Iberismo: Sebastianismo ou Suicídio?

Como uma criança abraça um ursinho felpudo no meio da noite ao ouvir um som estranho vindo da janela, o povo português, em tempos menos bons, tem o hábito histórico de se agarrar ao Sebastianismo, acreditando que o rei que iria vencer as Africas e que perdeu a aristocracia, a nação, a coroa e a vida em Alcacer Quibir no dia 4 de Agosto de 1578, iria voltar.

Alguns livros da história nos contam que Rei Sebastião era um fraco e um louco, cuja missão custou Portugal a independência entre 1580 e 1640 (Filipe I de Portugal, II da Espanha, era o sucessor legítimo da coroa portuguesa). Outros dizem que foi um militar perspicaz e valente, que teve várias intervenções pessoais durante a dita batalha, mas que os mercenários italianos entraram em pânico durante uma fase crítica e depois, os árabes que estavam à espreita, vendo a oportunidade, caíram todos em cima do exército português.

De qualquer forma, o Rei Sebastião morreu e consignou-se ao reino do Mito.

Do Sebastianismo ao Iberismo

De qualquer forma, o Dom Sebastião entrou na psique portuguesa como salvador da nação em tempos difíceis, com várias referências na literatura e nos registos históricos. Temos agora em Portugal o debate sobre o Iberismo, definido por alguns como uma união entre Portugal e Espanha, mas com a vertente de liderança pendurada no lado de lá da fronteira, definido por outros como uma união mais consensual, um tipo de federação/bloco de negociação para dar mais força a Portugal nas negociações com a União Europeia, definido por outros ainda como uma vontade de realçar o bloco Ibero-Americano.

Mais uma vez, num tempo de dificuldade, e a crise em Portugal é enorme, se voltam os portugueses ao ursinho, ao sebastianismo, ao iberismo.

Quais seriam as vantagens? Para aqueles que querem deitar fora 863 anos de história, desde a fundação de Portugal como nação em 1143, que querem ignorar a realidade da economia de escala (quem produz 10 unidades vende a um preço superior por unidade comparado com aquele que produz 10.000 unidades) e que querem ignorar todas as regras e fórmulas nos livros da macro-economia, o facto que o espanhol hoje ganha três vezes mais do que o português e paga substancialmente menos pelos bens de consumo, faz todo o sentido Portugal tentar integrar-se mais com a Espanha.

Para bom entendedor, meia palavra basta: convidá-los para a cama, já que a coisa vai mal, a ver se saquem algum.

Se bem que ganhar três vezes mais e pagar substancialmente menos para tudo, que até funciona melhor, seria sim muito atraente, infelizmente seria uma traição de tudo que Portugal representa.

As questões

Se o Iberismo for uma plataforma de negociação mais lata, mais larga e mais pesada, incluindo Madrid nas negociações com a U.E., faz algum sentido teoricamente. Mas será que Madrid iria zelar pelos interesses portugueses? Se o Iberismo é prosseguir a união económica e comercial entre a Península Ibérica e a América Latina, faz todo o sentido, para juntar ao projecto já lançado da CPLP. Mas se o Iberismo visa a união de Portugal com a Espanha, com a inerente dominação por vuestros hermanos, cartão vermelha.

Para quem estuda Portugal há 35 anos e para quem vive em Portugal há 28, como eu, a ideia é nada menos do que chocante. Contraria todo o contexto histórico de Portugal, ignorando as tentativas do povo luso lutar pela sua independência, põe em questão bases culturais, enviando a padeira de Aljubarrota para a fossa que ela defendia, relegando Dom Sebastião ao estatuto de terrorista, rasgando as folhas da história que falam dos protagonistas de Portugal como criadores de uma Nação.

Onde estaria a cidade capital? Madrid? Badajoz? Olivença? Quem governaria o quê?

O quê é que correu mal?

O facto de muitos portugueses debaterem o Iberismo actualmente é sintoma e não doença.É sintoma porque grassa a ideia que Portugal de facto não estava preparado para entrar na Euro-zona quando entrou, e há quem defenda que Portugal nem estava preparado para entrar na CEE quando entrou e que entrou porque montou nas costas da Espanha e que a Europa fez vista grossa a vários dossiês na altura.

Mas é facto que Portugal está na U.E. hoje e que está na Euro-zona.

Se Portugal está na Comunidade Económica Europeia/Comunidade Europeia/União Europeia há 20 anos, e a receber subsídios, fundos perdidos e empréstimos há duas décadas e se ainda não está preparado para enfrentar os desafios sozinho, então há muitas verdades a serem examinadas com espírito aberto e objectivo.

Se os alunos de hoje que fazem o Programa Erasmus se comparam favoravelmente, muito favoravelmente, em termos académicos, com os seus pares de outras universidades europeias, parece que a questão teria de ser abordada um pouco mais acima.

E chegamos às gerações dos políticos no poder, falando nomeadamente dos políticos do PSD, do PS e do CDS/PP. Foram muitos anos de nepotismo. Foram muitos anos de colocar amigos e familiares em lugares de tomada de decisões. Gradualmente, o tecido político ficou cada vez pior, de tal maneira que quem tivesse duas células de matéria cinzenta, fugisse do serviço público.

Outros países tiveram processos que exigiram uma examinação profunda do seu estado de desenvolvimento, em determinadas alturas. Inglaterra teve a crise entre 1649 e 1660, quando implantou uma República (durante 11 anos) e depois optou pelo modelo de monarquia constitucional. Espanha teve a Guerra Civil de 1936 a 1939, Rússia teve a sua Revolução. Portugal teve hipóteses de profundas alterações sociais no início do século XIX, em 1910 e em 1974.

Depois de 1974, houve grande progresso em termos de direitos humanos e do trabalhador, graças ao Partido Comunista Português, basicamente. Mas será que Portugal alguma vez teve uma revolução Social? Não teve.

Enquanto a classe mercantil ia ganhando mais poderes, tem sempre copiado o tipo de comportamento demonstrado pela aristocracia. Em Portugal, o poder e a riqueza foram sempre feudo de um grupo restrito.

A Alternativa

A alternativa natural e óbvia ao Iberismo é a CPLP. Os fãs de Salazar iriam regozijar, mas não tem a ver com Salazarismo, tem a ver com mil anos de história e cultura lusa, testada e provada ao longo de um considerável espaço de tempo, cujo síntese é que o que se vê hoje.

Em Angola, como é que é celebrado o Natal? E o quê é que comem em Maputo no dia 24 de Dezembro? Qual é a língua que escolheram em Timor Leste? Cabo Verde? São Tomé e Príncipe? Guiné-Bissau, sede da Cimeira da CPLP recentemente, sede de um grande sucesso em termos de organização?

E o Brasil, aquele gigante já acordado? Com tantas opções em tantos continentes, alguém vai virar para Espanha?

Longe de ser um Dom Sebastião, qualquer perda simbólica ou real de poder executivo em relação com a Espanha seria um tiro na cabeça, um acto de suicídio, um acto de traição à nação portuguesa, à sua história e cultura e ao seu povo.

Para os que defendem o Iberismo, vertente união, seria bom saberem que nem o Sebastião existe, nem o Pai natal existe. O que existe, pois é uma opção: a exigência pelo povo de boa governação, coisa que falta em Portugal há muitos anos.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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