Entrevista com ex-agente da CIA: Os Estados Unidos da Tortura

Ex-agente da CIA, John Kiriakou passou dois anos na prisão por ter denunciado o programa de tortura da Agência de Inteligência norte-americana contra prisioneiros supostamente suspeitos de ligação com terrorismo, diante de agentes secretos "obcecados com a ideia de que a Al-Qaeda e Osama bin Laden lançariam outro ataque contra os Estados Unidos", ele diz nesta entrevista.

Desde então, Kiriakou perdeu quase tudo: pensão federal, casa, amigos, alguns membros da família - mas jamais, a dignidade e coragem.

"Fiquei em silêncio de 2002 até 2007. Decidi, finalmente, denunciar em dezembro de 2007 depois que o presidente George W. Bush mentiu duas vezes ao povo norte-americano. Ele disse, na primeira vez, que os Estados Unidos não torturavam ninguém", conta Kiriakou.

Co-autor com Michael Ruby do livro The Reluctant Spy: My Secret Life in the CIA's War on Terror, publicado em 2009, John Kiriakou foi homenageado com o Prêmio Patriot em janeiro 2016 por The Bill of Rights Defense Committee and Defending Dissent Foundation.

O Comitê reconheceu Kiriakou por suas três declarações que mudariam tanto o discurso nacional estadunidense como sua vida, para sempre: a CIA torturou prisioneiros, a tortura era a política oficial dos Estados Unidos e o presidente George W. Bush aprovou a utilização da tortura.

A Comissão também declarou:

Graças à decisão corajosa de Kiriakou, dizendo a verdade sobre o uso da da tortura pelos EUA, bem como seu trabalho sobre a Inteligência e a reforma do sistema prisional, ele ajudou a construir exatamente os movimentos necessários para fazer com que as agências de Inteligência e da lei respeitem as liberdades civis. Por isso, ele recebe o Prêmio Patriot.

Em 2015, o PEN Center USA concedeu a Kiriakou o prestigioso Prêmio First Amendment. Empenhados em estimular e manter o interesse nas palavras escritas, em promover a cultura literária vital e em defender a liberdade de expressão nacional e internacionalmente, os membros do PEN Center USA disseram a John Kiriakou que "são admiradores da sua coragem diante da adversidade indescritível".

"O custo tem sido alto, mas eu faria tudo de novo", afirma John Kiriakou nas linhas a seguir, apontando também o que mudou durante o regime de Barack Obama em termos de aplicação das técnicas de tortura: absolutamente nada.

Querido e admirado John Kiriakou, eu gostaria de lhe agradecer muito por esta entrevista. É uma grande honra para mim. Quando PEN Center USA concedeu-lhe o Prêmio First Amendment em novembro de 2015, foi-lhe dito que "são admiradores da sua coragem diante da adversidade indizível". E que "a diretoria e os funcionários da PEN têm acompanhado sua história tão interessados quanto chocados". A ênfase no testemunho durante seu tempo na CIA e os prejuízos que sofre como resultado de suas revelações, são inomináveis. Você se junta a um grupo de denunciantes patrióticos que têm a nossa mais profunda admiração e respeito". Você poderia, por favor, John, comentar a adversidade e as perdas indizíveis que tem sofrido?

Há um preço muito alto por se denunciar o desperdício, a fraude, o abuso e a ilegalidade nos Estados Unidos, especialmente quando você denuncia contra uma agência de Inteligência. Para mim, o preço tem sido especialmente elevado.

Passei dois anos na prisão, separado da minha esposa e dos cinco filhos. Meu patrimônio, legal, era superior a um milhão de dólares. Perdi a pensão federal. Perdi minha casa. Meus amigos, ex-colegas, e até mesmo alguns membros da família pararam de falar comigo.

Ainda devo a meus advogados 880 mil dólares. Nunca mais poderei trabalhar no governo. A meta do governo não é necessariamente proteger a informação que os denunciantes estão revelando. O objetivo é arruinar o denunciante pessoal, profissional, social e financeiramente.

O custo tem sido alto, mas eu faria tudo de novo.

Por que amigos e alguns membros da família pararam de falar com você? Eles têm sido ameaçados? E você, tem recebido alguma ameaça, John?

Não, nem meus amigos nem eu fomos ameaçados. Mas eu era amigo de um monte de gente na CIA e no FBI.

Muitas pessoas nessas organizações me odeiam porque eu denunciei a tortura, e assim eles cortaram relações comigo. Sou muito controverso, e eles não querem dar a impressão que apoiam o que fiz.

Sobre as torturas da CIA, por que e como exatamente eram executadas durante o seu tempo na Agência, e qual o papel que você desempenhou naquilo?

Tenho orgulho de dizer que nunca participei de nenhum programa de tortura da CIA, de nenhuma forma. Nunca tomei nenhuma ação que resultou na morte de nenhuma pessoa.

A razão pela qual a CIA começou a torturar prisioneiros é que a liderança da CIA estava obcecado com a ideia de que a Al-Qaeda e Osama bin Laden executassem outro ataque contra os Estados Unidos.

Bin Laden disse que o ataque seria perpetrado, e a liderança da CIA estava pronta para fazer qualquer coisa a fim de detê-la. Como resultado, a CIA deu início a um programa de tortura para tentar recolher essa informação. Eles também criaram um sistema de prisões secretas. E a maioria dos prisioneiros, finalmente, foi enviada a Guantánamo.

Tenho orgulho de ter dirigido as operações de contraterrorismo da CIA no Paquistão depois dos ataques do 11 de Setembro. Naquela posição, conduzi operações de captura de dezenas de combatentes da Al-Qaeda que escaparam ao Paquistão, do Afeganistão.

