Portugal: Saibamos ler os sinais…

Na política, tal como na Religião, os sinais representam um aviso codificado, chamando a nossa atenção para algo que não está bem ou que pode acontecer. E quem avisa, amigo é… Porém a nossa capacidade de apreensão nem sempre permite dar a devida relevância ao fenómeno, sobretudo da parte dos que são responsáveis pela condução dos destinos de um país. Quase sempre, porque não lhes agrada a mensagem, assobiam para o ar… E depois é aquela bronca das antigas…

Num recente concurso televisivo, pretensamente cultural e de discutível critério de selecção, patrocinado pela RTP, sob o tema do “maior português de sempre”, acabou por promover duas figuras políticas incontornáveis da nossa História recente: o Dr. Oliveira Salazar e o Dr. Álvaro Cunhal., que ficaram respectivamente em primeiro e segundo lugar. Claro que o programa, do ponto de vista político não foi inocente, como não foi um acaso a oportunidade da sua apresentação. É certo que o resultado, quase inopinado, não foi um referendo, contudo as escolhas, quer se queira ou não, correspondem a um certo desencanto popular pelo actual regime político e respectivas lideranças. E nesse sentido, foi dado um sinal claro ao establishment nacional. Quando se tem sede, não se questiona a qualidade da água… Até agua inquinada serve para saciar a sede.

Salazar e Cunhal, apesar de estarem em campos ideológicos opostos, significam para milhares de portugueses a mesma imagem de autoridade e verticalidade, uma imagem a mais das vezes exagerada, quer por correligionários, quer por adversários. O primeiro, protagonizou um governo ditatorial de quase meio século, inspirado no Fascismo de Mussolini, de triste memória para outros tantos portugueses, vítimas da repressão, da Guerra Colonial e do isolacionismo a que foi sujeito o país. O segundo, fiel à cartilha estalinista, dirigiu o Partido Comunista Português à margem das grandes mudanças políticas que marcaram o Século XX, propondo, sob outra roupagem, uma ditadura tão semelhante à que combatera. Diferente apenas nos agentes. Ambos sofreram de um certo “Despotismo Iluminado” transposto para os nossos tempos. Ficou contudo na memória popular os respectivos tiques de poder que hoje se evocam em contraposição à corrupção e à impunidade que se observam em todas as instâncias da nossa vida política e económica. Nesse sentido, podemos dizer que se trata de uma fuga para a frente, com grande risco de queda livre no abismo…

As notícias recentes confirmam as razões do desencanto popular com a Democracia. Quase todos os dias a Comunicação Social dá notícia de situações que põem em causa a credibilidade das instituições e do regime. Ainda bem que o faz. Com Salazar isso não seria possível. Não o seria, não pela ausência de acontecimentos da mesma índole, mas pela censura e repressão dos denunciantes. Se a “Ditadura do Proletariado” tivesse vingado em Portugal, igualmente teríamos amordaçada a imprensa, tal como acontece hoje na China, que é agora o fascínio de muita gente que não se importaria de um regresso ao Fascismo desde que daí não resultasse prejuízo para os seus negócios.

“Administradores da PT e da EDP receberam mais de 17 milhões de Euros em compensações e prémios quando saíram”- lê-se em subtítulo no Diário de Notícias de 30 de Março. “Sócrates foi o que mais admissões fez e de forma menos transparente”, segundo o Relatório do Tribunal de Contas, - saiu no Público de 31 de Março. A SIC notícias, neste mesmo dia, conclui que as despesas globais com os gabinetes de assessoria, a módica quantia de 12,8 mil milhões de Euros, desde Durão Barroso, dariam para construir 4 Otas, o polémico aeroporto internacional, que o actual governo está determinado em construir.

Recentemente outra notícia denunciava que vários gestores de empresas municipais, durante 2003 e 2004 receberam salários 75% mais altos do que o Presidente da República, alguns acumulando o cargo com outro autárquico, refere notícia da SIC de 24 de Março último. Isto sem falar das reformas chorudas de políticos e de gestores públicos, alguns com uma passagem meteórica pela vida pública. Em contraste com estas notícias, temos a sangria do desemprego provocada pela deslocalização da indústria e por falências fraudulentas; temos uma má prestação do SNS, que em hospitais públicos com “gestão privada” permite que um doente esteja cerca de 10 horas à espera de concluir uma consulta e sem qualquer refeição quente de faca e garfo; que permite que 25 mil utentes estejam à espera de uma cirurgia, alguns há cerca de dois anos; e que permite um serviço público tendencialmente a caminho do encerramento da sua rede de saúde, deixando milhares de idosos pobres do interior do país sem apoio médico.

 Entretanto no seu lugar, preparam-se clínicas privadas que irão beneficiar de um mercado exclusivo co-financiado pelo Estado e pago duas pelo contribuinte através das taxas moderadoras e pelos impostos. Alivia-se de um lado para gastar do outro… tudo em nome dos interesses privados dissimulados num discurso de rigor orçamental que persegue o mítico e obsessivo défice zero. Tudo isto mostra como os cidadãos estão desprotegidos face aos grandes interesses económicos, embora sejam eles que suportam e dão vida à Democracia.

Artur Rosa Teixeira

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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