Podem a Venezuela e os seus vizinhos sobreviver à guerra que se anuncia?

Podem a Venezuela e os seus vizinhos sobreviver à guerra que se anuncia?

Thierry Meyssan

A crise que desestabiliza a Venezuela, tal como as que começam na Nicarágua e no Haiti, deve ser bem analisada para poder ser enfrentada. Thierry Meyssan retoma a análise de três hipóteses interpretativas e argumenta a favor de uma de entre elas. Ele evoca ainda a estratégia dos Estados Unidos e a maneira de a enfrentar.

 

Este último intitulou-se presidente interino pretensamente em virtude dos Artigos 223 e 233 da Constituição. Basta ler estes Artigos para constatar que não se aplicam, de forma alguma, ao seu caso e que não pode daí retirar legitimidade para a função à qual se pretende alcandorar. Todavia, ele é reconhecido nesta usurpada função pelos Estados Unidos, o Grupo de Lima e uma parte da União Europeia.

Certos apoios de Nicolas Maduro garantem que Washington reproduz o derrube de um governo de esquerda dentro do modelo do que fez contra Salvador Allende, em 1973, na época do Presidente Richard Nixon.

Outros, reagindo às revelações de Max Blumenthal e Dan Cohen sobre o percurso de Juan Guaidó [4]. Isto parece já muito antigo, mas não é na realidade o caso. Assim, o Presidente George W. Bush assinou Syrian Accountability Act (Lei de Responsabilização da Síria- ndT), em 2003, mas as operações militares na Síria só começaram 8 anos mais tarde, em 2011. Esse foi o tempo necessário a Washington para criar as condições para os motins.

 

Os ataques contra a esquerda antes de 2015

Se esta análise for correcta, temos de pensar que os elementos anteriores a 2015 (o Golpe de Estado contra o Presidente Hugo Chávez em 2002, a tentativa de revolução colorida em 2007, a operação Jerichó em Fevereiro de 2015, e as primeiras manifestações das guarimbas) respondiam a uma outra lógica, enquanto os que surgiram depois (o terrorismo das guarimbasem 2017) se enquadram dentro deste plano.

A minha reflexão funda-se igualmente no meu conhecimento destes elementos.

Assim, em 2002, eu publiquei uma análise do Golpe de Estado que relatava o papel dos Estados Unidos por trás da Fedecamaras (o patronato venezuelano) [5]. O Presidente Hugo Chávez quis verificar as minhas informações e enviou-me dois emissários a Paris. Um acabou em General e o segundo é hoje uma das mais altas personalidades do país. O meu trabalho foi utilizado pelo Procurador, Danilo Anderson, para o seu inquérito. Ele foi assassinado pela CIA em 2004.

 

Identicamente, em 2007, estudantes trotskistas iniciaram um movimento contra a não renovação da licença da rádio-televisão de Caracas (RCTV). Sabemos hoje, graças a Blumenthal e Cohen, que Juan Guaidó já estava implicado e que ele tinha recebido treino pelos discípulos do teórico da não-violência Gene Sharp. Em vez de reprimir os excessos do movimento, o Presidente Hugo Chávez, por ocasião da cerimónia de assinatura da ALBA, em 3 de Junho, leu, durante vinte minutos, um antigo artigo que eu tinha consagrado a Gene Sharp e à sua concepção da não-violência ao serviço da OTAN e da CIA [6]. Entendendo a manipulação de que eram alvo, um grande número de manifestantes retirou-se da luta. Negando desajeitadamente os factos, Sharp escreveu-me a mim e ao Presidente. Essa iniciativa criou confusão entre a esquerda norte-americana para quem ele era uma personalidade respeitável, sem ligação com o Governo dos EUA. O professor Stephen Zunes tomou a sua defesa, mas face às evidências Sharp fechou o seu instituto, deixando o lugar à Otpor e ao Canvas [7].

 

Voltemos ao período actual. É claro que a recente tentativa de assassínio do Presidente Nicolas Maduro faz pensar no modo como o Presidente Salvador Allende foi levado ao suicídio. É claro, as manifestações convocadas pelo Presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, levam a pensar numa revolução colorida. Mas isso não é, de forma alguma, contraditório com a minha análise. Assim, uma tentativa de assassinato de Muammar Gaddafi precedeu, de pouco, as operações militares contra a Líbia. Na altura em que os discípulos de Gene Sharp enquadraram as primeiras manifestações contra o Presidente Hosni Mubarak no Egipto. Eles até distribuíram aí uma versão árabe de seu opúsculo já usado em outros países [8]. Mas, tal como a sequência dos acontecimentos mostrou, não se tratava nem de um Golpe de Estado, nem de uma revolução colorida.

 

Preparar-se para a guerra

Se a minha análise for exacta -e de momento, tudo parece confirmá-la-, é preciso preparar-se para uma guerra não apenas na Venezuela, mas em toda a Bacia das Caraíbas. A Nicarágua e o Haiti estão já desestabilizados.

