Sobre o Papa, Islão e Religião

O que salva os Estados Unidos da América, na opinião de muitos, é a sua capacidade inerente para a auto-crítica. Será que se pode afirmar o mesmo acerca daqueles que são descritos como os representantes do Islão?

A capacidade dos EUA para a auto-crítica

Muitas das pessoas que ficam chocadas com a política externa dos EUA desculpam os cidadãos deste país pelo facto de terem a capacidade colectiva de se rirem à custa deles próprios.

Um exemplo clássico desta capacidade é a série televisiva Os Simpsons, onde o protótipo do cidadão norte-americano é representado por um inculto, idiota, incompetente bêbado, covarde e grosseiro, que no entanto é suficientemente esperto para aguentar um trabalho de responsabilidade e terminar cada episódio como herói, enquanto sua mulher manda em casa. Sem dúvida a equipa que faz Os Simpsons desata-se a rir ao fazer cada episódio, como nós, os telespectadores, quando vemos Homer, Marge, Bart, Maggie, o diabólico Monty Burns, seu ajudante adulatório e os outros cidadãos de Springfield, ao serem os exponentes da vida americana.

Quantos daqueles que supostamente representam o Islão (e como se vê abaixo, não são necessariamente o protótipo dos muçulmanos escolhidos na média) seriam capazes de fazer troça deles próprios desta forma?

Experiência

Vamos fazer uma experiência. Eis uma anedota acerca de Cristo.

O dono duma casa vai de férias, deixando seu papagaio em casa. Quando está fora, o papagaio começa a telefonar aos seus amigos, na Austrália. Regressado o dono, vê a conta do telefone e fica furioso. Vai até a sala, pega o papagaio e grita na sua cara: “Sua sacana de porcaria! Se telefonares mais uma vez à Austrália, tiro-te as penas, abro as suas asas e prego-te à parede com um martelo e pregos!!” Atira o papagaio para o chão e sai.

O papagaio sacode-se, coloca as penas em ordem e olha para a parede, onde vê um crucifixo, com Jesus Cristo pendurado lá no meio com expressão triste. Com tom conivente, grasna: “Eh, você aí! A quem é que VOCÊ telefonou??”

Haverá uma mão cheia de bons cristãos que ficarão chocados, mas estes não representam a cristandade porque a grande maioria acharão piada. A questão se coloca, quantos dos muçulmanos irados mostrados na imprensa ocidental depois da publicação da banda desenhada infantil mostrando o profeta Maomé com bombas no turbante, e por aí fora, representam de facto o Islão? Por exemplo, muitos dos meus amigos islamitas acharam graça a alguns desenhos, enquanto eu achei que todos eram desnecessariamente ofensivos. Será que a imprensa gosta da história “Islamitas irados” porque vende bem neste momento?

Evidentemente, os líderes religiosos têm de estar vigilantes perante ataques e têm de zelar pela defesa da sua religião (é aquilo que os sustenta) e no caso dos muçulmanos, especialmente agora nesta altura em que o Islão está muito ciente do seu estatuto e tratamento, historicamente, desde a altura dos cruzados. Naquela altura, foram os muçulmanos aqueles que praticaram o direito de liberdade de adorar um Deus (deixando os prisioneiros cristãos adorar Cristo) enquanto os cristãos eram colectivamente e basicamente uma cambada de estupradores, assassinos de crianças e bárbaros. O quê é que o Cristo teria dito acerca disso?

A diferença entre piadas e insultos

Uma coisa é rir-se acerca dum papagaio, um telefone e o Cristo, outro é insultar uma religião, e onde é que se colocam os comentários recentes do papa Bento XVI nesse contexto?

