Internacionalizando a paz

 12/03/2008

Não cantemos vitórias antecipadas. No entanto, não há dúvida de que o resultado da última reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em Washington no dia 4, foi a maior derrota colhida pelos Estados Unidos nesse organismo, desde sua fundação (1948).

A vitória da proposta dos governos e organizações progressistas e de esquerda do continente de uma saída pacífica e negociada para bombardeio e invasão do território equatoriano por forças militares colombianas é uma derrota do belicista Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, e sobretudo do seu colega e patrono, George W. Bush, dos EUA. O tamanho dessa derrota dé exatamente o mesmo do ódio e/ou do silêncio com que a grande mídia do nosso país tem tratado os resultados obtidos pela diplomacia brasileira e latino-americana.

A iniciativa imediata dos governos e da diplomacia dos principais países da região – Brasil, Argentina e Chile – e o tensionamento desencadeado pelo governo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, deslocando batalhões de blindados para a fronteira colombiana para, em seguida, apostar numa saída negociada, foram fundamentais: a OEA deixou claro que não tolerará invasões.

O resultado conquistado na OEA foi confirmado no dia 7, pela reunião do Grupo do Rio, em São Domingos. A declaração final desse fórum afirma: "Rechaçamos essa violação da integridade territorial do Equador e (...) reafirmamos o princípio de que o território de um Estado é inviolável e não pode ser objeto de ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro Estado, direta e indiretamente, qualquer que seja o motivo, ainda que de maneira temporal". Ora, em linguagem diplomática, a inclusão do "indiretamente" no texto da declaração implica um claro recado para a Casa Branca.

Mas, além dos países americanos, governos de países europeus como a França, Espanha e Suíça, que mediavam ou mantinham negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), visando resolver a questão dos prisioneiros mantidos pelos guerrilheiros (especialmente da senhora Ingrid Betancourt), protestaram contra a invasão do Equador e o assassinato de Raúl Reyes, o número 2 das Farc. Sem dúvida, as Farc sofreram importantíssima baixa com o assassinato de Reyes, seu grande porta-voz e diplomata, agora repicada com o assassinato de Ivan Ríos.

Alguns analistas entendem que as resoluções na esfera da diplomacia significariam uma vitória do presidente da Colômbia, uma vez ambos os organismos internacionais não condenaram nem impuseram sanções contra o governo colombiano.

Mas o problema Colômbia não deve ser, nem será resolvido (bem como o de qualquer país) apenas por ações externas. Medidas diplomáticas conseqüentes devem apostar sempre na criação de condições internacionais favoráveis para que os problemas internos (contradições internas) ao próprio país em pauta se agudizem, e para que sejam as próprias forças políticas internas a resolver a crise na direção almejada pela diplomacia internacional. Ação externa e interna devem ser complementares.

Além de poder até mesmo dividir governos da região, neste momento, qualquer medida mais dura e que ferisse o brio dos colombianos, certamente ajudaria a jogá-los nos braços da retórica nacionalista que vem sendo utilizada pelo chefe de governo que, entre outros, tem utilizado a bandeira nacional como o principal símbolo de sua campanha de permanência no poder – não por outro motivo, quatro astronautas da Discovery, na tarde do dia 4, foram visitar o senhor Uribe em palácio: levavam um documento da Nasa atestando de que a bandeira do país fora mandada para o espaço.

Velhas máximas

Ao contrário de humilhar o narco-presidente e transformá-lo em vítima de "aliados das Farc", e/ou "dos terroristas", o que poderia fortalecê-lo internamente, os países latino-americanos usaram das velhas máximas:

1. Não basta organizar seu exército, é fundamental desorganizar, dividir, o do inimigo.

2. Nunca encurrale seu inimigo sem permitir que tenha uma porta por onde fugir.

Assim, sem motivos para esbravejar contra seus vizinhos, voltou o senhor Uribe para a Casa de Nariño, de onde deve ter acompanhado, no dia 6 (depois da reunião da OEA e antes do encontro de São Domingos), os pelo menos 200 mil manifestantes (quase 3% da população da capital) que saíram às ruas centrais de Bogotá, em protesto contra sua política, sua ligação com os grupos paramilitares de extrema direita e o narcotráfico. Segundo o periódico La Jornada

(mexicano) foram gritadas palavras de ordem como "Vamos à rua, derrubar o governo paramilitar", outras que acusavam o presidente de "fascista, lacaio do imperialismo" e, até mesmo, "Chávez sim, Uribe não". O tamanho da manifestação teria surpreendido seus próprios organizadores, do Movimento Nacional de Vítimas dos Crimes de Estado (Movice). Mobilizações de igual caráter foram realizadas em outras cidades da Colômbia e em 150 cidades dos cinco continentes.

No que diz respeito às Farc, quanto maior o isolamento internacional e interno do governo Álvaro Uribe, maiores as chances de alcançar a saída negociada que propõe. Convém lembrar que, desde o final da reunião da OEA, já foram retomadas as iniciativas no sentido de levar a cabo as negociações para a libertação dos presos em poder dos guerrilheiros – um dos principais alvos da operação desencadeada pelo narco-presidente Uribe.

Nota

De acordo com a agência EFE, as Farc lançaram comunicado sobre o assassinato de Ivan Ríos, onde afirmam que "A mentira ruim é a arma favorita do governo narcoparamilitar de Uribe", informam que suas "instâncias superiores trabalham (...) no esclarecimento dos episódios" e prometem para muito breve uma informação da guerrilha "crível e respeitável sobre os últimos eventos".

Contribuidores: Editorial Brasil de Fato (ed. 263)

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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