Aprendendo a igualdade - Escola de iguais

Aline Durães

‘Menino não chora’. ‘Menina deve se comportar’. ‘Menino usa azul’. ‘Menina veste rosa’. ‘Menino joga futebol’. ‘Menina faz balé’. Quem nunca ouviu frases como essas? Apesar de parecerem ingênuas, elas refletem estereótipos que ajudam a reforçar os papéis sociais de homens e mulheres e corroboram as desigualdades de gênero.

Pensamentos como os citados acima são considerados, na maior parte das vezes, naturais. Mas, quando analisados com um olhar mais apurado, percebe-se que são construídos socialmente em instituições importantes na formação do indivíduo. A escola é uma delas.

É na escola que, desde cedo, meninos e meninas apreendem seu lugar no mundo e recebem tratamentos diferenciados em função de seu sexo. “Uma educação sexista é aquela que referenda classificações de gênero durante as práticas educativas. A escola que segrega estudantes tendo por base as representações sobre seus sexos biológicos é uma escola sexista”, explica Rodrigo Rosistolato, professor da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ.

Com o objetivo de promover uma formação mais igualitária, foi criado o Dia Internacional da Educação Não-sexista. Comemorada em 21 de junho, a data foi instituída pela primeira vez, em 1990, durante o Encontro de Mulheres do Cone Sul, no Paraguai. Em 1999, a Assembléia Legislativa da República de El Salvador reconheceu a comemoração e iniciou uma campanha, encampada posteriormente por diversos países da América Latina, inclusive o Brasil, para reduzir o sexismo no currículo escolar e nas práticas docentes.

O dia-a-dia da segregação

Exemplos de como a escola promove as desigualdades de gênero não faltam. Uma brincadeira na creche ou a prática de uma determinada disciplina no Ensino Fundamental podem encobrir o sexismo. “Na escola, existe uma forma de socialização particular na qual as crianças de ambos os sexos são dirigidas a realizar tarefas específicas para cada gênero. No caso do esporte ou da disciplina de educação física, os meninos são estimulados a desempenhar atividades relacionadas à força e à virilidade, como por exemplo as atividades de luta e a prática do futebol; já as meninas são orientadas aos afazeres relacionados a idéia de suavidade e de feminilidade, como a ginástica artística e o balé”, observa Mani Tebet, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.

Aos 6 anos de idade, Sarah de Roure, integrante da ONG SempreViva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial das Mulheres, ainda não conhecia as bandeiras do Feminismo e tampouco entendia o que era desigualdade de gênero, mas já sabia o que, como menina, podia ou não fazer na escola. “A instituição me dizia que tinha coisas que eram para mim e outras que não. A divisão do que levar nas festas do colégio, por exemplo. Meninas levavam doces e salgados; meninos eram responsáveis pelas bebidas. Por que mesmo? Pretensamente porque os homens têm dinheiro para pagar por coisas e as mulheres possuem a ‘habilidade’ para cozinhar. Mas quando você tem 6, 7 ou 8 anos, isso não é verdade. É algo que está sendo ensinado. O sexismo está presente até mesmo no estimulo diferenciado oferecido por professores a meninos e meninas em cada disciplina. Há uma expectativa que eles se saiam bem em matérias como Matemática ou Física, em função de uma suposta racionalidade inerente ao caráter masculino, em contraposição à sensibilidade feminina que faz que as meninas sejam mais cobradas em Português e Redação”, avalia.

Posturas como essas encobrem também certo despreparo dos profissionais de Educação em romper com pensamentos pré-estabelecidos e em propor mudanças. O docente Rodrigo Rosistolato conta que, durante a pesquisa de campo para sua tese de Doutorado, conversou com professores que admitiram ter dificuldades para sugerir discussões acerca da divisão sexual do trabalho, por exemplo. “Eles percebiam que os estudantes ainda eram orientados por idéias referentes à impossibilidade de homens realizarem tarefas socialmente classificadas como femininas e mulheres realizarem trabalhos socialmente classificados como masculinos. Os profissionais também identificavam as mesmas dificuldades entre alguns de seus colegas quando, por exemplo, separavam os estudantes por sexo durante atividades lúdicas. A ideia de que meninos não podem brincar com bonecas ou meninas não podem jogar futebol ainda orienta o trabalho de alguns professores. Essas idéias fazem parte de um conjunto de classificações de gênero que estabelecem os lugares que podem ser ocupados pelas pessoas de acordo com seu sexo biológico. São representações que orientam ações e reproduzem clássicas divisões sociais”, enfatiza Rodrigo.

