O Brasil tem alma sem igual

O Brasil tem alma sem igual

Monografia de José Faria, estudante finalista de jornalismo, RJ – Brasil. Entrevista com Timothy Bancroft-Hinchey, Director e Chefe de Redacção da versão portuguesa da PRAVDA.Ru. Falámos acerca do projecto, da Esquerda Política e um pouco da pessoa atrás do ecrã.

José Faria: Como descreveria o actual jornal PRAVDA?

Timothy Bancroft-Hinchey (TBH): O jornal de Internet Pravda.Ru foi fundado em 1999, com uma única versão – a russa – e na altura, um projecto, que foi dignificar o bom nome deste jornal, que foi fundado por Lenin em 1912 mas simultaneamente re-fundá-lo, do ponto de vista de apresentar uma vertente que publicasse os assuntos de interesse à Federação Russa e não apenas o Partido Comunista, mais em linha com a deontologia do jornalismo actualmente.

Sendo assim, o jornal PRAVDA.Ru é um jornal que apresenta notícias e análise da Federação Russa e do Mundo, sendo um ponto de encontro entre o noticiário e o lazer. Sendo independentes, não temos nenhum bloco atrás de nós a filtrar o que escrevemos mas devo dizer que lembramos em cada momento que a palavra “Pravda” em russo significa “Verdade” e é isso que escrevemos. Isso quer dizer que não omitimos contar a verdade quando for inconveniente mas também não arranjamos desculpas na apresentação da mesma.

Por exemplo?

TBH: Por exemplo, a cobertura que temos feito sobre a questão da guerra no Iraque. Alguns meses antes desta guerra eclodir, quando as nossas fontes nos disseram que iria para a frente, nós já estávamos a criticar a iniciativa, a alertar as autoridades dos EUA sobre as consequências e tentar persuadir Londres, por exemplo, a não cometer o erro que iria cometer o Bush.

E falharam…

TBH: Bem, se falhar é ter razão…a questão é ser coerente e é isso que tentamos ser.

Então avisaram e não quiseram ouvir

TBH: Fizemos aquilo que nos competia. Nós sabemos qual é o nosso rumo e temos a consciência do que está certo, e por isso temos grande energia e alegria em segui-lo. E voltando à sua pergunta, a PRAVDA.Ru é hoje em dia, e 8 anos depois da sua fundação (versão russa em 1999, versão inglesa em 2000, versão portuguesa em Setembro de 2002 e versão italiana em 2006), um órgão de informação global e outra vez, dá jus ao seu nome e reputação histórica, pois temos vários milhões de leitores.

Na versão portuguesa, temos um tráfico que nos coloca a par com os principais jornais em circulação nestes oito países, e isso me agrada, mas é só o primeiro passo. Pravda.Ru é um ponto de encontro entre as culturas, juntando no mesmo site/jornal os oito países membros da CPLP mais a Federação Russa, mas também dando notícias sobre eventos internacionais. Aqui, o leitor tem acesso diariamente a aquilo que acontece em Guiné-Bissau, na Rússia, em Portugal, em São Tomé e Príncipe, no Brasil, enfim, o que acontece nos PALOPS, na CPLP está tudo aqui à mão, e somos o único site com notícias diárias sobre a Federação Russa em português.

Em conclusão, somos um jornal de notícias da Rússia, em quatro versões, uma das quais na língua portuguesa, somos independentes e o nosso objectivo é ser o maior jornal de informação, com qualidade, do mundo.

Ambicioso…

TBH: Sim, e não é pecado. Como disse, sabemos onde vamos, sabemos quem somos e muito importante, temos uma equipa dinâmica e muito unida.

Fala da sua equipa

A equipa não é minha, é da PRAVDA.Ru. A equipa começa pelo nosso Presidente, Vadim Gorshenin (versão russa) e a Vice-Presidente, Inna Novikova (versão inglesa). Passa depois por toda a equipa em Moscovo e nisso não falo só dos jornalistas, mas também das recepcionistas, secretárias, motoristas, escriturários e pessoal da limpeza. Somos uma equipa, somos um todo e todos nós temos a nossa função.

