Entrevista com Peter Kuznick

Entrevista com Peter Kuznick
A História Secreta dos Crimes de Guerra dos Estados Unidos

http://www.pravdareport.com/opinion/columnists/10-05-2016/134368-peter_kuznick-0/

Nesta entrevista, Prof Peter Kuznick fala sobre: os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki; as mentiras e os crimes por trás da guerra do Vietnã, além dos reais motivos por trás daquela invasão desumana; por que os EUA se engajaram em uma Guerra Fria contra a União Soviética, e como que aquela guerra e a mídia influenciam o mundo de hoje; os interesses por trás dos assassinatos do presidente Kennedy; o imperialismo norte-americano contra a América Latina, durante a Guerra Fria e atualmente sob a falsa premissa de guerra contra o terror e de guerra contra as drogas.

 

Edu Montesanti: No livro The Untold History of the United States, o senhor e Oliver Stone revelam que o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki pelo presidente Harry Truman eram militarmente desnecessárias, e as razões por trás daqueles crimes de guerra. Você poderia comentar tais versões, por favor?

Peter Kuznick: É interessante para mim que quando falo com as pessoas de fora dos Estados Unidos, a maioria acha que os bombardeios atômicos eram desnecessários e injustificáveis, mas a maioria dos norte-americanos ainda acredita que as bombas atômicas foram atos realmente humanos porque salvaram a vida não apenas de algumas centenas de milhares de norte-americanos que teriam morrido em uma invasão, mas também de milhões de japoneses.

Isso é uma ilusão confortável profundamente arraigada no imaginário de muitos norte-americanos, especialmente entre os mais velhos. É um dos mitos fundamentais que emanam da II Guerra Mundial deliberadamente propagado pelo presidente Truman, por seu secretário de Guerra, Henry Stimson, e por muitos outros que também espalharam a informação equivocada de que as bombas atômicas haviam forçado a rendição japonesa. Truman afirmou em suas memórias que as bombas atômicas salvaram a vida de meio milhão de norte-americanos.

O presidente George H. W. Bush, mais tarde, elevou esse número para "milhões". A realidade é que os bombardeios atômicos não salvaram vidas norte-americanas nem contribuíram significativamente à decisão japonesa de se render. Elas podem ter na verdade atrasado o fim da guerra e custado vidas norte-americanas. Elas certamente custaram centenas de milhares de vidas japonesas, e feriram muitas mais.

Como o relatório de janeiro de 1946 pelo Departamento de Guerra EUA deixou claro, havia muito pouca discussão sobre os bombardeios atômicos por funcionários japoneses que antecederam sua decisão de se render. Isto foi recentemente reconhecido de modo tão chocante pelo oficial do Museu Nacional da Marinha dos EUA em Washington, D.C., que afirma: "A vasta destruição causada pelos bombardeios de Hiroshima e Nagasak,i e a perda de 135 mil pessoas causaram pouco impacto sobre os militares japoneses. No entanto, a invasão soviética à Manchúria... mudou a ideia deles".

Poucos norte-americanos percebem que seis dos sete cinco almirantes e generais dos Estados Unidos que ganharam a quinta estrela durante estão registrados como tendo dito que as bombas atômicas eram militarmente desnecessárias, ou moralmente repreensíveis, ou amba as coisas. Essa lista inclui os generais Douglas MacArthur, Dwight Eisenhower, Henry "Hap" Arnold, e os almirantes William Leahy, Ernest King  e Chester Nimitz.

Leahy, que foi chefe de gabinete dos presidentes Franklin Delano Roosevelt e Harry Truman, qualificou os bombardeios atômicos de violações de "toda ética cristã que já ouvi falar, e de todas as leis de guerra conhecidas." Ele alegou que "os japoneses já estavam derrotados e prontos para a rendição... O uso desta arma bárbara em Hiroshima e Nagasaki não serviu como nenhuma ajuda material em nossa guerra contra o Japão. Ao sermos os primeiros a usá-las, adotamos um padrão ético comum aos bárbaros da Idade das Trevas".