A mea culpa da família, da igreja e do Estado

A escola não é a única instituição que reproduz as diferenciações de gênero. Na maior parte dos casos, é em casa que as crianças são confrontadas, pela primeira vez, com permissões e proibições pautadas em seu sexo. É na família que a menina é socializada com as tarefas domésticas e o menino com brinquedos eletrônicos ligados à força e à violência, como espadas, armas e videogames.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada entre 2001 e 2005, mostrou que as mulheres gastam um tempo três vezes maior com o cuidado com a casa do que os homens. Para Mani Tebet, esse é um reflexo da educação diferenciada que se fornece para meninos e meninas. “Há uma distribuição desigual no tempo doméstico. Se, por um lado, as meninas devem cuidar dos seus quartos, arrumar, cozinhar, desempenhar afazeres domiciliares internos à casa, os meninos, por outro, desempenham tarefas domésticas na parte externa da casa, no quintal, tais como lavar o carro ou passear com o cachorro. Os afazeres masculinos, além de estarem relacionados ao lazer e não demandarem tanto tempo como os femininos, não são repetitivos”, destaca a doutoranda.

A Igreja e o Estado são duas outras instituições que auxiliam a manutenção de papéis sociais desiguais para homens e mulheres. A primeira por pregar entre seus dogmas a subserviência feminina e o segundo por negar à mulher uma série de direitos cedidos apenas aos homens. “É importante lembrar que, até 1934, a mulher não podia votar. Da mesma forma, até pouco tempo, o homem tinha o direito, estabelecido por lei, de punir a mulher em nome de sua honra. A própria ausência de políticas públicas que combatam a desigualdade de gênero também é uma forma de o Estado compactuar com essa realidade”, afirma Mani Tebet.

Como mudar?

Romper com comportamentos estabelecidos há séculos não parece ser uma tarefa simples. Mas aí reside a importância do papel transformador da Educação. “A Educação é fruto de um conjunto de relações sociais e expressa um pensamento hegemônico, ou seja, está em consonância com a sociedade. Assim, se a sociedade é machista, a formação refletirá isso. Todavia a educação tem um enorme potencial transformador, e uma educação não-sexista é um enorme passo para formar homens e mulheres melhores. Um ensino e uma convivência escolar que questionem a divisão sexual do trabalho e outros elementos da opressão das mulheres certamente são aliados importantes na luta por uma sociedade igualitária”, ressalta a ativista Sarah de Roure.

Para Sarah, a prática da igualdade no ambiente escolar é crucial. Ela elege livros didáticos de qualidade e profissionais bem treinados como itens indispensáveis nesse processo. “A não-valorização do magistério, profissão majoritariamente feminina, é também uma expressão de uma educação sexista. Não é só o conteúdo que não deve ser discriminatório; o sistema educacional como um todo precisa refletir igualdade entre homens e mulheres. Assim, melhores salários e condições de trabalho são reivindicações importantes”, acrescenta.

Rodrigo Rosistolato compartilha dessa opinião. Também de acordo com o pesquisador, o material didático usado em sala de aula deve ser capaz de fomentar discussões sem apresentar conteúdo discriminatório. “O primeiro passo é entender que todas as sociedades possuem representações sobre o masculino e o feminino. Esse processo de criação de diferenças se transforma, em muitas sociedades, em produtor de desigualdades sociais. As representações sociais sobre as diferenças entre os gêneros não são, necessariamente, problemas sociais. Os problemas sociais são gerados quando a diferença é convertida em desigualdade e discriminação”, finaliza o professor da UFRJ.

Homossexualidade: preconceito e ausência

Alunos homossexuais compõem um dos grupos mais estigmatizados na escola. Sofrem toda sorte de preconceitos e, não raro, são ridicularizados por colegas de classe. Para Rosistolato, a discriminação tem como raiz o fato de a homossexualidade questionar as rígidas classificações de gênero e anunciar a possibilidade de o ser humano viver em um mundo mais plural. “A homossexualidade critica os papéis sociais atribuídos aos homens e às mulheres, principalmente aqueles relacionados aos afetos e às relações conjugais. Ela mostra como a realidade das divisões entre os sexos pode não ser tão real assim, por isso assusta tanto a sociedade”, diz.

Nesse sentido, fica fácil entender porque os homossexuais são excluídos em várias esferas da vida social. É o caso do Dia dos Namorados, comemorado no último dia 12. Durante o mês de junho, a população é bombardeada por comerciais, outdoors e propagandas de todos os tipos sobre o romantismo da data. Apesar de namorar, casar e amar como qualquer outro indivíduo, o grupo LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) é sumariamente excluído dessas peças publicitárias. “O preconceito vive ainda na publicidade e nos textos jornalísticos. Sabemos que existem muitos gays que participam da produção de peças publicitárias, mas eles mesmos não podem quebrar com a homofobia, porque são reféns da vontade de editores e clientes e das regras impostas pela sociedade. A questão é cultural. A mentalidade tem que mudar. Precisamos jogar luz sobre esse assunto e lutar por um novo discurso, mais inclusivo”, opina Diego Cotta, jornalista formado pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e organizador da Semana da Diversidade Sexual da universidade, de 2006 a 2008 .

http://www.ufrj.br/docs/jornal/2010-junho_JornalUFRJ54.pdf

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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