No meu caso, comecei como correspondente da PRAVDA.Ru em Lisboa, na altura da versão russa, e depois do lançamento da versão inglesa, comecei a escrever sobre eventos fora da Federação Russa. Dois anos depois, atribuíram-me a direcção da versão portuguesa mas devo dizer que não sou só eu, se não tivesse a minha equipa, a versão portuguesa não seria nada.

Temos duas pessoas muito especiais em Moscovo a contribuir, é a Lyuba (russa) e o Dério (cabo-verdeano), depois temos correspondentes nos cinco PALOPs, em Timor Leste, em Portugal e uma grande equipa no Brasil, composto por jornalistas e escritores que enviam materiais originais.

E como funciona? Quem insere os materiais?

TBH: Em Moscovo, a Lyuba controla as notícias oriundas da Federação Russa, seja política, desporto, cultura, seja o que for. Também insere notícias mundiais como vão aparecendo. De resto, os correspondentes, uns 55 deles, enviam as suas peças para mim, e eu coloco ao longo do dia, e da noite.

E também escreve?

TBH: Sim, escrevo vários artigos, principalmente de opinião, aquilo que se chama agora OP-ED (opinião-editorial) mas gosto também de escrever notícias.

Sobre quê?

TBH: Tudo. Quando me perguntam sobre quê eu escrevo, digo tudo, desporto, política, economia, cultura, comércio, negócios…tudo. E por quê? Por uma razão muito simples: tive um grande professor. Sabe, quando eu era criança, não pensava em tirar cursode jornalismo porque na altura geralmente as pessoas aprendiam a escrever numa aprendizagem, como aprendizes, num jornal. E é isso, o jornalismo, basicamente. Tentam dar uma vertente académica ao jornalismo porque isso justifica uma série de postos de trabalho, normas, maneiras de controlar a profissão (porque é potencialmente perigoso para vários sectores) mas basicamente, o jornalismo é um exercício prático…senão eu não o faria.

Então pode traçar seu historial como jornalista?

TBH: Sim, eu diria que nasci a compor textos e confiaria que é das poucas coisas para as quais tenho algum jeito. Quando era jovem demais para segurar uma caneta, compunha, batendo nas teclas do piano da minha mãe e aos três anos, já escrevia pensamentos, depois diários e depressa isso se desenvolvia em jornais, da casa, da rua, da aldeia. Só para consumo interno.

As pessoas gostavam daquilo que escrevia, não sei por quê. Ao longo da minha carreira escolar, fundei jornais e revistas, escrevia, geria, arranjava publicidade, era uma paixão. Depois na faculdade (Universidade de Leeds, onde estudei Línguas Modernas) continuei a escrever, mas sempre por prazer, nunca pensando em fazer a vida disso.

Finalmente, chegado a Portugal, iniciei a carreira como correspondente da Daily Mail (Londres), mas trabalhando na mesma altura em várias profissões (sempre gostei de fazer três ou quatro coisas ao mesmo tempo) e depois, e durante muitos anos, como freelancer para um grande número de publicações, assinando com nomes diferentes.

E foi em Lisboa que conheci o meu mentor e grande professor: Dragisa Popovic, sérvio, que era correspondente da TANJUG. Nasceu em 1932, eu em 1958.

Foi ele que me treinou na escola de jornalismo que ele representava, em Belgrado. E foi duro. Dava-me tarefas, por exemplo: “escreva sobre este jogo de andebol em 30 minutos, meia página. Agora estende para uma página. Agora duas. Agora dois parágrafos”. No dia seguinte poderia ser economia, crime, política, vela, futebol, moda…e se não prestasse, ele dizia “govno” (merda) e rasgava a peça. Grande professor, grande profissional e aquilo que sou hoje, devo inteiramente a ele e devo dizer que continua meu amigo e espera que continue a ser por muitos mais anos.