Eisenhower concordou que os japoneses já estavam derrotados. MacArthur disse que os japoneses teriam se rendido meses antes se os EUA lhes tivessem dito que poderiam manter o imperador, o que os EUA ao final os permitiram fazer.

O que realmente aconteceu? Na Primavera de 1945, ficou claro à maioria dos líderes japoneses que a vitória era impossível. Em fevereiro de 1945, o príncipe Fumimaro Konoe, ex-primeiro-ministro japonês, escreveu ao Imperador Hirohito, "Lamento dizer que a derrota do Japão é inevitável".

O mesmo sentimento foi expresso pelo Conselho Supremo de Guerra em maio, quando declarou que "a entrada soviética na guerra vai desferir um golpe fatal contra o Império", o que foi repetido com frequência, posteriormente, pelos líderes japoneses.

Os EUA, que haviam quebrado os códigos japoneses e interceptado os cabos japoneses, estavam plenamente conscientes do crescente desespero do Japão para acabar com a guerra se os EUA lhes facilitasse a exigência de "rendição incondicional". Não apenas o Japão estava arrasado militarmente, mas o sistema ferroviário estava em frangalhos e seu suprimento de alimentos encontrava-se encolhendo. O próprio Truman referiu-se ao cabo interceptado em 18 de julho como "o telegrama do imperador japonês pedindo paz". Os líderes norte-americanos também sabiam que o Japão realmente temia a possibilidade de uma invasão soviética, a qual os japoneses tentaram sem sucesso evitar.

Os líderes japoneses não sabiam que, em Yalta, Stalin tinha concordado em entrar na Guerra do Pacífico, três meses após o fim dos combates na Europa. Mas Truman sabia disso e entendeu o significado daquilo. Já em 11 de abril de 1945, o Estado-Maior Conjunto de Inteligência dos Joint Chiefs of Staff relatava que "se em algum momento a URSS tiver que entrar na guerra, todos os japoneses vão perceber que a derrota absoluta é inevitável".

Em Potsdam em meados de julho, quando Truman recebeu a confirmação de Stalin de que os soviéticos estavam entrando na guerra, Truman se alegrou e escreveu em seu diário, "Será o fim dos japoneses quando isso acontecer". No dia seguinte, ele escreveu para sua esposa: "Nós vamos acabar com a guerra um ano mais cedo agora, e pense nas crianças que não serão mortas".

Assim, havia duas maneiras de acelerar o fim da guerra, sem deixar cair bombas atômicas. A primeira era mudar a demanda para a rendição incondicional e informar os japoneses de que eles poderiam manter o imperador, o que a maioria dos políticos norte-americanos queria fazer de qualquer maneira porque viam o imperador como personagem-chave para a estabilidade pós-guerra. A segunda era esperar pela invasão soviética, que começou à meia-noite do dia 8 de agosto.

Foi a invasão que se provou decisiva, não as bombas atômicas cujos efeitos levaram mais tempo para serem registrados e foram mais localizados. A invasão soviética desacreditou completamente a estratégia ketsu-go do Japão. O poderoso Exército Vermelho rapidamente demoliu o Exército Kwantung do Japão. Quando o primeiro-ministro Kantaro Suzuki foi perguntado por que o Japão precisava se render tão rapidamente, ele respondeu que se o Japão atrasasse, "a União Soviética vai conquistar não apenas a Manchúria, a Coréia, o Karafuto, mas também Hokkaido. Isto irá destruir a fundação do Japão. Temos que acabar com a guerra, quando podemos lidar com os Estados Unidos";

A invasão soviética mudou a equação militar; as bombas atômicas, por mais terríveis que fossem, não fizeram isso. Os norte-americanos tinham bombardeado cidades japonesas por vários meses. Como Yuki Tanaka demonstrou, os EUA já haviam bombardeado mais de 100 cidades japonesas. A destruição atingiu a alta de 99,5 por cento no centro de Toyama.

Os líderes japoneses já tinham aceitado que os Estados Unidos poderiam acabar com cidades japonesas. Hiroshima e Nagasaki foram mais duas cidades a serem vencidas, contudo através da destruição com detalhes terríveis. Mas a invasão soviética provou ser devastadora tanto quanto os líderes norte-americanos e os japoneses previram que seria.

