Madeira: "Quem não pecou, que atire a primeira pedra..."

Ponta Delgada, 25 de Setembro de 2011

"Quem não pecou, que atire a primeira pedra..."

Madeira: A expressão em título, que pedimos de empréstimo a Jesus Cristo, nosso Mestre, cai que nem uma luva a propósito do "buraco" orçamental da Madeira, cujos contornos políticos têm desdobramentos que vão muito além da Ilha, "Pérola do Atlântico".

Não morremos de amores pelo Dr. Alberto João Jardim, todavia reconhecemos-lhe algum mérito pelo que até agora fez pela Madeira, uma das regiões do país mais atrasada onde vigorava o regime de co lonia, uma espécie de resquício feudal adaptado à Ilha desde o seu povoamento.  Tivéssemos homens da sua envergadura à frente dos destinos de Portugal e talvez não estivéssemos de joelhos como estamos, vergonhosamente, perante os Agiotas Internacionais. Claro que a sua acção governativa não é isenta de erros, mas quem não os comete. Claro que na Madeira há corrupção, mas onde é que esta não existe, nomeadamente a que resulta do clientelismo partidário, que se tornou uma prática corrente estrutural, sobre a qual, muitos eleitores deveriam fazer um exame de consciência, já que votam mais no seu próprio interesse do que no bem geral do país. Porém, ao que se saiba, o Presidente da Região Autónoma da Madeira, em 36 anos de Governo, sucessivamente aprovado em eleições livres e democráticas, não acumulou riqueza pessoal, o que é notável nos dias que correm. Talvez por isso suscite tanta inveja e até raiva, sobretudo entre os seus pares do Continente. De facto o seu discurso sem papas na língua, chamando os bois pelo nome, o torna o "l'enfant terrible" do nosso Areópago, logo muito inconveniente para certa elite política. 

Os últimos desenvolvimentos sobre o "buraco" financeiro da Madeira têm, quanto a nós, contornos de linchamento político, sobretudo porque, sendo conhecidos os desvios orçamentais naquela Região, pela mais alta hierarquia do Estado, só agora, em vésperas de eleições regionais, "alguém" achou oportuno agendá-los para "malhar" no Dr. Alberto João Jardim. Por outro lado, parece-nos que esta campanha difamatória não visa apenas a pessoa dele... A ver vamos...

O recente pronunciamento do Procurador-Geral da República, Dr. Pinto Monteiro, habitualmente parco em palavras, em que declarou para quem quis ouvir que existe matéria crime para abrir um inquérito contra o Dr. Alberto João Jardim, é um indício claro que algo mais se procura atingir. E é tanto mais suspeito, quando o mesmo PGR tem mantido silêncio, quase tumular, relativamente a outros casos, como por exemplo o de Ex-Primeiro Ministro José Sócrates, que em matéria de falta de transparência das Despesas Públicas foi useiro e vezeiro. Parece-nos haver portanto um laivo revanchista dos "irmãos" da Maçonaria Portuguesa, que não perdoam a forma desabrida como o Dr. Alberto João Jardim denuncia as suas maquinações secretas na divisão de cargos públicos entre os seus membros e no condicionamento da Política Nacional em ordem a garantir a sua influência espúria na Sociedade Portuguesa, à margem do Escrutínio Democrático. Ora isso é como mexer num vespeiro... Ora o Presidente da Região Autónoma da Madeira é o único que o faz publicamente.

Tememos por outro lado, que esta campanha contra o Dr. Alberto João Jardim, integre uma estratégia mais vasta que vise destruir as Autonomias, e logo provocar o início da desintegração do país. Um clima de suspeição relativamente àquelas está instalado. Invariavelmente ouvimos gente ignara, políticos e jornalistas, que deveriam saber que a Madeira e os Açores não são colónias, mas Portugal de corpo inteiro, a debitar atoardas sobre a vida nas Ilhas que são autênticos mimos de estupidez Ultra-Montana. Muitos do Continente, tão iguais como os madeirenses e açorianos, estão convencidos que os habitantes das ilhas, são uns privilegiados a viver às suas custas. Tristeza... Se se continua por esta via, qualquer dia os algarvios também serão objecto da ignorância soez e o serão por causa do Sol e das suas praias... e assim sucessivamente. Triste é o povo que se deixa enredar por querelas mesquinhas, enquanto os seus algozes, responsáveis pela sua divisão e exploração, vão reinando e reinam a rir-se de todos nós...  