Já trabalhei em revistas semestrais, trimestrais, bi-mensais e mensais, jornais semanários e diários.

Televisão e rádio?

Nem pensar! Gosto de papel, gosto de senti, cheirar um jornal. TV e rádio, é só blá-blá-blá e de qualquer forma eu não sou nada fotogénico, nem tenho uma voz bonita e tenho pavor da câmera, para ser perfeitamente franco.

Como passa o seu tempo livre?

TBH: Bem, trabalhar num jornal diário, que é o caso da PRAVDA.Ru, e sendo o chefe de redacção, não tenho tempo livre mas para mim isso não é desabafo, digo-o com orgulho e satisfação. Temos de estar atentos aos acontecimentos e estarmos perto de uma ligação de Internet para receber as informações dos nossos contactos e escrever/colocar o material.

Mas quando tenho algum tempo, o exercício físico é muito importante para mim, pois representa uma fuga da cadeira e o ecrã. Adoro praticar e observar todos os desportos. Adoro também jardinagem, culinária, provar vinhos. Mas a grande paixão é o jornalismo, isso envolve viajar, falar com e conhecer pessoas diferentes, viver situações insólitas e acima de tudo, ganhar conhecimentos novos. Fascinante.

Qual o futuro do Socialismo?

TBH: Socialismo/Comunismo é o único futuro que resta ao ser humano. Já vimos vários modelos diferentes, o caso da URSS, o caso da Cuba, o caso de vários países africanos, o caso da Suécia, e muitos outros, que provam que o modelo pode funcionar, e funciona bem.

Pergunte a uma pessoa qualquer se quer uma educação gratuita e excelente, emprego garantido, espaço e tempo para lazer e actividades culturais, cuidados de saúde grátis e de alta qualidade, casa grátis e garantida, cupões de alimentação e de uma quantidade moderada de bebidas, pensão garantida e de acordo com as despesas, transporte público gratuito, gás, electricidade, água, telefone quase gratuitos, acho que qualquer um diria que sim.

O sistema anti-socialista gastou triliões de dólares em sabotar o modelo mas de facto aquilo que faltava era simplesmente e apenas um ajuste, nomeadamente compensar o empenho humano. Mas o modelo funciona e muito bem. Por isso o futuro do mundo resta com o Socialismo/Comunismo. Já se vê o que acontece nos sistemas monetaristas/capitalistas. É opção? Acho que não. Opção zero. Todas as queixas das pessoas são à volta dos preceitos básicos deste modelo que à partida, não funciona: basta ver as tarifas e os subsídios que pratica para se justificar, depois diz que segue as leis do comércio livre. Hipocrisia estudada.

O que diria sobre a liberdade de expressão na Rússia?

TBH: Quando fui nomeado director da versão portuguesa, perguntei ao Kremlin quais eram as linhas-guia. Resposta: Não as há. Ponto final. Que há muita gente saudosa da guerra fria, há, mas como sempre, existem deste lado da “cortina de ferro” (expressão inventada por Churchill), não do lado de lá. Já lá estive, várias vezes, estou em contacto com Moscovo todos os dias e todo o dia e sei daquilo que falo.

O Timothy é visto como alguém com um pé na Rússia e outra no Brasil. Acho justa esta afirmação?

TBH: Sim, mas não só. PRAVDA.Ru tem um pé na Rússia, mas também em todos os países de expressão portuguesa e criámos o mesmo espaço para todos, na página CPLP, sub-dividida em oito páginas, para não rotular os PALOPs de “ex-colónias”. Tenho muito respeito pelos PALOPs e por isso sempre zelei para que tivessem um espaço igual ao que é utilizado por Portugal ou Brasil. PRAVDA.Ru é ponte cultural, empresarial, económica, seja o que for, entre todos estes países e a Federação Russa.