Mas os EUA queriam usar bombas atômicas, em parte, como advertência aos soviéticos de que elas estavam de prontidão se eles interferissem nos planos dos EUA em relação à hegemonia pós-guerra. Isso foi exatamente o que Stalin e aqueles em torno dele no Kremlin interpretaram dos atentados. A utilização pelos EUA das bombas teve pouco efeito sobre líderes os japoneses, mas revelou-se um fator importante para dar início à Guerra Fria. E colocaram o mundo em uma ladeira rumo à aniquilação.

Truman observou em pelo menos três ocasiões distintas, que estava se iniciando um processo que poderia resultar no fim da vida neste planeta. Quando ele recebeu a notícia em Potsdam do poderio através do teste da bomba em 16 de julho no Novo México, escreveu em seu diário: "Nós descobrimos a mais terrível bomba da história do mundo. Pode ocasionar a destruição através de fogo que profetizou no Vale Era Eufrates Noé, em sua arca".

Então os bombardeios atômicos contribuíram muito pouco ou nada para o fim da guerra, mas deram início a um processo que continua ameaçando a humanidade de aniquilação hoje - 70 anos ou mais após os atentados. Como Oliver Stone e eu dizemos em The Untold History of the United States, matar civis inocentes é crime de guerra. Ameaçar extinguir a humanidade é muito, muito pior. É o pior crime que jamais poderá ser compactuado.


Edu Montesanti: No capítulo Guerra do Vietnã, é revelado que as forças armadas norte-americanas realizaram naquele pequeno país o lançamento de um maior número de bombas que todos aqueles lançados durante a Segunda Guerra Mundial. Por favor, detalhe este fato e comente por que você acha que isso aconteceu.

Peter Kuznick: Os EUA derrubaram mais bombas contra o pequeno Vietnã do que tinha sido despejado por todos os lados em todas as guerras anteriores, em tempos de história, e três vezes mais que as todas lançadas por todos os lados na Segunda Guerra Mundial. Aquela guerra foi a pior atrocidade, o pior exemplo de agressão estrangeira cometida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Dezenove milhões de litros de herbicida envenenaram o campo. As belas florestas do Vietnã foram completamente eliminadas. Os EUA destruíram 9 mil das 15 mil aldeias do Vietnã do Sul.

Os EUA destruíram todas as seis cidades industriais do norte, bem como 28 das 30 cidades do interior e 96 das 116 cidades distritais. Os EUA ameaçaram usar armas nucleares em várias ocasiões. Entre aqueles que discutiram e, ocasionalmente, apoiaram este uso estava Henry Kissinger. O ex-secretário de Defesa Robert McNamara disse aos meus alunos que acredita que 3,8 milhões de vietnamitas morreram na guerra.

Assim, a guerra foi realmente horrível e os norte-americanos nunca pagaram por este crime. Em vez de ganhar um Prêmio Nobel da Paz pelo fim da guerra, Henry Kissinger deveria ter ido ao banco dos réus em Haia, julgado por ter cometido crimes contra a humanidade.


Edu Montesanti: Fale, professor Kuznick, de suas experiências na década de 60 no Vietnã, e por que os EUA decidiram se envolver em uma guerra contra aquela nação.

Peter Kuznick: Oliver e eu nos aproximamos da guerra de diferentes perspectivas. Ele abandonou a Universidade de Yale e se ofereceu para o combate no Vietnã. Ele foi ferido duas vezes e ganhou uma medalha por coragem em combate. Por outro lado, eu me posicionei frontalmente contra a invasão dos EUA ao Vietnã desde o início.

Como calouro na faculdade, dei início a um grupo anti-guerra. Organizei-me de forma ativa contra a guerra. Tive profunda aversão àquilo. Eu odiava as pessoas que eram responsáveis ​​por aquela guerra. Achava que eram todos criminosos de guerra, e ainda acho. Assisti a muito protestos contra a guerra e falei muitas vezes em manifestações públicos. Como meu amigo Daniel Ellsberg gosta de dizer, eu achava que não estávamos no lado errado, mas que éramos o lado errado.