Se alguém dissesse que toda a religião cristã é fundamentalmente uma aldrabice muito grande, baseada num anjo qualquer a descer do espaço, contando a uma mulher que iria …ser “possuída”… por Deus, só que através de uma experiência cósmica, e que depois o filho resultante andava nos templos em criança e depois desapareceu durante décadas, depois apareceu outra vez pregando a paz, no entanto entrou num templo a derrubar as mesas num acto de fúria, depois ficou crucificado e morreu, e depois afinal não morreu mas viveu…se alguém dissesse que essa história desafia as noções básicas da lógica e que já agora, vamos lá acreditar nos coelhos dourados na floresta que dançam com as fadas nas quintas-feiras a noite depois de comerem aqueles cogumelos, haveria razões para a maioria dos cristãos serem chocados.

Por quê? Porque esse tipo de tentativa de ridicularizar uma religião quebra todas as regras, visto que as religiões são baseadas em fé e misticismo, tentativas criadas pelo Homem para explicar a condição humana e a sua relevância, enquanto simultaneamente estabelece normas de comportamento, invocando Deus, o único ser superior a nós. Quer que se queira acreditar em Deus como entidade material ou apenas a noção duma deidade, é igual, porque o conceito existe em ambos os casos.

A relevância do discurso do Papa Bento XVI

A questão que se coloca hoje é a relevância e contexto do discurso do Papa Bento XVI esta semana na Universidade de Regensburg na Alemanha.

Para começar, o Papa referiu a um relatório que afirmou “havia algo estranho acerca dessa Universidade – tinha duas faculdades dedicados a algo que não existia – Deus”, outra vez, a capacidade de rir à custa da sua própria essência. Será que algum Imam muçulmano teria tido esta capacidade, ou terá sido que tal capacidade contrariaria a sua cultura?

Contudo, se o discurso do Papa Bento XVI foi uma chamada de atenção que a religião se baseia em razão, como é que se pode justificar os preceitos básicos do Cristianismo, expostos acima, pelo realismo?

Aqui o Papa erra – a religião não se baseia em razão. Baseia-se em misticismo e fé, preceitos suficientemente intangíveis para serem facilmente moldados e formados para agradar a gregos e troianos. Eis o mistério da fé.

Também, qual foi o propósito de citar o Imperador Manuel II Paleologus de Bizantina neste discurso? Citar um extracto acerca do Qu’rão defender a expansão da religião pela força da espada é fazer ao Cristianismo a mesma coisa que o bin Laden faz ao Islão – tirar as citações fora de contexto e exagerar a importância de preceitos não-fundamentais.

O Qu’rão é basicamente um livro de paz, menosprezando a violência em termos gerais e apelando aos seguidores ao Maomé conviverem em paz. Foram os cristãos que levaram a Bíblia e a bala para “civilizar os infiéis”, foram os cristãos que massacraram mulheres e crianças nos Cruzados e em inumeráveis outras Guerras Santas, no meio de actos duma violência extrema.

Se o Papa Bento XVI tentava criar um modus operandi para todas as religiões apelaram à razão num clima de diálogo e debate e não diatribes que inflacionam os ânimos e fomentam a violência, escolheu muito mal o teor do discurso, especialmente numa altura em que o Islão sente feridas cruas e quando os cristãos têm o dever de não esfregar sal nelas.

Se fosse uma abordagem mais inteligente, por exemplo, dizer que todos nós adoramos o mesmo Deus, todos nós temos visões diferentes do mesmo, todos temos a mesma liberdade de apelar a ele mesmo nas condições mais extremos, para recebermos força a conforto? O resto é uma questão de disciplina e não doutrina e até que os líderes religiosos aceitarem isso e deixem de se esconder atrás das suas teses académicas, sair dos seus palácios e viver como viviam seus profetas, são eles que aumentam os problemas entre as religiões juntamente com os cães na imprensa internacional que adoram exacerbar o conflito.

Quanto aos muçulmanos, a maioria queriam lá saber o que diz o Papa Bento acerca do Islão. No entanto, os que se apresentam como mais islâmicos que o Maomé, para não dizer mais católicos como o Papa, e que ficam nervosos ao ouvirem meras palavras, aceitando-as como ataques contra a sua própria essência, precisam de ser menos infantis e demonstrar mais confiança na sua religião.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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