Iraque: Umas verdades

Que aquilo que vemos no Iraque hoje fique o epitáfio da presidência desastrosa de George W. Bush, discutivelmente a pior que esta nação teve alguma vez de sofrer. Porem as lágrimas de crocodilo derramadas por pretensiosos políticos sobre o tratamento recebido pelos antigos homens fortes de Bagdade demonstra quão pouco aqueles responsáveis por esse fracasso percebem acerca da região e das consequências das suas acções.

Que aquilo que vemos no Iraque hoje fique o epitáfio da presidência desastrosa de George W. Bush, discutivelmente a pior que esta nação teve alguma vez de sofrer. Porem as lágrimas de crocodilo derramadas por pretensiosos políticos sobre o tratamento recebido pelos antigos homens fortes de Bagdade demonstra quão pouco aqueles responsáveis por esse fracasso percebem acerca da região e das consequências das suas acções.

Não hajam dúvidas que o Saddam Hussein manteve o Iraque íntergro com pulso de ferro, entendendo que o ponto de equilíbrio tribal e étnico estava centrado a volta de um triângulo Sunita forte, uma região curda mais ou menos autónoma e uma zona xiita menos, e não mais, independente. Também não hajam duvidas que ele pessoalmente, tal como o Presidente Bush, assinou mandatos de execução (foi enforcado, se é que acreditamos na versão que este era o Saddam e que houve de facto um enforcamento, por assinar 148 mandatos por alta traição, enquanto George Bush assinou 152 quando Governador de Texas por crimes menores).

Também é verdade que o Iraque não é, e nunca foi, uma democracia ocidental e por isso por quê é que o seu governo tem de ser modelado num estilo ocidental, constituindo uma ilha política numa região de regimes dirigidas por um homem ou grupo?

Soa muito bem o Presidente da Comissão da União Europeia, José Barroso, dizer que é terrível que possam haver enforcamentos, mas não era ele um do Gang dos Quatro, com o Aznar de Espanha, e os Gémeos Terríveis, Bush e Blair, que deu o sim à guerra naquela reunião famosa nas Ilhas dos Açores, quando era Primeiro-ministro de Portugal?

Soa muito bem quando figuras seniores nos Governos de Washington e Londres condenam a falta de dignidade demonstrada aos prisioneiros depois de um processo legal sem qualquer legitimidade e um julgamento injusto, mas o quê é que eles esperavam?

Foram eles, afinal, que desestabilizaram por completo o Estado do Iraque, foram eles que lançaram uma invasão ilegal sem casus belli (o Governo do Iraque tinha declarado claramente que quaisquer ADM tinham sido destruídas ao ponto de não poderem ser utilizadas, o que provou ser a verdade, e não as mentiras de Washington). Foram as forças armadas deles que cometeram actos de estupro, sodomia, tortura, foram eles que foram associados com as cenas de choque e pavor em Abu Ghraib.

De facto, todo o débacle do Iraque faz com que as cenas no filme Hostel pareçam uma história de natal para crianças em banda desenhada. Estruturas civis foram destruídas propositadamente com equipamento militar para depois atribuir contratos bilionários aos amigos da Casa Branca, sem concurso público. Hoje, as pessoas no Iraque nem podem sair de casa sem temerem pelas suas vidas, e a situação piora dia após dia. As mulheres podem ser estupradas ou decapitadas na luz do dia por andarem sem o véu. A sociedade iraquiana caiu no caos que existia antes do Saddam Hussein subir ao poder e fica agora a noção cristalina que a única figura capaz de controlar este vespeiro seria outro Saddam.

Mas será isso provável?

A autoridade deste Governo fantoche era confinada às cidades, depois apenas a Bagdade e agora a uma zona da capital, onde Washington quer estacionar mais 20.000 tropas. Vinte mil tropas numa cidade, para controlar as ruas…demonstra que a situação se tornou gravíssima, quase quatro anos depois de Bush declarar que o Iraque estava sob controlo. Por isso a situação não é como a Washington sempre afirma: sempre a melhorar. A verdade é que está sempre a piorar.

Os que sabem algo acerca de uma guerra de guerrilha sabem bem que colocar soldados, especialmente soldados cujos crimes humanitários merecem a pior reputação possível entre a população, patrulhando na rua, nos mercados, deixa-os abertos a ataques, e qualquer retaliação começa um feudo de sangue. O ciclo vai continuar, só que exacerbado.

A verdade é que a incapacidade de George Bush de ouvir, ou seja sua arrogância desenfreada, levou-o a implementar o tipo de política-reflexo que todos temiam depois do seu regime odioso ser eleito pela manipulação de medo. A sociedade iraquiana foi enviada três séculos para trás em três anos. Os direitos das mulheres desapareceram, e até muitas pessoas que se opunham ao Presidente Hussein dizem agora “Volte, pois está tudo perdoado”. Pior, pela primeira vez em muitos anos, a escolha religiosa se veste na flor da pele, sendo questão de importância política em vez de escolha pessoal.

Visto que foram os norte-americanos que criaram a situação e perderam o controlo (não controlam nada) não faz sentido ficarem, pois a sua presença apela a milhares de fanáticos islamistas que jorram pelas fronteiras dentro (Saddam tinha conseguido manter os terroristas fora do Iraque). Nem os norte-americanos, nem as forças de ocupação, nem a resistência fazem algo pelo povo iraquiano.

Retirar a raiz da equação (força de ocupação) é remover o contrapeso no outro lado (Resistência), fazendo com que os inocentes civis iraquianos tenham alguma esperança de se libertarem do pesadelo dos sonhos quixotescos de Bush. Entretanto, deixem a ONU fazer o que faz melhor e em vez de quebrar a sua Carta, capacitá-la. O que foi feito na RD Congo é um belo exemplo a favor do potencial deste organismo.

Só falta uma comunidade internacional juntar-se a volta da Organização. Porém enquanto Washington continua a portar-se como um fedelho birrento, cresce a tentação de dizermos EUA fora da ONU e ONU fora dos EUA.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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