Países ricos mantêm guerra permanente na República Democrática do Congo

Na imprensa internacional, a República Democrática do Congo, em raras aparições televisivas, é retratada como um país de bárbaros e de mulheres atordoadas, enquanto a China é rotineiramente retratada como um país do futuro, com uma economia mista e cada vez mais integrada ao “mercado”. Nada sobre as armas que patrocinam o genocídio na África Central. Estados Unidos, Rússia e outros país fazem aliança tática pelo livre comércio de armas, motor do moderno genocídio globalizado.

Por Gustavo Barreto - [email protected]

Em um país da África Central, há pelo menos 10 anos há relatos de mulheres que são forçadas, debaixo da ameaça de armas, a ingerir excrementos, beber urina ou a comer bebês mortos. São testemunhas da mutilação genital dos seus maridos ou violadas durante semanas por grupos de homens. Relatos mostram imagens como “florestas que cheiravam a morte” e cenários em que “não se podia dar nem cinco passos sem tropeçar em um corpo”. Em alguns casos, meninos eram forçados a fazer sexo com suas próprias mães e irmãs.

No entanto, o crime mais terrível é a passividade da comunidade internacional, das instituições governamentais e dos meios de comunicação com este país. Nas palavras de uma ativista que recentemente o visitou: a indiferença total do mundo perante tal extermínio. “E enquanto nós estamos aqui a escrever o nosso relatório, há mulheres que estão a ser violadas, meninas que estão a ser destroçadas para sempre, mulheres que estão a ser testemunhas do assassinato (a golpe de catana) das suas famílias e outras que estão a ser infectadas pelo o vírus da AIDS. Onde está a nossa indignação? Onde está a consciência das pessoas?”

Este é o relato de Eve Ensler ao Conselho de Segurança da ONU (leia ao final), publicado em junho de 2007. Eve afirmou durante reunião na ONU: “As mulheres são o centro de qualquer cultura e sociedade. Embora possam não ter poder ou direitos, como são tratadas, como são, ou não são, valorizadas, indica o que a sociedade sente em relação à própria vida. Estou aqui para vos implorar, àqueles que têm poder, para declarar estado de emergência no Leste do Congo, para dar um nome ao que está a ser feito às mulheres: feminicídio”.

A crise na República Democrática do Congo, país com população estimada em 54 milhões de pessoas localizado no coração da África, é apontada por alguns meios de comunicação no exterior, a partir de abordagens diferenciadas, mas sem qualquer reação suficientemente considerável a fim de levar à Justiça a notáveis criminosos. Algo próximo de 5 milhões de pessoas morreram desde o início oficial dos conflitos, em 1998, não só por causa da violência, mas também por doenças negligenciadas no país, como a malária e o sarampo. Também oficialmente, a guerra “acabou” em 2004.

A ativista Eve Ensler, autora da peça “Monólogos da Vagina” – traduzida para mais de 45 línguas e está em exibição em teatros em todo o mundo, incluindo no Off-Broadway’s Westside Theater e no West End de Londres – tem dedicado a sua vida à luta contra violência e fundou o V-Day , um movimento global que apóia organizações anti-violência em todo o mundo, ajudando-as a continuar e expandir o seu trabalho principal em campo e, ao mesmo tempo, chamando à atenção do público para a luta contra a violência mundial contra as mulheres – incluindo violação, espancamento, incesto, mutilação genital feminina e escravidão sexual.

“Passei duas semanas em Bukavu e Goma entrevistando as sobreviventes. Algumas eram de Bunia. Efetuei pelo menos oito horas de entrevistas por dia. Almocei e fui a sessões de terapia com estas mulheres. Chorei com elas. O nível de atrocidades supera a imaginação. Não tinha visto em nenhuma parte este tipo de violência, de tortura sexual, de crueldade e de barbárie. No leste do Congo existe um clima de violência. Nesta zona as violações tornaram-se, tal como me disse uma sobrevivente, um esporte nacional”, relatou Eve na ocasião (relato completo ao final do texto).

A ativista Christine Schuler-Deschryver completou, em entrevista ao site Democracy Now! em outubro de 2007, que 60% da violência sexual que vem ocorrendo no leste do Congo é cometida pelos mesmos grupos que cometeram o genocídio em Ruanda, em 1994 – “Hutus que cometeram o genocídio em seu país”.

