Obviamente, demita-se o presidente da CP

Notícia nacional do dia (2009-1-3) foi a abertura de um inquérito à administração da CP para investigar um série de factos alegados em carta anónima indiciando nepotismo e gestão danosa em casos muito concretos e com autores também identificados. Um dos visados é o próprio presidente da CP, cuja honra – compreende-se – poderá estar afectada.

A forma como reagiu deviam impedi-lo, de moto próprio ou por iniciativa da tutela, de continuar no cargo.

Não está em causa a culpa que possa ter ou não ter nos casos (se existem) arrolados na denúncia anónima. Só com um conhecimento mais detalhado das acusações poderia apreciar a necessidade ou não da sua exoneração do cargo: ainda que o interesse público deve sempre prevalecer sobre interesses privados, como a honra ou a posição de seja quem for, não é lícito nem interessante para o bem público oferecer a falsos acusadores a possibilidade de afastar dirigentes inconvenientes.

O que é intolerável – para o interesse público – é o comportamento do presidente da CP confrontado com as acusações.

a) o anúncio da intenção de mobilizar o processo penal para perseguir os denunciantes é intolerável. Primeiro porque o país precisa de todas as denúncias possíveis para combater a corrupção endémica de que sofre. Segundo porque o processo penal não é, não deve ser, a sede de debate de políticas de gestão de empresas públicas. Terceiro porque justificou com tal reacção o facto de os denunciantes se terem coberto com o anonimato, com o legítimo e compreensível propósito de se salvaguardarem – precisamente – de ataques judiciais que oneram a vida das pessoas por muitos anos, décadas eventualmente, sujeitas a todo o tipo de pressões e humilhações próprias deste tipo de tribunais, especialmente em Portugal onde a justiça é o que é.

b) a mobilização de recursos da CP para prosseguir fins pessoais é intolerável. O presidente da CP anunciou ter dado ordens aos juristas da empresa para perseguirem criminalmente os denunciantes, 34 funcionários da empresa não identificados, iniciando uma caça às bruxas para que todos os apaniguados do Presidente dentro da empresa procurarão contribuir com alguma dica, a fim de ajudar a salvar a honra do seu chefe. Ora, as empresas públicas pagam suficientemente bem aos seus administradores para que eles tenham recursos – apesar dos elevadíssimos custos da justiça em Portugal – para pagar aos seus próprios advogados e as custas judiciais, sem recurso a bens públicos, muito menos aqueles que estão à sua disposição para fins empresariais (e não para fins de interesse pessoal).

O interesse da CP é combater a corrupção, o nepotismo, a gestão danosa e outros males que a possa prejudicar, como organização e empresa. É certo que a defesa do bom-nome de uma companhia também pode ser importante. Mas não no caso de um monopólio. O bom-nome de um seu colaborador também pode ser relevante, principalmente quando esteja em causa a moralidade social e, portanto, a desmoralização do pessoal que trabalha e se identifica com a empresa. A reafirmação da solidariedade colectiva que une quem trabalha quotidianamente na empresa pode ser um acto de gestão e de liderança indispensável. E é precisamente aqui que bate o ponto:

A moral da CP, e das outras empresas públicas, não deve continuar a ser a moral neo-liberal (para usar um estrangeirismo em moda) de que tudo e todos devem servir os melhores e que estes têm direito a usar qualquer recurso para esmagar quem se lhe oponha. A moral a construir para o futuro é a da velha distinção entre os interesses privados e pessoais dos interesses empresariais, organizacionais e sociais, tal como Max Weber descreveu (benevolamente) o espírito do capitalismo (ideal).

A CP está atacada por corrupção a nível da administração? Nada mais natural, no estado de coisas actual. Há quem fique ofendido com isso? Isso é salutar. O presidente da CP desce de chinela ao terreiro a ameaçar os denunciantes? Perdeu as estribeiras – o que não é bom sinal para um gestor público -, mas quem não se sente não é filho de boa gente. Anuncia ter mobilizado recursos públicos para vingar a sua honra abalada? Equivale a uma auto-confirmação daquilo que é o essencial da denúncia: o senhor presidente está habituado a usar o património da CP para fins pessoais.

Demita-se.

http://iscte.pt/~apad/novosite2007/blogada.html

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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