Os EUA gradualmente se envolveram naquilo. Primeiro, financiaram a guerra colonial francesa e, em seguida, assumiram a luta em si depois que os vietnamitas derrotaram os franceses. O presidente Kennedy enviou 16 mil "conselheiros", mas percebeu que a guerra era um equívoco e planejou acabar com ela se não tivesse sido morto. Os motivos norte-americanos eram variados. Ho Chi Minh não só era nacionalista, como era também comunista. Nenhum líder dos EUA queria perder uma guerra para os comunistas, em lugar nenhum.

Isso era especialmente verdadeiro após a vitória comunista na China em 1949. Muitos temiam o efeito-dominó que o Vietnã pudesse causar em termos de vitórias comunistas em todo o Sudeste Asiático. Isso deixaria o Japão isolado, e no Japão também acabaria por voltar-se para o bloco comunista. Por isso, a motivação era geopolítica.

Outra era econômica. Os líderes norte-americanos não queriam perder o trabalho barato, as matérias-primas e os mercados na Indochina. Outra razão foi que o complexo militar-industrial dos EUA - as indústrias de "defesa" e os líderes militares aliados a eles - enriqueceram-se com a guerra. A guerra era a razão de ser deles, e eles lucraram com a guerra tanto através dos altos lucros quanto das promoções.

Por isso, foi uma combinação de manutenção da dominação dos EUA no mundo, defender e explorar interesses econômicos norte-americanos, e uma mentalidade anti-comunista perversa e corrosiva que desejava derrotar os comunistas em todos os lugares.


Edu Montesanti: Quais foram as verdadeiras razões por trás da Guerra Fria dos EUA contra a União Soviética?

Peter Kuznick: George Kennan, funcionário do Departamento de Estado norte-americano que forneceu a base teórica para a teoria de contenção, expôs os motivos econômicos por trás da Guerra Fria em um memorando muito esclarecedor em 1948, em que disse: "Temos cerca de 50 por cento da riqueza do mundo, mas apenas 6,3 por cento da sua população... não podemos deixar de ser objeto de inveja, de ressentimento. Nossa verdadeira tarefa no próximo período é conceber um padrão de relações que nos permitirão manter esta posição de desigualdade".

Os EUA prosseguiram com esta tarefa. Às vezes, foi necessário, para isso, apoiar ditaduras brutais. Às vezes, foi necessário apoiar regimes democráticos. A luta ocorreu no âmbito cultural bem como os domínios políticos, ideológicos e econômicos.

Henry Luce, editor da revista Time, disse em 1941 que o século 20 deveria ser o século norte-americano. Os EUA iriam dominar o mundo. Os EUA se propuseram a fazer isso. Os soviéticos, tendo sido invadidos duas vezes pela Europa Oriental, queriam uma zona tampão entre si e a Alemanha. Os EUA se opuseram a tais esferas econômicas e políticas que limitavam a penetração econômica dos EUA.

Embora os EUA e a União Soviética nunca tivessem se enfrentado em uma guerra, eles travaram muitas guerras perigosas por procuração. Os seres humanos têm a sorte de terem sobrevivido àquela era sombria.


Edu Montesanti: Como o senhor vê a política dos EUA em relação a Cuba desde a Revolução Cubana, e em relação à América Latina em geral desde a Guerra Fria?

Peter Kuznick: Os EUA controlaram completamente a economia e a política cubana a partir da década de 1890 até a revolução de 1959. Batista levava água para os investidores norte-americanos. Os EUA interveiram repetidamente nos assuntos da América Latina entre 1890 e 1933 e, em seguida, muitas vezes novamente na década de 1950. Castro representou a primeira grande ruptura desse ciclo.

Os EUA queriam destruí-lo e garantir que ninguém mais na América Latina seguisse seu exemplo. Falharam. Os EUA não destruíram sua revolução, mas garantiram que ela não tivesse sucesso economicamente, ou criasse a democracia do povo que muitos esperavam.