Esta guerra será imposta a partir do exterior. Ela não já não visará derrubar governos de esquerda em proveito de partidos de direita, mesmo que as aparências sejam à partida enganadoras. A lógica dos acontecimentos não fará distinção entre uns e outros. Pouco a pouco, toda a sociedade será ameaçada, sem distinção de ideologia ou de classe social. Identicamente, será impossível aos outros Estados da região manter-se afastados da tempestade. Mesmo aqueles que creem proteger-se servindo de base traseira às operações militares acabarão parcialmente destruídos. Assim, e a imprensa raramente fala disso, cidades inteiras foram arrasadas na região de Qatif, na Arábia Saudita, muito embora este país seja o principal aliado de Washington no «Médio-Oriente Alargado».

 

Com base nos conflitos dos Grandes Lagos de África e no Médio-Oriente Alargado, esta guerra deverá desenrolar-se por etapas. 
 Em primeiro lugar, destruir os símbolos do Estado moderno, atacando as estátuas e museus consagrados a Hugo Chávez. Isso não faz vítimas, mas mexe com as representações mentais da população. 


 Depois encaminhar armas e remunerar combatentes para organizar manifestações que descambarão. A imprensa fornecerá, após um surto de explicações inverificáveis, um rol sobre crimes imputados ao Governo contra os quais manifestantes pacíficos se levantaram. É importante que os polícias acreditem ter sido alvo de disparos da multidão e que a multidão acredite ter sido visada por tiros da polícia porque o objectivo é semear a divisão. - A terceira etapa será montar atentados sangrentos um pouco por todo o lado. Para isso muito poucos homens são necessários, basta ter duas ou três equipas circulando pelo país. 


 Só então é que será útil enviar para o terreno mercenários estrangeiros. Durante a última guerra, os Estados Unidos enviaram para o Iraque e para a Síria pelo menos 130. 000 estrangeiros, aos quais se juntaram120. 000 combatentes locais. Tratou-se de exércitos muito numerosos embora mal preparados e treinados.

É possível conseguir defender-se uma vez que a Síria o conseguiu. Várias iniciativas devem ser tomadas com urgência: 


 Desde logo, por iniciativa do General Jacinto Pérez Arcay e do Presidente da Assembleia Constituinte, Diosdado Cabello, oficiais superiores do Exército venezuelano estudam as novas formas de combate (guerra de 4ª geração). Mas, delegações militares devem ir à Síria para constatar, por si mesmas, como as coisas se passaram. É muito importante porque estas guerras não se parecem com as precedentes. Por exemplo, mesmo em Damasco a maior parte da cidade está intacta, como se nada se tivesse passado, mas vários bairros estão totalmente devastados, como em Estalinegrado após a invasão nazi. Isso pressupõe técnicas de combate particulares. 


 É essencial estabelecer a unidade nacional de todos os patriotas. O Presidente deve aliar-se à oposição nacional e fazer entrar alguns dos seus líderes para o seu Governo. O problema não é saber se apreciamos ou não o Presidente Maduro: trata-se de lutar sob o seu comando para salvar o país. 


 O exército deve formar uma milícia popular. Já existe uma na Venezuela, com quase 2 milhões de homens, mas ela não está treinada. Por princípio, os militares não gostam de confiar armas a civis, mas só os civis podem defender o seu bairro, do qual eles conhecem todos os habitantes. - Grandes obras devem ser realizadas para proteger os edifícios do Estado, do exército e dos hospitais.

Tudo isso deve ser feito com urgência. Estas medidas demoram a concretizar e o inimigo já está quase pronto.

Thierry Meyssan

Tradução 
Alva

      

[1] "The Making of Juan Guaidó: US Regime-Change Laboratory Created Venezuela's Coup Leader", Max Blumenthal & Dan Cohen, Grayzone Project, January 29, 2019.

[2] Transforming Military Force: The Legacy of Arthur Cebrowski and Network Centric Warfare, James R. Blaker, Greenwood, 2007.

[3] The Pentagon's New Map, Thomas P.M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004.

[4] "Declaration of a National Emergency with Respect to Venezuela", "Executive Order - Blocking Property and Suspending Entry of Certain Persons Contributing to the Situation in Venezuela", by Barack Obama, Voltaire Network, 9 March 2015.

[5] « Opération manquée au Venezuela », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 18 mai 2002.

[6] « L'Albert Einstein Institution : la non-violence version CIA », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 4 juin 2007.

[7] « Impérialistes de droite et impérialistes de gauche », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 25 août 2008.

[8] « Le manuel états-unien pour une révolution colorée en Égypte », Réseau Voltaire, 1er mars 2011.

 

 

Fonte : "Podem a Venezuela e os seus vizinhos sobreviver à guerra que se anuncia?", Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 12 de Fevereiro de 2019, www.voltairenet.org/article205151.html

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
X