O Prof. Carlos Moreno, Juiz jubilado do Tribunal de Contas, no seu livro "Como o Estado gasta o nosso dinheiro", cuja leitura recomendamos, afirma textualmente que "Os responsáveis não cumprem bem a obrigação de os divulgar publicamente (refere-se aos dados das contas públicas) a tempo e horas, e de forma clara, e na sua integralidade. Venha daí perceber a reacção de alguns decisores e gestores financeiros públicos (incluindo políticos), que não gostam de ser incomodados e assobiam para o lado quando são confrontados com a real extensão e as consequências dos números da dívida pública, do défice, dos encargos com PPP (Parcerias Públicas Privadas), entre outros temas." Não podia ser mais claro! Da leitura desta sua obra, fica-se a perceber que a prática de ocultação dos gastos públicos não é de agora. Tem sido corrente. E percebe-se... O quadro jurídico-administrativo presta-se a isso. Junta-se o facto de o PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), acordado com Bruxelas, exigir limites à Dívida Pública e ao Défice, autênticos garrotes à acção de qualquer governo, independentemente de qualquer avaliação de ordem política. Para contornar esses limites, os executivos têm-se servido de Parcerias Públicas Privadas (PPP) e de outros expedientes administrativos para mostrar trabalho...

As PPP, é uma espécie de faça agora e pague depois... sendo que serão as gerações futuras que irão pagar o pato... O Estado em associação com o Capital Privado faz obra sem efectuar qualquer investimento directo e imediato, enquanto aquele explora em regime de concessão o objecto contratado (estrada, ponte, hospital, etc) por décadas. Ficam apenas para contabilizar, de imediato, os encargos que derivam da exploração concessionada. Estes, que já ascendem a milhões de euros por ano, nem sempre são orçamentados no ano correspondente à sua saída do Erário Público. Com o PIB a baixar, muito por causa da Crise Financeira Mundial, o Governo vê-se na contingência de não só adiar o pagamento desses encargos, como a endividar-se. E há medida que o tempo passa, com a curva do Crescimento Económico a declinar, mais aumenta a Dívida Pública e o Défice dispara. O Governo de José Sócrates que até 2008 conseguiu controlar o Défice, situando-se nessa data em 2,8%, no ano seguinte este elevou-se para 9,4%, mais cerca 7 pontos percentuais. Este aumento extraordinário deveu-se a medidas de combate à crise, e não apenas de natureza social, como lhe competia, mas também para apoiar a banca, e os exercícios negativos de algumas empresas públicas.

O recurso às PPP para fazer obra é contudo uma faca de dois gumes e serrilhados... Inaugurado pelo actual Presidente da Republica, aquando do projecto da Ponte Vasco da Gama, é na verdade mais vantajoso para o Capital Privado, do que para o Erário Público. Os contratos prevêem receitas espectáveis, normalmente empoladas ou desfasadas da realidade, que a não se verificarem, o Estado obriga-se a indemnizar o concessionário, ou a autorizar a actualização da taxa de exploração. Acontece que em alguns contratos esta é feita de forma automática sempre que se verifica que a receita fica aquém da renda expectável, não havendo lugar a qualquer renegociação. Quando não existem, por exemplo, portagens, como no caso das SCUTs, que é muito do agrado do utilizador, é do Erário Público que sai a quantia anual contratada, baseada num certo fluxo de veículos, cujo cálculo só os deuses conhecem... Aqui vale a pena dizer que são os contribuintes no seu conjunto, incluindo os das Regiões Autónomas, tenham ou não viatura, que pagam o prejuízo... É evidente que nestas circunstâncias as indemnizações são mais que as mães... e haja Défice... O Prof. Carlos Moreno assinala no seu livro que este tipo de contratos têm sido feitos à medida dos interesses dos concessionários e não só, diremos nós... Deve haver pelo meio muita propina... O Estado sai sempre lesado, que o mesmo é dizer, o país.

Mas não são só as PPP, de que Portugal é campeão da Europa, que existe marosca... As Empresas Públicas ou por conta do Estado, como os Hospitais Públicos de gestão privada, outra solução peregrina criada pelo pensamento neoliberal, são outro sorvedouro de recursos financeiros, sem controlo efectivo por parte dos Governos. Aqui quem pratica o "esconde esconde" da despesa pública são os próprios gestores, alguns da confiança política do governo em exercício. Evidenciam-se défices para justificar o reforço financeiro estatal ou com aval do Estado, quando se trata de crédito bancário. Uma mina para quem abocanhou essa fatia do Serviço Público.

Por isso achamos um pouco descabelada e fora do tempo a iniciativa do Procurador-Geral da República contra o Dr. Alberto João Jardim. Há muito que deveria tê-lo feito, a começar pelo Governo da República e o Poder Autárquico, logo que o Tribunal de Contas assinalou os primeiros casos. Neste momento, a sua acção não só está ferida de falta equidade, como poderá estar a contribuir para o despertar de sentimentos separatistas e não apenas da parte dos ilhéus, mas também de outras regiões do país, que se acham vítimas da centralidade de Lisboa.

Artur Rosa Teixeira

([email protected])

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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