No entanto, foi bem-sucedida de outras maneiras. E a revolução sobreviveu à Guerra Fria, e após ela. Ela tem inspirado outros revolucionários latino-americanos, apesar de todo o apoio e de todo o treinamento dos EUA aos esquadrões da morte, que patrulhavam o continente deixando centenas de milhares de mortos. A Escola dos EUA para as Américas tem sido fundamental na formação dos líderes de esquadrões da morte.

Hugo Chávez e outros têm se apoiado em Fidel como inspirador da esquerda latino-americana. Mas muitos líderes progressistas foram derrubados nos últimos anos. Hoje Dilma Rousseff está lutando por sua vida, mas Evo Morales e Álvaro García Linera  na Bolívia seguem firmes, resistindo orgulhosamente aos esforços dos EUA para dominar e explorar novamente a América Latina.

Mas em toda a América Latina, os líderes progressistas foram derrubados ou estão sendo enfraquecido por escândalos. Os neoliberais apoiados pelos EUA estão preparando-se novamente para saquear as economias locais de acordo com o interesse de capitalistas estrangeiros e domésticos. Não é uma paisagem interessante. As pessoas vão sofrer imensamente, enquanto alguns ficam ricos.


Edu Montesanti: De acordo com suas pesquisas, Professor Kuznick, quem matou o presidente John Kennedy? Que interesses estavam por trás daquele magnicídio?

Peter Kuznick: Oliver produziu um grande filme sobre o assassinato de John Kennedy. Não sentimos que precisávamos rever essas questões em nossos livros e documentários. Estamos focados, em vez disso, no que a humanidade perdeu quando Kennedy foi roubado de nós. Ele havia crescido imensamente durante seu curto período de tempo na Presidência.

Ele começou como combatente da Guerra Fria. Até o final da vida, seguindo as lições que aprendeu durante os dois primeiros anos de sua administração e pontuadas pela crise dos mísseis cubanos, ele desejou desesperadamente acabar com a Guerra Fria e terminar com a corrida ao armamento nuclear. Se tivesse vivido, como Robert McNamara afirmou, o mundo teria sido fundamentalmente diferente.

Os EUA teriam se retirado do Vietnã. Os gastos militares teriam caído drasticamente. Os EUA e os soviéticos teriam explorado maneiras de trabalhar juntos. A corrida armamentista teria sido transformada em uma corrida de paz. Mas ele teve seus inimigos nas comunidades militares e de Inteligência, e no sector militar da economia.

Ele também era odiado pelos segregacionistas do sul, pela máfia e pela comunidadereacionária de exilados cubanos. Mas aqueles por trás de seu assassinato partiram, muito provavelmente, da ala militar e da inteligência.

Não sabemos quem fez isso, mas sabemos cujos interesses foram avançados pelo assassinato. Tendo em conta todos os furos na versão oficial, conforme detalhado pela Comissão Warren, é difícil acreditar que Lee Harvey Oswald agiu sozinho e que a bala mágica causou todo aquele estrago.


Edu Montesanti: O senhor acha que o imperialismo dos EUA contra a região hoje, especialmente os ataques contra países progressistas são, essencialmente, baseados na mesma política dos tempos da Guerra Fria?

Peter Kuznick: Não acho que os EUA queiram uma nova Guerra Fria com um rival real que possa competir em todo o mundo. À medida que os neocons se proclamaram após a queda da União Soviética, os EUA realmente querem um mundo unipolar no qual exista apenas uma superpotência e não rivais.

Os países progressistas têm menos aliados importantes hoje do que tinham durante a Guerra Fria. Rússia e China fornecem algum equilíbrio para os EUA, mas não são realmente países progressistas desafiando a ordem capitalista mundial. Ambos estão cercados por seus próprios problemas internos, e pelas desigualdades.

Há poucos modelos socialistas democráticos para o mundo a seguir hoje. Os EUA têm conseguido subverter e sabotar a maior parte dos governos visionários e progressistas. Hugo era este modelo. Ele alcançou grandes coisas para os pobres da Venezuela. Mas se olharmos ao que está acontecendo agora no Brasil, na Argentina, em Honduras... é um quadro muito triste.

