TVs mentem sobre “reformas” em Cuba

ALTAMIRO BORGES

Nas últimas semanas, as emissoras privadas de televisão têm feito enorme escarcéu com as ditas “reformas” em Cuba. Com sarcasmos e ironias, âncoras dos principais telejornais, como William Bonner (TV Globo) e Carlos Nascimento (SBT), apresentam a ilha rebelde como se ela fosse a expressão do atraso mundial. Com seus altos soldos e sua esnobe opulência, eles alardeiam o fato dos cubanos agora poderem usufruir de objetos de consumo “capitalistas”, como celulares, TVs de plasma, DVDs e hotéis de luxo. Tudo é divulgado para desqualificar e satanizar Cuba, numa propaganda grotesca que lembra os piores períodos da “guerra fria” e da cruzada anticomunista.

Reproduzindo servilmente as idéias da mídia estadunidense e dos gusanos (vermes) cubanos de Miami, os telejornais nativos encaram tais mudanças como símbolo do fim da “era Fidel Castro”. Nesta visão superficial e rastaqüera, seu irmão, Raúl Castro, hoje na presidência, teria se dobrado aos encantos do consumismo. A restauração capitalista seria inexorável nesta ilha revolucionária. Num passado recente, quando da desintegração do bloco soviético, a mídia hegemônica também apostou na débâcle do regime cubano. Mas, sem entender as conquistas sociais da revolução, o forte sentimento antiimperialista deste povo e seu elevado grau de organização, ela se deu mal.

Crescimento e debate de idéias

Agora, com base em dados manipulados, a mídia venal corre o risco de errar feio novamente. O fato é que Cuba, após décadas do criminoso bloqueio dos EUA, vive hoje uma fase de expansão econômica. Devido às mudanças na América Latina e na geopolítica mundial, ela intensificou as relações comerciais. Venezuela, China e até o Brasil, desafiando o “império do mal”, investem mais na ilha, o que explica as taxas anuais de crescimento de quase 10% nos últimos anos. Este crescimento permite ao país superar o duro “período especial”, imposto após a desintegração do Leste Europeu, que restringiu o consumo e exigiu heróica capacidade de resistência dos cubanos.

Fruto da nova realidade econômica, desde quando Fidel Castro ainda estava no comando do país ocorrem mudanças no padrão de consumo. Não há rupturas entre ele e o seu irmão, muito menos viradas bruscas no comando coletivo da revolução cubana. As mudanças na economia, inclusive, têm sido alvo de intenso debate na sociedade. Com o objetivo de “avançar no socialismo”, mais de 1,3 milhão de propostas foram apresentadas aos órgãos de governo no ano passado. O clima na ilha é de criativo e democrático debate, não no sentido da restauração do capitalismo, mas sim do fortalecimento do poder popular e da melhoria do bem-estar da sua população.

Ódio das “multinacionais da informação”

Afora estas mudanças de fundo, que a mídia hegemônica oculta, há muitas mentiras repetidas por âncoras venais da TV. O jornalista Salim Lamrani, num lúcido texto na Carta Maior, desmascara várias delas. Confirmando que a campanha anti-Cuba é mundial, ele critica as “multinacionais da informação” que divulgam que agora “os cubanos já são livres para adquirir aparelhos elétricos e eletrodomésticos, dando a entender que antes esta venda era completamente proibida. Contudo, a realidade é sensivelmente diferente. A venda destes artigos jamais esteve proibida, fora alguns produtos de informática e outros de grande consumo de energia, tais como microondas, numa época em que a produção energética era insuficiente para cobrir as necessidades da população”.

Ele lembra que durante o “período especial”, iniciado em 1991 com a débâcle do bloco soviético, o país ficou sozinho no mercado mundial, tendo de enfrentar o desaparecimento de mais de 80% do seu comércio externo. “Neste contexto, extremamente difícil, a ilha do Caribe foi golpeada por fortes penúrias, particularmente quanto à energia, o que provocava os longos apagões. Nessa época, as autoridades limitaram a venda de aparelhos elétricos devoradores de energia. Essas restrições estavam totalmente justificadas. De fato, teria sido irresponsável proceder de outro modo, uma vez que o sistema energético, fortemente subvencionado, poderia entrar em colapso”.

