga Rota da Seda, pelo Cazaquistão, devem conectar toda a Eurásia. (...)  

Em abril, o presidente Xi Jinping assinou acordo com o Paquistão para gastar US$ 46 bilhões num Corredor Econômico China-Paquistão. Rodovias, conexão com ferrovias e oleogasodutos estender-se-ão por 3.218 km, de Kashgar em Xinjiang, no extremo oeste da China, até o porto de Gwadar, no Paquistão, inaugurado em 2007. A China investiu mais de US$ 200 bilhões na construção desse porto estratégico em Gwadar, no Mar da Arábia, a apenas 600 km do Golfo Pérsico. (...) Ao construir a infraestrutura para bases militares nos mares do Sul da China e da Arábia, Pequim vai gerando e acumulando capacidade para abalar, estratégica e cirurgicamente, a campanha dos EUA, de contenção."


Aí está, hein?! O fim de um império e o começo de outro.

O Partido Comunista da China de modo algum permitirá que sua grande oportunidade escape, deixando-se sugar para dentro de uma guerra dispendiosa e sem sentido, contra os EUA. Seria ridículo. Os chineses continuarão a conectar ferrovias com ferrovias, rodovias com rodovias, estradas cibernéticas com estradas cibernéticas, até que a Nova Rota da Seda se torne realidade. *****

23/6/2015, MIKE WHITNEY, Counterpunch [O título foi corrigido]
http://www.counterpunch.org/2015/06/23/china-syndrome-2/  

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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