Uma nova onda revolucionária é necessária em todo o terceiro mundo com novos líderes comprometidos em eliminar a corrupção, e em lutar por justiça social. Pessoalmente, estou animado com os recentes acontecimentos na Bolívia, apesar dos resultados da última eleição [referendo por reforma constitucional que permitiria ao presidente Evo Morales se candidatar a um quarto mandato, até 2025].


Edu Montesanti: O quanto a cultura da Guerra Fria influencia a sociedade norte-americana e mundial hoje, Professor Kuznick? Qual papel o regime de Washington e a grande mídia desempenham sobre isso?

Peter Kuznick: Os meios de comunicação são parte do problema. Eles serviram para ofuscar, em vez de educar e esclarecer. Imputam a sensação de que existem perigos e inimigos à espreita em todos os lugares, mas não oferecem soluções positivas.

Como resultado, as pessoas são movidas pelo medo e para responder de forma irracional. O ex-vice-presidente dos EUA, Henry Wallace, um dos visionários líderes dos EUA no século 20, respondeu à cortina de ferro de Winston Churchill em 1946, advertindo:

"A fonte de todos os nossos erros é o medo... Se estes receios continuarem, chegará o dia em que nossos filhos e netos vão pagar por esses medos com rios de sangue... Por medo, grandes nações têm atuado como bestas selvagens, pensando apenas na sobrevivência".

Isso também opera no nível pessoal, onde as pessoas vão sacrificar suas liberdades para conseguir maior segurança. Vimos isso ocorrer nos EUA após o 11 de Setembro. Estamos vendo isso agora na França e na Bélgica.

O mundo está se movendo na direção errada. A desigualdade está crescendo. As 62 pessoas mais ricos do mundo têm agora mais riqueza do que os 3,6 bilhões mais pobres. Isso é obsceno. Não há desculpa para a pobreza e para a fome em um mundo com recursos abundantes. Neste mundo, os meios de comunicação servem a vários propósitos, o menor dos quais é informar as pessoas e armá-las com as informações que elas precisam para transformar suas sociedades e o mundo.

Os meios de comunicação, em vez disso, têm ampliado o medo das pessoas a fim de que aceitem regimes autoritários e soluções militares a problemas que não têm soluções militares, proporcionar entretenimento estúpido para distrair as pessoas de problemas reais, e narcotizar as pessoas em sonolência e apatia.

Este é um problema especialmente nos Estados Unidos, onde muitas pessoas acreditam que existe uma imprensa "livre". Onde há uma imprensa controlada, as pessoas aprendem a enxergar os meios de comunicação com ceticismo. Muitos norte-americanos que acreditam na imprensa não entendem as formas mais sutis de manipulação e de engano.

Nos EUA, os principais meios de comunicação raramente oferecem perspectivas que desafiam o pensamento convencional. Por exemplo, tenho sido constantemente entrevistado pelos principais meios de comunicação da Rússia, da China, do Japão, da Europa e de outros lugares, mas raramente sou entrevistado pelos meios de comunicação dos Estados Unidos.

Nem meus colegas progressistas são convidado aos programas dos principais meios de comunicação dos EUA. Desta maneira, há, sim, uma certa medida de liberdade de imprensa nos Estados Unidos, mas essa liberdade não tem sido tão cerceada pelo governo quanto pela auto-censura e silenciamento de vozes progressistas.

Grande parte do resto do mundo está mais aberto a criticar os EUA, mas não tão contundentemente quando se trata de criticar as políticas de seus próprios governos.


Edu Montesanti: O que o senhor poderia dizer sobre a ideia de que a atual "Guerra ao Terror" dos Estados Unidos, e até mesmo "Guerra às Drogas" especialmente na América Latina são maneiras que os EUA encontraram para substituir a Guerra Fria, e assim expandir seu poder militar e a dominação global?

Peter Kuznick: Os EUA rejeitam os métodos dos antigos regimes coloniais. Criaram um novo tipo de império amparado por um número de 800 a mil bases militares no exterior a partir das quais forças especiais norte-americanas operam em mais de 130 países todo ano.