A engenhosidade dos cubanos

Na fase recente, devido à abertura de novas relações comerciais e à engenhosidade do seu povo, este cenário foi superado. “Graças à ‘revolução energética’, lançada em 2006, que consistiu em substituir lâmpadas e antigos eletrodomésticos, como televisores, refrigeradores e ventiladores, por aparelhos mais modernos, cujo consumo de energia é menor, milhões de cubanos foram beneficiados por toda uma gama de produtos novos com preços subvencionados pelo Estado, abaixo do valor de mercado. Atualmente, a economia de energia já conseguida permite enfrentar a demanda da população, o que explica a eliminação progressiva das restrições à aquisição de novos aparelhos eletrodomésticos, computadores e outros”.

Para o jornalista francês, a mídia mente ao não enfatizar estas razões de fundo, que entravam o bem-estar dos cubanos. De fato, como reconhecem os líderes cubanos, o país ainda esbarra em inúmeros obstáculos, é subdesenvolvido. “Mas essa realidade concerne a uma parte imensa da população mundial, que vive na pobreza e cujas principais preocupações não são adquirir um reprodutor de DVD ou microondas, mas, sim, comer três vezes por dia e ter acesso à saúde e à educação, angústias inexistentes em Cuba”. Segundo a própria ONU, 854 milhões de pessoas no mundo sofrem de desnutrição; a cada dia, 26 mil menores de cinco anos morrem de fome ou de doenças curáveis – 9,7 milhões de crianças ao ano. “Nenhum cubano faz parte destas listas”.

Internet, celulares e hotéis de luxo

No que se refere ao acesso à internet e aos telefones celulares, que a mídia também faz um baita estardalhaço, Lamrani denuncia que, além dos problemas econômicos, há entraves tecnológicos. “Washington impede Cuba de se conectar ao cabo de fibra ótica do Estreito da Flórida, que lhe pertence. O país dispõe de uma conexão por satélite limitada, que é extremamente cara. Essa é a razão pela qual o acesso ao telefone celular era restrito. Com a melhoria da situação econômica, a oferta foi ampliada à população, ainda que as tarifas continuem sendo muito elevadas”.

“Quanto aos hotéis, a mídia também demonstrou parcialidade. Até 1º de abril de 2008, o acesso não estava proibido, como afirmou a imprensa oficial, mas limitado... Com o desenvolvimento vertiginoso do turismo, a partir dos anos 90, a capacidade hoteleira mostrou ser insuficiente para acolher ao mesmo tempo os estrangeiros e os cubanos”. Os preços se tornaram proibitivos, “mas a imprensa esquece, mais uma vez, de mencionar que o acesso a um quarto de hotel de renome é um luxo para todos os habitantes do terceiro mundo e para uma ampla categoria de cidadãos que vivem em países desenvolvidos. Apenas como comparação, quantos franceses podem pagar uma diária de 730 euros (o mais barato – quase R$ 1.800) no Ritz (cinco estrelas) de Paris?”.

Os mercenários da mídia burguesa

No mesmo rumo das críticas às manipulações da ditadura midiática, Lázaro Barredo, diretor do Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba, ridiculariza os jornalistas e “mercenários” da imprensa burguesa. Para ele, não há nenhuma reviravolta drástica na ilha. Apenas, o governo promove “retificações das decisões adotadas nos momentos mais agudos da crise econômica em princípios dos anos 90, quando começou o que chamamos de ‘período especial’, como efeito da queda do campo socialista, da desaparição da União Soviética e do agravamento das medidas do criminoso bloqueio dos EUA. Naquele momento, para evitar as desigualdades sociais na nossa sociedade marcadamente igualitarista, adotaram-se medidas de restrição ao consumo”.

Com o crescimento sustentado da economia e as mudanças na realidade mundial, Lázaro acredita que novos avanços ocorrerão na ilha. Animado, informa que o povo participa hoje de um intenso debate sobre os rumos do país. “Mais de quatro milhões de compatriotas apresentaram propostas a partir de suas fábricas, cooperativas e universidade, passando por municípios e províncias, até chegar aos ministérios e ao governo. Todas as opiniões, inclusive as mais críticas, visam apenas fortalecer a revolução. Há uma expectativa muito favorável em Cuba. Raúl Castro definiu bem este momento diante dos deputados da Assembléia Nacional, ao dizer que não se pode temer as discrepâncias e que não há contradições antagônicas na sociedade. Do intercambio profundo de opiniões divergentes sairão as melhores soluções. Há muito otimismo com as medidas adotadas”.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro recém-lançado “Sindicalismo, resistência e alternativas” (Editora Anita Garibaldi).

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