Como, John, você conseguiu abster-se de torturar prisioneiros?

Um alto oficial da CIA me perguntou se eu queria ser treinado segundo as técnicas de tortura. Eu disse não. Disse que era contra a tortura, e que eu não queria ter nenhuma parte naquilo.

Quando você decidiu denunciar?

Fiquei em silêncio de 2002 até 2007. Decidi finalmente denunciar em dezembro de 2007, depois que o presidente George W. Bush mentiu duas vezes ao povo norte-americano. Ele disse, na primeira vez, que os Estados Unidos não torturam ninguém.

Alguns dias mais depois, disse à imprensa que, se houve tortura, foi resultado isolado de algum agente da CIA desonesto. Aquilo também era mentira. Eu sabia que a CIA estava torturando seus prisioneiros, que a tortura era a política oficial da CIA, e que o presidente havia aprovado pessoalmente a tortura.

De que maneira o presidente Barack Obama se diferencia do ex-presidente George W. Bush sobre técnicas de tortura, se é que realmente existe alguma diferença entre ambos?

Honestamente, não acho que haja nenhuma diferença real entre George W. Bush e Barack Obama.

Nossos métodos de inteligência estão exatamente da mesma maneira.

Fale de seu tempo na prisão e como é sua vida hoje, por favor.

A prisão era muito dura, e principalmente porque os agentes penitenciários são ignorantes, preguiçosos e crueis. Nunca tive problemas com nenhum prisioneiro. Mas eu tinha um monte de problemas com os agentes, os quais não gostavam do fato de eu ser de muito alto perfil, e que eu continuasse a escrever a meu blog da prisão. Eles se irritavam muito.

Posto isso, fiz alguns amigos de verdade na prisão, quase todos entre os "italianos" [mafiosos], dos quais cinco eram de "famílias" [máfias] de Nova Iorque. Sentava-me com os italianos, comia com eles, socializava-me com eles. Todo mundo sabia que eu estava com os italianos, e assim ninguém nunca incomodou nem me desafiou.

Cheguei da prisão em casa no dia 3 de fevereiro de 2015. A adaptação foi difícil, especialmente porque eu tinha que encontrar trabalho que permitisse sustentar a família.

Isso foi mais difícil do que eu esperava, e então tive que traçar uma nova vida escrevendo, falando, e ensinando. Mas as coisas estão bem agora. Recentemente comecei em um novo emprego e, pela primeira vez em muitos anos, sinto que tenho um futuro brilhante.

A comunidade de Inteligência dos Estados Unidos prioriza proteger as pessoas ou o regime de Washington? O que deve melhorar e / ou ser mudado?

Todo mundo que já trabalhou com a CIA acreditava, piamente, que estavam protegendo o povo norte-americano. Não se esqueça o quanto os ataques do 11 de Setembro traumatizaram o país.

Bin Laden prometeu um ataque maior, e nós pensamos que isso ocorreria. Nunca houve nenhuma discussão, jamais, de proteger o "governo" contra as "pessoas".

Como você vê, John, as falhas da CIA em prevenir os ataques do 11 de Setembro?

O 11 de Setembro foi, é claro, a pior falha de inteligência da história dos Estados Unidos. A CIA nunca será capaz de mudar isso.

Mas, ao mesmo tempo, tem de trabalhar para proteger o povo norte-americano respeitando os direitos humanos, os direitos civis e as liberdades civis. Ela não está fazendo isso. Segurança e liberdade não são mutuamente exclusivas. Podemos ter ambas.

Mas sem supervisão real por parte do Congresso, a CIA vai continuar fazendo o que bem entende em todo o mundo.

O que você acha da versão oficial dos ataques do 11 de Setembro? E, John, você acha que há alguma possibilidade de que os ataques daquele dia possam ter sido perpetrados por norte-americanos, especificamente pelo regime de Bush, execução interna como se costuma dizer?

Acredito na versão oficial do 11 de Setembro porque eu vivi aquilo. Eu vi as provas. Os Estados Unidos foram atacados por Osama bin Laden e pela Al-Qaeda. Ponto final.

Não há nenhuma possibilidade de que tenha sido uma execução interna. Esta é a teoria da conspiração baseada em desinformação.

Como você vê a morte de Osama bin Laden, dado que o governo dos EUA jamais trouxe a público seu corpo? E como você vê essa morte do ponto de vista jurídico já que os militares norte-americanos da Navy SEALs invadiram o Paquistão sem nenhum autorização prévia do governo local, e mais ainda: Bin Laden nunca foi levada a um tribunal, quem jamais reivindicou participação nos ataques do 11 de Setembro, pelo contrário, negou reiteradas vezes, desde 11/9/2001, qualquer participação?

Discordo de você nesta questão. Osama bin Laden assumir, sim, responsabilidade pelo 11 de Setembro em uma entrevista à Al-Jazeera. Ele planejou aquilo por anos, juntamente com Khalid Sheikh Muhammad. Ele se regozijou pelo número de mortos. Ele prometeu um ataque maior.

Não tenho nenhuma razão para não acreditar na versão oficial da morte de Bin Laden. Francamente, ele merecia morrer. Não me importo se pudemos ver o corpo ou não.

E não perdi o sono por causa das atividades dos Navy SEALs dentro do Paquistão. Ou os paquistaneses estavam escondendo Bin Laden, ou eram estúpidos demais para não saber que ele estava lá. Tivemos um grande trabalho para encontrar Bin Laden. Os paquistaneses não estavam ajudando-nos a executar aquele trabalho. Então, o fizemos nós mesmos. Os paquistaneses não tinham escolha, a não ser aceitar aquilo.

Entrevista traduzida por Edu Montesanti

Versão portuguesa

Pravda.Ru

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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