Contexto internacional


Um articulista da respeitada revista alternativa Z Magazine, Keith Harmon Snow, levantou suspeitas sobre Schuler-Deschryver, explicitando sua ligação com a elite branca do país e alertando que há atualmente uma estratégia internacional para, assim como em Ruanda, culpar os grupos locais por todo o caos no país – o que permite esquecer países e empresas que financiam os armamentos e se beneficiam do caos, como detalha em seu artigo sobre o tema .

A crise no país, a partir de qualquer ponto de vista, é urgente, como destacamos no início de 2006 neste Fazendo Media (veja o link no final do texto) e como vem destacando persistentemente a organização internacional de direitos humanos Anistia Internacional (AI). Em junho de 2006, a AI acusou a China de ser “o exportador de armas mais irresponsável do mundo”. No relatório "China: apoio a conflitos e abusos de direitos humanos" ( China:Sustaining conflict and human rights abuses , a organização afirmara que as armas chinesas servem de combustível para conflitos em países onde ocorrem freqüentes violações dos direitos humanos, como é o caso de Congo. A Anistia exigiu que a China seja mais transparente e que abra as informações sobre suas exportações de armas.

Autoridades chinesas repudiaram o documento alegando que o país assume uma atitude de prudência com relação às exportações de armas. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Jiang Yu, afirmou que a política de exportação de armamentos respeita três princípios: aumento da capacidade de defesa das nações importadoras, que as armas exportadas não afetem a paz, a segurança e a estabilidade regional e global e do país importador e que não sejam usadas para interferir nos assuntos internos do país.

Helen Huges, autora do relatório da AI, rebateu afirmando que, apesar de a China descrever suas exportações de armas como "cuidadosas e responsáveis", a realidade é bem diferente. Em nome da Anistia, Huges pediu que o país se comprometesse a suspender as exportações de armas para países onde elas podem ser usadas como instrumento de abuso dos direitos humanos. A pesquisadora e especialista em controle de armas afirmou, ainda, que a China é a única do grupo de grandes exportadores de armas que ainda não assinou nenhum acordo multilateral nesse sentido.

De acordo com dados do relatório, caminhões militares, fuzis, granadas e outras armas militares chinesas - entre elas, cópias do fuzil russo AK-47 - foram vendidas pela China para diversos países da região dos Grandes Lagos africanos nos últimos 15 anos, entre eles Congo, Uganda, Ruanda, Sudão e Burundi – todos com graves problemas de desrespeito aos direitos humanos. Ainda segundo a Anistia, o volume de exportações de armas da China ultrapassa a cifra de um bilhão de dólares por ano.

Armas chinesas e russas circulam em locais críticos de guerra


A Anistia Internacional vai mais longe: afirma que os rifles AK-47 chineses são comuns entre soldados, milicianos e integrantes de grupos armados na província de Kivu e no distrito de Ituri, no Congo. A organização vai direto ao ponto: “Nestes locais atrocidades são freqüentemente cometidas com tais armas, pela iniciativa de negócios internacionais envolvendo o controle de recursos naturais valiosos”. O relatório registra, por exemplo, que investigadores mapearam, em novembro de 2005, a origem de 1.100 armas coletadas pela Missão da ONU no país (MONUC), mais especificamente em Bunia, distrito de Ituri. Nada menos que 70% são rifles AK-47 chineses, entregues diretamente pela China na República Democrática do Congo, Uganda, Ruanda e Burundi ou atravessando países que mantém relações com a China, como Albânia e Zimbábue.

Na imprensa internacional, o Congo aparece freqüentemente como um país de bárbaros e de mulheres traumatizadas, enquanto a China é rotineiramente retratada como um país do futuro, com uma economia mista e cada vez mais integrada ao mercado. Nada sobre as armas que patrocinam o genocídio na África Central. E é precisamente sobre isso que fala Snow em seu artigo na Z Magazine.

Além disso, no começo deste ano a própria Anistia levantou outra questão abordada por Snow: Os “diamantes de sangue”, ou diamantes de zonas em conflito, exacerbam os conflitos, as guerras civis e os abusos contra os direitos humanos. Com estes diamantes, segunda a AI, foram financiados na África conflitos que provocaram a morte e o deslocamento de milhões de pessoas nos últimos tempos. Durante estes conflitos, os benefícios do comércio ilegal de diamantes, que chegavam a milhares de milhões de dólares, serviram para que os caudilhos militares e os grupos rebeldes comprassem armas. Calcula-se que em Angola, na República Democrática do Congo, na Libéria e em Serra Leoa morreram 3,7 milhões de pessoas em conflitos mantidos graças aos diamantes.

