Relatório do ISG: Grande coisa!

Então, o Iraq Study Group (Grupo de Estudo sobre o Iraque) conclui que Bush precisa de mudar profundamente a sua estratégia no Iraque e Bush, como um rapaz maroto apanhado a roubar maçãs, se senta obedientemente e afirma que vai estudar com seriedade todas as propostas.

Em bom português, Bush errou.

Errou porque atacou um estado soberano ilegalmente, errou porque quebrou a lei internacional, errou porque insultou a integridade da ONU, errou porque não levou o caso para o Conselho de Segurança, um dever fundamental baseado na Carta da ONU.

Errou porque os seus chefes militares, dos quais ele é Comandante, escolheram alvos civis para rebentar com equipamento militar, errou porque a campanha Choque e Pavor não tinha qualquer cuidado em salvaguardar a vida humana dos civis, errou porque foram lançadas munições em áreas civis que permaneciam activas depois do conflito.

Errou por causa das tácticas maquiavélicas medievais, nas câmaras de tortura, nos actos de depravação sexual, no estupro das mulheres, espancamentos, mutilações, tortura psicológica, sempre sem qualquer processo judicial.

Errou porque retirando o ponto de equilíbrio e sem compreender o complexo tecido social, étnico e religioso duma região alheia ao seu conhecimento, destabilizou por completo a sociedade não só no Iraque, mas provavelmente em toda a região. O resultado que prova o tamanho de mais um Grande Desastre Americano na política externa é que quase todos os grupos, mesmo os que foram opositores do ex-Presidente Saddam Hussein, concordam que o povo iraquiano estava bem melhor sob o seu regime Ba’atista do que com aquilo que tem agora.

E o que tem? Ninguém se sente livre para ir ao mercado sem temer pela vida, os direitos das mulheres foram enviados para trás três séculos em três anos – agora nem podem sair sem o véu senão podem ser estupradas e/ou decapitadas na luz do dia, um Governo fantoche de islamistas políticos composto por elementos nas margens da sociedade iraquiana, quase todos exilados, foi imposto sobre o povo e governa expressa e exclusivamente na Zona Verde em Bagdade, os americanos ficam nos seus quartéis, ou então percorrem as estradas em enormes comboios militares, temendo pela sua vida também, sem controlar nada nem ninguém e quem tem o poder nas mãos são bandos de criminosos que existem em todas as esquinas da rua, munidos com armas automáticas.

E finalmente, quem abriu a torneira que viu elementos terroristas e extremistas dos quatro cantos do mundo islâmico jorrar perlas fronteiras dentro não foi o Saddam Hussein mas sim George Bush.

Por isso não é novidade que o Grupo de Estudo sobre o Iraque tenha sugerido de forma nítida que seja profundamente alterada a estratégia quer internamente no Iraque, quer no mundo exterior. No entanto, isso nunca deve servir de pretexto para aniquilar três anos e meio de actos criminosos no Iraque, actos de chacina, de assassínio em grande escala e esquecer o que foi feito.

Qualquer teoria que o Iraque está melhor agora porque um tirano foi removido é disparate, pois Washington nunca teve qualquer problema em apoiar tiranos e tirania quando lhe convinha, e de qualquer forma, quem criou Saddam Hussein? E quem criou bin Laden? Dizer que o Iraque está melhor agora é um insulto ao seu povo e é aderir à teoria que a lei imposta pela multidão, a lei do linchamento, está certa. Nunca pode ser.

Quando se falou da Nova Ordem Mundial no fim do milénio passado e quando se traçou os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a opinião pública mundial estava a pensar num novo mundo onde poderíamos todos viver como irmãos à volta do nosso lago comum, o Mar. Sem olhar pela cor da pele, pela religião, etnia, raça ou estilo de vida.

Por isso não faz qualquer sentido gozar com o importuno dos norte-americanos, pois a perda de qualquer vida humana é uma tragédia e lágrimas sabem a sal, sejam derramadas por iraquianos, afegãs ou americanos. A questão que se coloca agora é o que fazer a seguir?

Primeiro, os responsáveis por esse acto criminoso devem ser levados à justiça num devido processo judicial, pois não é aceitável que hoje em dia se perpetre um acto criminoso desta escala, com a inerente perda de vida, e que se fique impune. Se Saddam Hussein terá de ser enforcado ou fuzilado por causa de assinar 148 sentenças de morte, então o Bush, que assinou 152 quando Governador de Texas e agora com essas dezenas de milhares de mortes no Iraque?

Segundo, há que realçar que ser anti-Saddam não implica ser pró-invasão e ser anti-americano não implica ser a favor da Resistência. Este grupo também assassina mulheres e crianças, ataca civis e massacra inocentes. Por isso o povo iraquiano está apanhado entre a espada e a parede.

Remover os americanos quanto mais cedo possível retiraria qualquer razão de ser da Resistência, e o resoluto povo iraquiano, com o devido apoio e não ingestão e interferência, faria o resto. O argumento que se os americanos saíssem agora haveria caos, contraria o facto que mesmo agora eles nada fazem no Iraque, porque quando saem dos quartéis, levam tiros. A táctica agora é simplesmente diminuir as baixas.

Terceiro, há que envolver todos os jogadores, e isso inclui as minorias sunita e cristã, inclui a maioria xiita, inclui os curdos, os sírios, os iranianos – aqueles que Bush tinha rotulado de “terroristas” mas inclui também salvaguardar que Teerão não ganhe demasiado influência no seu flanco esquerdo.

Quarto e fundamentalmente, por quê razão é que Israel pode ficar com 100 ogivas nucleares no Deserto de Negev e Irão nem pode seguir um programa de energia atómica? Por quê é que Israel pode entrar no Líbano e destruir um estado, massacrar civis, atacar procissões fúnebres com aviação fornecida pelos EUA? Por quê é que Israel continua a ocupar territórios que não lhe pertence? Espólios de guerra? Então por essa via, Iraque tinha razão para ficar com o Kuwait.

Enquanto não houver uma abordagem muito séria da questão do Médio Oriente, com um retorno às fronteiras delimitadas em 1947 e um faseado processo de descolonização, pagando ao Estado Palestiniano pela ocupação das terras enquanto forem ocupadas, não pode haver paz e estabilidade no Médio Oriente.

Finalmente, enquanto a Resolução das Crises não ficar confinada ao Conselho de Segurança da ONU, como estipulado na Carta e enquanto Washington não pare de tratar o resto do mundo com dois pesos e duas medidas de forma agressiva, arrogante, prepotente e intrusiva, nunca vai haver uma Nova Ordem Mundial.

Nunca se pode vencer um grupo de insurgentes com um exército regular, nunca se pode vencer o Terrorismo com o clamor das armas. Retirar a causa que dá alento ao Terrorismo tira-lhe a razão de existir e daí, o processo para a politização do processo, com um devido processo de diálogo e negociação pode surgir. Mas nunca de forma imposta por cima, impondo ideias e culturas em zonas onde não pertencem.

Será que Washington tem essa capacidade?

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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