Já esteve ligado à imprensa ligada à África?

TBH: Mais ou menos, mas pouco tempo.

Sim mas não colaborou numa revista África Agora, ou coisa assim?

TBH: Isso, colaborei durante pouco tempo numa revista sim, como se chama agora? África qualquer coisa…olhe nem me lembro…mas de facto ficava cada vez mais aparente que aquilo que eu pretendia para aquela revista nunca iria ser realizado e de qualquer modo a minha posição era muito fraca, as decisões não dependiam de mim e depressa vi que estava a desperdiçar o meu tempo. O meu espaço é PRAVDA.Ru e aqui me sinto bem. Aquilo, aquela revista, nem sei se ainda existe… nem me interessa tampouco.

Relativamente ao continente africano e já há muitos anos, nós temos nossos correspondentes nos 5 PALOPs e mais pessoal a fazer cobertura ao continente africano. É aqui que colaboro com o continente africano já há muitos anos, é aqui que tenho os meus contactos, são cada vez mais importantes e é aqui que vamos fazer uma excelente cobertura para o continente.

Vejam este espaço no próximo futuro!

Finalmente, qual é a sua mensagem para os jornalistas de amanhã?

Ser humilde, ser diligente. Quem quer ser jornalista num órgão diário não pode querer fazer o trabalho tudo em dois tempos e ficar à espera do salário no final do mês, nem deve considerar que o posto de trabalho é eterno. O jornalismo tem a ver com paixão e o jornalista serve para informar. Ponto final. Os organismos aparecem e desaparecem.

Quem não gostar destas normas, a priori, seria melhor fazer outra coisa.

Ora bem, para aqueles que vibram o jornalismo, que sentem a adrenalina ao descobrir uma história, que têm olho para ver uma história interessante e que saibam escrever de forma interessante e cativante, isso sim, tenho uma mensagem.

É lembrar sempre que o dia de amanhã é outro dia e que varre tudo que aconteceu ontem da memória. É guardar, cultivar e respeitar as fontes, é escrever tudo, números de telefone, endereços, nomes de pessoas em várias agendas (para não perder 25 anos de contactos num assalto, por exemplo) e é basicamente apresentar material que valha a pena ler (jornais) ou ouvir (rádio) ou ver (televisão). Mas acima de tudo, é ser fiel à imagem que cultivamos de nós próprios.

No meu caso, isso passa por não estar interessado em notícias sobre a vida particular das pessoas e por isso não escrevo sobre isso.

Vive em Portugal há 28 anos…

TBH: Pois, isso diz tudo. Mas adoro também o Brasil, não desfazendo de Portugal, pois acho que nem vale a pena dizer mais, se estou aqui há 28 anos, é porque gosto. Posso ficar furioso às vezes mas disso tenho direito, acho eu. O Brasil também tem grande coração, tem uma alma sem igual e isso passa pelos brasileiros. Olhe, se não fossem eles, este jornal, na versão portuguesa, não era nada.

Mas também sou pai de angolano e de moçambicana, por isso rotular as coisas do ponto de vista de cor, nacionalidade, origem, para mim não é opção. As pessoas são humanas e temos de respeitar esta qualidade acima de tudo para mantermos a nossa própria dignidade.

Tem havido algumas pessoas a desapontar-me mas regra geral, só ganhei por estar ligado aos países da CPLP. Aprendi muito com eles e espero aprender muito mais durante longos anos no futuro e principalmente, poder prestar serviços às comunidades nestes países.

Amanhã nascerá a Fundação PRAVDA, para fins humanitários, algo que tenho estado a planear há cinco anos. Espero que faça a diferença nos países e comunidades em desenvolvimento. É por isso que a minha paixão é a PRAVDA.Ru. Além de ser um jornal, é uma maneira de pensar.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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