Embora a guerra já tenha acabado em Angola e Serra Leoa, e os combates tenham diminuído na República Democrática do Congo, o problema dos diamantes de regiões em conflito não desapareceu, alerta a organização.

Apesar de ter começado, em 2003, a aplicação de um sistema internacional de certificação de diamantes, denominado Processo Kimberley, os diamantes de zonas em conflito da Costa do Marfim passam para o comércio legítimo de diamantes através de Gana. “Como mostrou o brutal conflito de Serra Leoa, mesmo uma pequena quantidade de diamantes de regiões em conflito pode causar grandes estragos em um país. Entre 1991 e 2002, morreram violentamente em Serra Leoa mais de 50 mil pessoas, mais de dois milhões viram-se deslocadas dentro do país ou tornaram-se refugiados em outros países, e milhares foram vítimas de mutilações, estupros ou tortura. Atualmente, Serra Leoa ainda está se recuperando das conseqüências do conflito”, lembra nota de imprensa da Anistia.

Filme retratou experiência em Serra Leoa


Segundo a Anistia, o filme “Diamante de Sangre” (“Blood Diamond”) é uma oportuna lembrança aos governos e à indústria dos diamantes de que devem garantir que diamantes de zonas em conflito não cheguem aos consumidores. Ambientado na situação de caos e guerra civil que sofreu Serra Leoa na década de 1990, “Diamante de Sangue” conta a história de Danny Archer (representado pelo ator Leonardo DiCaprio), mercenário sul-africano, e Solomon Vandy (representado pelo ator Djimon Hounsou), pescador de etnia mende. Ambos são africanos, mas suas histórias e circunstâncias não poderiam ser mais distintas – até que seus destinos convergem em uma busca comum para recuperar um raro diamante rosa, que pode mudar suas vidas.

Archer, que está preso por contrabando, fica sabendo que Solomon, a quem separaram de sua família e obrigaram a trabalhar nas minas de diamantes, havia encontrado a extraordinária pedra preciosa e a havia escondido. Com a ajuda de Maddy Bowen (atriz Jennifer Connelly), jornalista norte-americana cujo idealismo torna-se suavizado por uma relação cada vez mais profunda com Archer, os homens empreendem uma longa jornada através do território rebelde. Mais que a busca por um valioso diamante, para Archer, a viagem pode ser uma segunda oportunidade que pensava que nunca teria, enquanto que a Solomon pode ajudá-lo a recuperar o que mais quer: seu filho, a quem os rebeldes seqüestraram e obrigaram a se tornar um menino soldado.

Diamante de sangue é dirigido por Edward Zwick. Com roteiro de Charles Leavitt, criador de “Um mundo a sua medida” (“The Mighty”), a partir de um relato de Leavitt e C. Gaby Mitchell. É produzido por Paula Weinstein, Marshall Herskovitz, Edward Zwick, Graham King y Gillian Gorfil, e os produtores executivos são Len Amato e Benjamin Waisbren, com Kevin De La Noy como co-produtor.

Contradições evidenciadas


As armas de mão, de pequeno porte, também tem contribuído para violações dos direitos humanos em áreas não-conflituosas, destacou o relatório sobre a China. Impressiona a quantidade de países importadores deste tipo de arma: Argentina, Austrália, Bangladesh, Bolívia, Burkina Faso, Canadá, Chile, Costa Rica, República Tcheca, República Dominicana, Finlândia, Alemanha, Guatemala, Hong Kong, Índia, Indonésia, Irã, Itália, Macau, Malásia, Niger, Paquistão, Filipinas, Arábia Saudita, Eslováquia, Sudão, Tailândia e Uganda, entre outros.

No Nepal, assim como no Congo, a China demonstrou como funciona a política da falsa solidariedade com os povos em situação de guerra civil. Em janeiro de 2006, quando o Nepal passou por uma crise envolvendo confrontos internos militares e uma onde de protestos pacíficos, um importante membro do governo chinês afirmou: “Esperamos que todas as forças no Nepal possam estreitar suas diferenças por meio do diálogo e trabalharem unidos para o desenvolvimento e para a prosperidade”.

Em fevereiro, pouco menos de um mês após a declaração, o governo local pagou ao governo chinês 10 milhões de dólares por rifles. No Congo, relata a AI, as armas são usadas em grande parte pelo próprio governo para reprimir protestos populares, como ocorreu durante todo o ano de 2005, com um saldo de centenas de vidas perdidas.

Link original http://www.fazendomedia.com/novas/internacional121107.htm

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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