Lideranças indígenas lançam manifesto contra onda de intolerância religiosa

Lideranças indígenas lançam manifesto contra onda de intolerância religiosa

Documento aponta para o crescimento da perseguição religiosa e pede a superação do racismo

 

Associações e lideranças indígenas se manifestaram, na última semana, contra uma nova onda de intolerância religiosa no país. O documento é assinado por 28 lideranças e 15 associações e se posiciona contra a perseguição aos pajés e aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.
"Assistimos hoje ao crescimento de novas cruzadas de intolerância, sobretudo de missões protestantes. Se aliam com os inimigos dos povos indígenas para deles extraírem suas almas. O etnocídio que visa esvaziar todos os corpos de suas espiritualidades", diz o texto.
O documento aproveita o lançamento do filme Ex-Pajé, que ocorreu no Festival de Berlim no sábado (17). O documentário do diretor Luiz Bolognesi aborda a trajetória de Perpera, antigo pajé do povo indígena Paiter Suruí. Os Paiter Suruí tiveram seu primeiro contato com a sociedade "branca" em 1969. A partir daí, houve um processo de evangelização da comunidade, o que resultou na rejeição do papel do pajé pelo seu próprio povo - e Perpera passou a ser considerado um "ex-pajé".
O manifesto afirma que os pajés, durante séculos, equilibraram a vida na terra. Hoje, diz o texto, os espíritos da floresta estão bravos, pedindo socorro, devido à poluição e ao desmatamento. "Os pajés precisam existir, e para existir, precisam ser respeitados. Antes que seja tarde demais, que o mundo esteja esvaziado de espiritualidade e o Céu caia sobre nossas cabeças!".

Manifesto dos Povos e Lideranças Indígenas do Brasil

Mais pajés, menos intolerância

Mais pajés, mais Céu, mais espíritos, mais floresta, mais vida. Menos ódio. Menos intolerância. Menos racismo. Precisamos superar a impossibilidade de conviver em igualdade nas nossas diferenças, e passar a partilhar o mundo com outros seres vivos, outros viventes, viver e se olhar e se reconhecer no olhar do outro, com reciprocidade, com respeito aos humanos e respeito também aos não-humanos, uns ao lado dos outros, vivendo juntos em nossas diferenças. Existe apenas um planeta, e todos podemos viver nele, livres do peso do racismo e do sexismo. Existem muitos mundos que convivem nas diferentes formas de habitar este planeta.
Durante muitos séculos, os pajés equilibram a vida na Terra. Com seus cantos, rezas, curas e sabedoria, massageiam o Planeta proferindo lindas palavras, as mais belas palavras sagradas. São médicas e médicos, rezadoras e rezadores, curandeiras e curandeiros, sabedores do mundo, com suas próprias ciências e sua filosofia.

Em nome de um deus, homens missionários agrediram nos últimos séculos muitas outras formas de vida. Se nos anos 1970 a própria Igreja admitiu sua violência catequista, esse processo não arrefeceu. Assistimos hoje ao crescimento de novas cruzadas de intolerância, sobretudo de missões protestantes. Se aliam com os inimigos dos povos indígenas para deles extraírem suas almas. O etnocídio que visa esvaziar todos os corpos de suas espiritualidades. O genocídio matou os povos em seus corpos físicos e o etnocídio em seu espírito, sua essência, sua forma de viver, que é a sua cultura.

Alguns leem na Bíblia a mensagem para invadir o mundo inteiro para forçadamente pregar o evangelho para todas as criaturas, entendendo que quem não se converter irá arder no inferno que essa própria religião inventou. Essa corrida colonial provoca ainda hoje, talvez como nunca antes, uma disputa por almas que esconde poder, dinheiro, controle de territórios, mercados de almas.

Hoje atravessamos muitas crises, ecológica, econômica, política, a nossa frágil democracia foi atacada e os territórios indígenas estão sendo invadidos e saqueados. Junto com o ferro e o fogo, vem a conversão racista. Trocam as rezas pela bíblia e as medicinas por aspirinas. Epidemias de depressão provocam os maiores índices de suicídio do mundo manchando de sangue as lindas florestas do Brasil.

Os espíritos da floresta estão bravos, pedindo socorro, pois cada árvore derrubada, cada rio contaminado, faz com que desapareçam. Assim disse um sábio pajé, a floresta é um portal cristalino, e todos nós humanos precisamos dela. Se acabar a floresta, também acabará nosso espírito. Os pajés precisam existir, e para existir, precisam ser respeitados. Antes que seja tarde demais, que o mundo esteja esvaziado de espiritualidade e o Céu caia sobre nossas cabeças!
Basta de etnocídio! Mais pajés! Menos intolerâncias!

Assinam essa carta manifesto As seguintes organizaçõee e lideranças :

Organizações
Associação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira -COIAB /
Associação Aty Guassu Guarani Kayowá
Comissão Yvy Rupa
Conselho dos Povos Indígenas de São Paulo -CEPISP
Federação do Povo Huni Kuî do Acre - FEPHAC
Instituto Maracá
Fórum dos professores indígenas do Estado de São Paulo, FAPISP
Organização Nhandepa Guarani e Huni Kuî
Rádio Yande
Rede de Memória e Museologia Indígena
ARPIN Sul
ARPIN Sudeste
APOINME
FEPIPA

Lideranças
Aílton Krenak
Álvaro Tukano
Alberto Terena
Chicão Terena
Davi Yanomami Kopenawa
Daiara Tukano
Denilson Baniwa
Dinaman Tuxá
Ninawa Huni Kuî
Nara Baré
Carlos Papá Mirim Poty
Cristiane Tekuá
Genito Gomes Kayowá
Marcos Tupã
Antonio Carvalho
Júlio Garcia Karai Xiju
Nelson Ribeiro
Marcos Moreira
Mauricio da Silva Gonçalves
Sama Hani Kuî
Sônia Guajajara
Banima Hani Kuí
Davi Popygua
Joana Munduruku
Benício Pitaguary
Paulo Karai
Rosa Pitaguary

ISA

Fonte:

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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