Rodoanel: outras saídas

Rodoanel: outras saídas

Milton Lourenço (*)

Paralisada desde o final de 2006, a obra do Trecho Sul do Rodoanel recomeçou na segunda quinzena de maio e não se pode dizer que haja um prazo para a sua conclusão, embora o governo do Estado pretenda entregá-la até 2010. Empreendimento que já deveria ter sido construído, o Rodoanel corre o risco de, pronto, virar solução ultrapassada.

Quem tem boa memória há de lembrar que foi durante o governo Fleury Filho (1991-1994) que a imprensa tomou conhecimento do projeto do Rodoanel através de imagens futurísticas em que se viam grandes anéis cortando a que seria a São Paulo do século 21. Mas, a rigor, o empreendimento começou há quase dez anos – que dá nome ao Rodoanel. Desde então, somente o Trecho Oeste foi finalizado, em 2001.

Criada para facilitar a entrada e saída de produtos no País, a obra é em forma de cinturão e possibilitará o acesso de veículos pesados às principais rodovias sem a antiga necessidade de entrar nas já saturadas vias centrais de São Paulo. Os trechos Sul e Oeste interligarão sete das dez rodovias incluídas no projeto.

A obra deverá oferecer maiores facilidades à ligação de todo o País com o Porto de Santos, além de reduzir drasticamente o risco de acidentes com cargas perigosas. Não é pouco. Não se pode esquecer, porém, que o projeto se baseia em médias históricas de duas décadas atrás e que, por mais que as projeções tenham levado em conta as demandas futuras, a realidade é sempre mais dinâmica.

Quem trafega pela Rodovia Castelo Branco, na Zona Oeste, pode perceber que as projeções de então não foram tão felizes assim, pois os veículos são obrigados a passar pela região de Alphaville para só então terem acesso ao Rodoanel, já em Osasco. Como é intenso o fluxo de veículos entre Alphaville e São Paulo, os congestionamentos persistem e a percepção que se tem é que o Trecho Oeste deveria ter sido construído muitos quilômetros além, em direção ao Interior do Estado.

Na Zona Sul, o Rodoanel corta a rodovia Régis Bittencourt na altura do município de Embu, mas já há quem defenda que deveria estar disponível na região de Juquitiba ou São Lourenço. E quem segue para o Interior pela Rodovia dos Bandeirantes percebe que o Rodoanel já está muito perto da malha urbana de São Paulo. Quer dizer: em poucos anos, toda essa área estará integrada na Grande São Paulo. E não será de admirar se, em pouco tempo, os técnicos concluírem pela necessidade de um novo traçado viário de grande porte.

Para piorar, o governo do Estado já anunciou a intenção de privatizar o Rodoanel, com a cobrança de dois tipos de pedágio: um de barreira e outro de bloqueio. O de barreira teria cabines instaladas nos trechos Oeste e Sul e o de bloqueio seria cobrado em todas as saídas da rodovia, antes das praças de pedágio. Para desestimular que caminhões busquem rotas alternativas, há a possibilidade de pedágio nas avenidas marginais. Não é difícil concluir que tudo isso contribuirá para aumentar o custo Brasil, que tanto torna o produto brasileiro pouco competitivo no exterior.

O que fazer? Como parece fora de dúvida que não será possível ao governo passar o século 21 a construir rodoanéis em torno da Capital, a saída está no crescimento da multimodalidade, com a melhor utilização da infra-estrutura rodoviária, ferroviária e aquaviária. Só equacionando o uso das vantagens de cada modal, será possível estabelecer uma nova matriz de transporte para o País.

Essa matriz passa também pelo melhor aproveitamento de um modal que ficou relegado ao abandono, como a cabotagem. Entre outras razões, foi o ambiente inflacionário pré-Plano Real que ajudou a enterrar a cabotagem como modal alternativo num país de dimensões continentais. Hoje, esse obstáculo não existe. E as empresas podem suportar um transit time mais demorado para a chegada da carga.

Hão de argumentar que para Manaus, por exemplo, um caminhão leva de São Paulo apenas três dias, enquanto um navio tem de singrar o oceano por sete dias ou mais. Em compensação, um navio pode levar mil contêineres, o que significa mil caminhões a menos nas rodovias, menos possibilidades de danos à infra-estrutura, menos acidentes, menos consumo de diesel. E mais importante: menos impactos ambientais.

É claro que a utilização da cabotagem passa também por ajustes no sistema tributário e na legislação trabalhista. É preciso, por exemplo, um regime tributário diferenciado para a utilização do óleo bunker, combustível que é resultado da mistura de petróleo importado com petróleo nacional, o que proporciona baixo teor de metais (alumínio e silício) e de enxofre. E também formar trabalhadores qualificados, pois, com a intensificação da exploração de gás no mar pela Petrobrás, a Marinha Mercante vem perdendo mão-de-obra especializada.

Aproveitar melhor a cabotagem, criar terminais intermodais, integrar as ferrovias com outras modalidades, aumentar a rede de dutovias — tudo isso pode ajudar a tirar caminhões e carretas das rodovias, o que significa que talvez as próximas gerações não precisem pensar em construir outro rodoanel em torno de São Paulo.

(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]

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