Em vez de as forças invasoras que consistem em grandes exércitos de terra, que provaram não trabalhar de país a país, os EUA operam de maneiras mais secretas e menos pesadas. O método de matar preferido de Obama é através de drones. Estes são de legalidade duvidosa e produzem resultados questionáveis. São certamente eficazes em matar pessoas, mas há muitas evidências que sugerem quem para cada "terrorista" que matam, criam mais 10 em seu lugar.

A guerra contra o terrorismo que os EUA e seus aliados têm travado nos últimos 15 anos, apenas criou mais terroristas. Soluções militares raramente funcionam. Diferentes abordagens são necessárias e elas terão que começar com a redistribuição de recursos do mundo, a fim de fazer com que as pessoas queiram viver em vez de matar e morrer. As pessoas precisam de esperança.

Elas precisam de um senso de afinidade. Precisam acreditar que uma vida melhor é possível, para elas e para os filhos. Muitos se sentem inúteis e marginalizados. O fracasso do modelo soviético produziu um vácuo em seu lugar. Como Marx advertiu há muito tempo, a Rússia estava muito atrasada cultural e economicamente para servir de modelo para o desenvolvimento socialista global.

A revolução foi contestada desde o início por forças invasoras capitalistas. Problemas abundavam desde o início. Em seguida, o stalinismo trouxe sua própria série de horrores. Na medida em que o modelo soviético tornou-se padrão mundial para a mudança revolucionária, havia pouca esperança para a criação de um mundo decente. Nem o modelo chinês forneceu um padrão melhor.

Assim, alguns se voltaram para o Islã radical que traz sua própria visão de pesadelo. Como os governos progressistas continuam tropeçando e caindo, a hegemonia dos EUA se fortalece. Mas os EUA têm apresentado poucos benefícios a oferecer ao mundo. As gerações futuras vão olhar para trás a esta Pax Americana não como um período iluminado, mas de guerra constante e de crescente desigualdade.

A democracia é grande em princípio, mas menos eficiente na prática. E agora, com a ameaça nuclear se intensificando e as mudanças climáticas também ameaçando a existência futura da humanidade, o futuro permanece incerto. Os EUA vão se agarrar a guerras contra o terror e contra as drogas para manter as desigualdades que George Kennan traçou há 68 anos. Mas este não é o caminho que deve ser seguido.

O mundo pode olhar para a política interna dos EUA como uma descida suicida - um sinal hilariante do completo fracasso da democracia norte-americana -, mas o sucesso do ponto fora da curva de Bernie Sanders e até mesmo a revolta anti-establishment entre as bases republicanas mostram que os norte-americanos estão sedentos por mudança.

Tanto Hillary Clinton quanto o establishment republicano, com seus laços com Wall Street e soluções militaristas, não impõem respeito fora de certos segmentos limitados da população. Eles podem ganhar agora, mas seu tempo é limitado.

Pessoas de toda a parte estão desesperadas por novas respostas progressistas positivas. Algumas, claramente como se vê agora em toda a Europa, estão se voltando à direita demagoga em tempos de crise, mas isso se deve, ao menos em parte, ao fato de que a esquerda não conseguiu fornecer a liderança que o mundo precisa.

 

Uma esquerda revitalizada é a chave para salvar este planeta. Estamos correndo contra o tempo que se esgota. O caminho pela frente não será nada fácil. Mas podemos e devemos prevalecer.

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Edu Montesanti é professor de idiomas, autor do livro Mentiras e Crimes da "Guerra ao Terror", atua como freelancer para Pravda e escreve também para Center for Research on Globalization (Canadá). Foi tradutor do sítio na Internet da escritora, ativista pelos direitos humanos e ex-parlamentar afegã expulsa injustamente do cargo pelos senhores da guerra, Malalaï Joya, e da ONG argentina Abuelas de Plaza de Mayo. Escreveu paraDiário Liberdade (Galiza), e para Observatório da Imprensa (Brasil).

www.edumontesanti.skyrock.com

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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