Inimigos, inimigos; rabos presos são outros quinhentos

Fernando Soares Campos

A pequena Nicarágua viveu quatro décadas de terror sob a ditadura da família Somoza, com as bênçãos da Casa Branca. Em 1979 caiu o terceiro ditador da dinastia Somoza, que teve início em 1934, período em que se mantiveram no poder o pai e dois filhos. Lembro-me que, quando os sadinistas finalmente tomaram Manágua, Anastácio Somoza Debayle e família, em fuga, levaram consigo até mesmo o papagaio e, claro, uma fortuna à época calculada em US$ 1 bilhão.

O ditador foi para sua mansão em Miami, onde pretendia desfrutar as mordomias e o poder promovido por uma fortuna obtida às custas de muito sangue daqueles que se rebelaram contra a tirania dos Somoza. O exílio pretendido nos EUA foi negado. Os neocolonialistas só gostam de ditador no poder. Ditador deposto é incômodo; e dar asilo a um déspota é como manter um pistoleiro de aluguel no quarto de hóspede. Entretanto outro tirano das bandas de cá, o igualmente sanguinário Alfredo Stroessner, do Paraguai, não se incomodava de ter em casa um dos seus pares, principalmente quando o colega trazia na bagagem uma fortuna mais expressiva que a sua. Stroessner acolheu Somoza III, que, não demorou muito, foi assassinado em solo paraguaio.

A história de Anastácio Somoza Debayle não tem muita diferença das tristes histórias de tantos outros ditadores bancados pelos impérios de todos os tempos. Durante o século XX o neocolonialismo-imperialista norte-americano comprou ditaduras e vendeu "democracias". Somoza, Batista, Trujillo, Stroessner, Pinochet e tantos outros, enquanto estiveram no poder, sem que uma oposição armada ou bem articulada os incomodasse, sempre foram tratados pelo império ianque como governos "naturais" ou "necessários". Ditador latino-americano só se torna "persona non grata" depois de ser deposto, ou quando já está queimado.

Agora o presidente venezuelano Hugo Chávez está sendo rebaixado ao nível desses sujeitos. Nas fogueiras virtuais, jogam-se búzios, deitam-se cartas de tarô, consultam-se borras de café nos fundos das xícaras e concluem: "Chávez será um ditador à moda antiga". Falam até que as reestatizações promovidas pelo governo Chávez seriam antidemocráticas. Ora, quando privatizam, não consultam a população. Pelo contrário, no caso brasileiro até soltaram a polícia pra cima de quem estava protestando contra a entrega do patrimônio público aos amigos, a troco de propinas.

Para desqualificar a Revolução Bolivariana, cita-se a dissolução da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, Vietnã, Khmer Vermelho e até a resistência cubana ao embargo norte-americano, como se Cuba fosse simplesmente uma nação teimosa, pagando o preço de sua "rebeldia". Até já transformaram a China numa nação "capitalista", com flanelinhas nos estacionamentos e a formação de uma casta de "bilionários chineses". Tudo com o propósito de convencer a classe média leitora de jornais e revistas a acreditar que o capitalismo é o passaporte para o paraíso.

A entrada da Venezuela no Mercosul foi avaliada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara sob forte pressão de parlamentares como ACM Neto, que, a despeito de sua origem familiar, falou: "O Brasil não pode dar um cheque em branco a um ditador que quer não só se armar, mas gerar problemas futuros de médio e longo prazo. Vamos compor um mercado comum com um ditador?"

Ele é muito cara-de-pau! Que ditador, rapaz? Quer comparar Chávez a figuras autoritárias como, por exemplo, seu próprio avô? Quando o Brasil apresentou o projeto para a construção da hidrelétrica Itaipu, por acaso seu avô reclamou da parceria com Stroessner? Claro que não, pois Alfredo Stroessner (35 anos de ditadura pra valer) era um dos seus pares, um ditador no estilo do próprio ACM, que durante décadas teve a Bahia como um território de seu domínio pessoal, mesmo depois da redemocratização do País.

Certa ocasião, referindo-se à força política que possuía no Estado da Bahia, o velho ACM falou: "Eu tenho o governador, os três senadores, 95% dos prefeitos, 30 dos 39 deputados federais e me mostre alguém que tenha um poder como este onde faz política" (Valor Econômico, 02/05/00). Acho que nem na China!

Somente nos último anos de vida ACM enfrentou a oposição popular, e o governo da Bahia deixou de ser sua "propriedade". Ou, pelo menos, perdeu grande parte do patrimônio político. Poucos meses antes de morrer, ACM convocou as Forças Armadas brasileiras a golpear um governo eleito pela vontade do povo. Neste episódio, não vi o neto gritando: "Segura a onda, vô, Isso é coisa de ditador!"

Quando os rabos presos exigem a defesa do próprio inimigo

No episódio em que Chávez chamou o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar de fascista, e o rei o mandou calar a boca, durante a XVII Cúpula Ibero-americana, em Santiago do Chile, a defesa que o atual primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero fez a Aznar, seu aparente inimigo político, vai além de simples "defesa da honra dos espanhóis".

Zapatero e Juan Carlos, o rei, não são simplesmente os representantes do Governo e do Estado espanhóis. Representam, acima de tudo, o poder imperial do governo norte-americano. Estão a serviço da verdadeira ditadura, esta que, paradoxalmente, se apresenta como a maior democracia do Planeta.

Vejamos esta nota:

Vôos secretos da CIA: o governo espanhol mentiu aos investigadores europeus

A AENA, organismo encarregado de controlar os aeroportos espanhóis e a navegação aérea sobre Espanha, arquivou documento sobre o itinerário de 47 vôos secretos da CIA, provenientes ou com destino à base estadunidense de Guantánamo, revelou, em 12 de novembro o diário espanhol El País.

Segundo este jornal, os documentos entregues pela AENA ao juiz encarregado de instruir a investigação sobre os vôos secretos da CIA, provam que os aviões da agência de espionagem utilizaram o espaço aéreo da Espanha 22 vezes durante a mandato do ex-presidente do governo espanhol José María Aznar e, pelo menos, 25 vezes durante o atual mandato de seu sucessor, o presidente de governo José Luis Zapatero.

A documentação do organismo espanhol que controla os aeroportos e a navegação aérea sobre a Espanha certifica e prova que, ao menos, 11 destes vôos secretos da CIA fizeram escala nas bases aéreas espanholas de Rota e Torrejón de Ardoz, próximo a Madrid, e em Morón, na região de Sevilla.

Esta mesma fonte revela as datas exatas em que os corredores foram utilizados. Faz referência a sete vôos em 2003, 12 vôos em 2004 e 9 vôos 2006.

As primeiras revelações sobre os vôos secretos da CIA, que tinham como finalidade transferir pessoas detidas o seqüestradas em diversos países, em nome da guerra contra o terrorismo declarada pela administração Bush, deram lugar a uma investigação por parte do Parlamento Europeu e pelo Conselho da Europa.


Contudo, os informes que o governo espanhol entregou a estas duas instituições européias em 2006 não menciona nenhum destes vôos da CIA, conforme se pode demonstrar atualmente.

http://www.voltairenet.org/article153175.html

Baseado na defesa de Zapatero a José Maria Aznar, seu suposto adversário político, e na "indignação" do rei, mandando Chávez se calar, considerando ainda o telefone de Aznar ao rei e, principalmente, a Zapatero, agradecendo o apoio inesperado, pode-se concluir que o ditado "amigos, amigos; negócios à parte" pode ser parafraseado com: "Inimigos, inimigos; rabos presos são outros quinhentos".

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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