Guantanamo: Quando o medo ameaça a liberdade

*Luiz Leitão e Artur Teixeira

A base militar americana de Guantánamo, na ilha de Cuba, faz cinco anos sem que os protestos vindos da Europa e de outras partes do mundo tenham conseguido sensibilizar o governo Bush. Ali são mantidas prisioneiras pessoas acusadas de terrorismo, muitas sem culpa formada; tudo facilitado pela Lei de Comissões Militares, que dá ao presidente dos EUA poder para declarar qualquer um, inclusive os próprios americanos, “inimigo combatente ilegal". Uma versão requintada da Patriot Act, a inconstitucional legislação de combate ao terror.

Com base nela, o Pentágono criou um “manual” de causar inveja a muitos tiranos. O receituário de práticas medievais seguirá para aprovação no Congresso. Nada de estranhar num País onde integrantes da Suprema Corte, como Joseph Alito, têm histórico de decisões desfavoráveis contra gays e pobres; Alito foi, na juventude, aguerrido defensor da guerra do Vietnã.

Com a paranóia pós Onze de Setembro, a Nação se esqueceu que violar direitos consagrados em nome de ameaças potenciais, além de inutilidade, é um retrocesso. Que mais poderia ser a criação de tribunais de exceção, para julgar os presos naquela base, acusados de terrorismo? Cortes militares sujeitas a normas em flagrante desacordo com a Convenção de Genebra, que aceitam como provas para a condenação, prisão e execução de detentos, confissões obtidas sob “coerção”, palavra, neste caso, de significado tão elástico quanto o senso de justiça que levou à criação de Guantánamo.

O arcaísmo jurídico foi, no entanto, edulcorado com expressões como “proibição do emprego de técnicas cruéis ou degradantes”, como se coerção não fosse nada disso. Para completar o espetáculo de hipocrisia, o Pentágono faz constar que “os acusados serão julgados por Cortes constituídas de forma regular, tendo garantidos os direitos reconhecidos por pessoas civilizadas'”– outro eufemismo.

A prisão americana na ilha de Cuba está anos-luz à frente dos cárceres de Fidel no quesito crueldade. Nela, parte dos hoje cerca de quatrocentos presos, muitos deles arrestados no Iraque e Afeganistão, não têm a seu favor o benefício da dúvida, embora inexistam evidências de sua participação em atividades terroristas. Os métodos empregados pela CIA (a agência de espionagem dos EUA) em suas prisões, sempre em nome do combate ao terrorismo, constituem segredo de Estado.

Há suspeitas de que países europeus tenham servido de ponte para os chamados vôos da CIA, se não ativamente, por omissão. A notícia há dias veiculada pela Eurodeputada Ana Gomes, de que teriam transitado pelos Açores (arquipélago português no Atlântico Norte), a caminho de Guantánamo, presos clandestinos agrilhoados, à revelia das autoridades portuguesas, veio mais uma vez pôr em evidência o estado de exceção que desde sempre tem norteado a presença Norte-americana na Base das Lages, na Ilha Terceira. A denúncia de vôos clandestinos da CIA sobre o espaço aéreo da União Europeia provocou um inusitado escândalo e consequente agitação entre os políticos europeus com assento no Parlamento Europeu.

Apesar desta série de inomináveis abusos contra os direitos humanos e as liberdades democráticas, um garoto de nove anos conseguiu furar o sofisticado esquema de segurança dos aeroportos americanos, ao embarcar, sem passagem e desacompanhado, em dois vôos, e só foi descoberto quando tentou pegar um terceiro avião.

De maneira diversa, a Espanha enfrenta, há mais de trinta anos, o terrorismo do ETA, sem jamais haver tomado medidas radicais como faz a América.

Diversos países gastaram centenas de bilhões de dólares para nada, enquanto os economistas gastam seu tempo tentando encontrar fórmulas para diminuir a pobreza. Se tudo o que foi gasto na guerra do Iraque, somado ao custo do gigantesco aparelho antiterror, que inclui a construção do muro na fronteira de Israel com a Cisjordânia e outro separando Arábia Saudita e Iraque fosse destinado a ações humanitárias, o mundo seria um lugar melhor e mais seguro.

Luiz Leitão [email protected]

Artur Teixeira [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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