Conflito na Geórgia dá uma lição sobre a dependência americana da Rússia

Helene Cooper


Washington - A imagem do presidente Bush sorrindo e conversando com o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir V. Putin, nas arquibancadas das Olimpíadas de Pequim mesmo enquanto as aeronaves russas bombardeavam a Geórgia, define a realidade da política norte-americana em relação à Rússia. Enquanto os EUA consideram a Geórgia seu maior aliado no bloco dos antigos países soviéticos, Washington precisa tanto da Rússia em assuntos maiores como o Irã, para arriscar tudo isso em defesa da Geórgia.


Autoridades do Departamento de Estado deixaram claro no sábado que de nenhuma maneira os Estados Unidos iriam intervir militarmente.


Bush usou uma linguagem dura, pedindo que a Rússia parasse com os bombardeios. E a secretária de Estado Condoleezza Rice demandou que a Rússia "respeitasse a integridade territorial da Geórgia".


O que Putin fez? Primeiro, ele repudiou o presidente Nicolas Sarkozy da França em Pequim, recusando-se a mudar de posição quando Sarkozy tentou dissuadir a Rússia de sua operação militar. "Foi um encontro muito, muito difícil", disse um oficial ocidental depois. "Putin dizia: 'Nós vamos fazer eles pagarem. Vamos fazer justiça'".


Putin, então, voou de Pequim para uma região que faz fronteira com a Ossétia do Sul, chegando depois do anúncio de que a Geórgia estava retirando suas tropas para fora da capital do território separatista. Ele apareceu ostensivamente para coordenar a assistência aos refugiados que fugiram da Ossétia do Sul para a Rússia, mas a mensagem russa era clara: essa é nossa esfera de influência; os outros devem ficar de fora.


"Pela primeira vez desde a queda da União Soviética, o que os russos fizeram foi tomar uma ação militar decisiva e impor uma realidade militar", disse George Friedman, chefe executivo da empresa de inteligência e análise geopolítica Stratfor. "Eles fizeram isso de forma unilateral, e todos os outros países que contam com o Ocidente para intimidar russos agora foram forçados a considerar o que acabou de acontecer".


Oficiais do governo Bush reconhecem que o mundo, e os Estados Unidos em particular, têm pouca influência sobre as ações russas.


"Não há possibilidade de colocar a Otan ou a comunidade internacional dentro disso", disse um oficial sênior do Departamento de Estado durante uma teleconferência com repórteres. "Não há nenhuma chance. Não existe um perigo de conflito regional em nossa mente".


O conflito emergente na Geórgia desencadeou uma onda de diplomacia. Rice e outros oficiais do Departamento de Estado e do Pentágono falaram ao telefone com o ministro de relações exteriores russo, Sergey V. Lavrov, e com outras autoridades russas, assim como com oficiais da Geórgia, incentivando os dois lados a retomarem as conversações de paz.


A União Européia - e a Alemanha em particular, com seus fortes laços com a Rússia - pediu para que ambos os lados recuem e agendem reuniões para divulgar suas preocupações. Nas Nações Unidas, membros do Conselho de Segurança encontraram-se informalmente para discutir uma possível resposta, mas um diplomata do Conselho disse que há dúvidas de que eles possam fazer alguma coisa, uma vez que a Rússia e a China têm poder de veto no Conselho.


"Estrategicamente, os russos têm enviado sinais de que realmente querem exercitar sua força, e que estão chateados por causa de Kosovo", disse o diplomata. Ele se referia ao revanchismo russo contra o Ocidente por ter reconhecido a independência de Kosovo em relação à Sérvia no começo desse ano.


De fato, a decisão dos Estados Unidos e da Europa em reconhecer Kosovo pode ter aberto o caminho para a decisão relâmpago da Rússia de enviar tropas para apoiar os separatistas da Ossétia do Sul. Durante uma reunião sobre Kosovo em Bruxelas esse ano, Lavrov, o ministro do exterior, alertou Rice e os diplomatas europeus que se eles reconhecessem Kosovo, estariam abrindo um precedente para que a Ossétia do Sul e outras províncias separatistas. Com a mesma facilidade que o Ocidente poderia encorajar o antigo território russo em direção à independência e para fora da esfera de influência da Rússia, os russos advertiram que eles também poderiam encorajar as regiões separatistas pró-russas como a Ossétia do Sul a fazerem o mesmo.


Para o governo Bush, a escolha agora é saber se vale à pena apoiar a Geórgia - que, mais do que qualquer outra antiga república soviética, aliou-se aos Estados Unidos - na questão da Ossétia do Sul, contrariando a Rússia numa época em conseguir o apoio russo para conter as ambições nucleares do Irã está no topo da agenda da política estrangeira dos EUA.


Um diplomata das Nações Unidas disse em tom de brincadeira no sábado que "se alguém chegasse para os russos e dissesse: 'OK, Kosovo pelo Irã', teríamos um acordo."


Isso pode ser uma hipérbole, mas há um sentimento crescente entre alguns oficiais do governo Bush de que talvez os Estados Unidos não possam ter tudo, e tenham de eleger prioridades, particularmente no que diz respeito à Rússia.


O forte apoio do governo Bush à Geórgia - incluindo o treinamento dos militares do país e o apoio de armas - veio, emparte, como uma recompensa por sua ajuda aos EUA no Iraque. Os Estados Unidos sustentaram a Geórgia como um sinal de democracia na antiga União Soviética, ela deveria ser um exemplo para outras ex-repúblicas soviéticas em relação aos benefícios de apoiar o Ocidente.


Mas isso, junto com as ações dos EUA e da Europa em Kosovo, deixaram a Rússia se sentindo ameaçada, encurralada e cada vez mais convencida de que deveria tomar medidas agressivas para restaurar seu poder, dignidade e influência numa região que ela considera como um quintal estratégico, dizem os especialistas em política internacional.


A agressividade emergente da Rússia está sincronizada com a preocupação dos Estados Unidos em relação ao Iraque e ao Afeganistão, e com o confronto iminente com o Irã. Com essas considerações na balança, significa que Moscou está sentada no assento do motorista, reconhecem oficiais do governo.


"Nos colocamos numa posição de acordo com a qual não temos o para fazer nada globalmente", disse Friedman da Stratfor. "Poderíamos pensar que sob essas circunstâncias, deveríamos ficar quietos."


Um oficial sênior do governo riu quando ouviu a citação. "Bem, talvez estejamos aprendendo a ficar quietos agora", disse. Ele pediu para que seu nome não fosse divulgado porque não está autorizado a falar publicamente sobre o assunto.


Tradução: Eloise De Vylder

The New York Times

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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