Miguel Portas: Moscovo e Bruxelas precisam de acordos sólidos e não de uma nova guerra-fria

1. Como vê a actual crise económica e quais as políticas que levariam à resolução da mesma?

Na verdade, o que temos em Portugal é uma crise nova em cima de uma crise velha. O país já estava em crise antes do crash das bolsas. Entre 2002 e 2008 o desemprego quase tinha triplicado e o poder de compra dos salários tinha estado em contínua quebra. Agora, temos duas crises para resolver ao mesmo tempo. Não sairemos delas com os remédios que nos trouxeram até elas. Nem com os líderes que devem responder por elas. Precisamos de novas prioridades, novas políticas e novos políticos.


2. Para si, quais são as prioridades para Portugal no próximo futuro?

O mais urgente é proteger o poder de compra dos salários. Não se trata apenas de uma questão de justiça. Se não defendermos os salários na Europa e nos EUA, o consumo diminuirá drasticamente e toda a economia mundial vai sofrer, a começar pela dos países exportadores de matérias-primas e bens de consumo.

Como podemos defender o poder de compra dos salários? Obtendo aumentos salariais acima da inflação, recusando a precarização dos contratos e insistindo na queda radical das taxas de juro, em particular para as camadas sociais mais desfavorecidas.

Temos também de defender o emprego. Isto significa que o Estado deve regressar à economia, investindo em obras e projectos que qualifiquem as nossas economias.


3. Por quê razão os indicadores socio-económicos para Portugal tendem a apresentar uma queda constante, resultando neste país estar praticamente no fundo de todas as tabelas da U.E.?

Há razões antigas para isso. Portugal não soube aproveitar os fundos europeus como devia. Outros o fizeram muito melhor do que nós. Portugal tem assentado o seu crescimento económico nos baixos salários e na evasão fiscal. A razão porque os países de Leste acabarão por recuperar dos seus atrasos mais rapidamente do que o nosso país prende-se com o facto de terem trabalhadores com níveis de qualificação muito superiores aos dos portugueses. Aqui reside a primeira dificuldade. A segunda é comum aos países de leste: as elites vivem das benesses que o Estado lhes proporciona. Temos Estados e governos que protegem quem não deve ser protegido e que se esquecem dos que precisam de protecção.


4. Acha que a União Europeia em geral percebeu o que aconteceu na crise da Geórgia/Ossétia do Sul?

Uns perceberam mais do que outros. Os governos mais pró-americanos da UE não perceberam nada de nada, porque não percebem nada de História e só lhes interessa a NATO. Por isso apostaram num conflito que lhes saiu furado. Outros sabem que na Europa os destinos estão ligados e que não tem qualquer sentido reeditar fracturas antigas. Moscovo e Bruxelas precisam de acordos sólidos e não de uma nova guerra-fria. O primeiro grande teste à nova administração americana será o da suspensão do sistema antí-míssil conhecido por "Guerra das Estrelas" previsto para a Polónia e para a República Checa. Espero, sinceramente, que não vá para a frente. A política deve tratar do bem das pessoas e não dos negociantes de armamento.

5. Pensa que o Senhor Engenheiro Sócrates tem feito algo de positivo nos últimos quatro anos? De zero a dez, qual seria a nota que atribuir-lhe-ia?

Como sou generoso, talvez dois ou três...

Miguel Portas

Eurodeputado do Bloco de Esquerda

Timothy Bancroft-Hinchey

Director e Chefe de Redacção

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