Entrevista de Lula: Ler texto na Íntegra

Entrevista de Lula: Ler texto na Íntegra

Entrevista coletiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a jornalistas brasileiros e estrangeiros Palácio do Planalto, 15 de maio de 2007

Abertura: Palavras do presidente Lula

Bom dia.

Vocês estão lembrados que no final do ano passado eu disse que nós íamos melhorar a relação com a imprensa e, portanto, íamos estabelecer uma nova dinâmica nessa relação com a imprensa.

Mas antes de abrir para as perguntas, eu gostaria de dizer para vocês que, de vez em quando, eu me pergunto sobre o papel de uma reeleição. O que um presidente da República deve fazer com o seu segundo mandato? Isso tem me levado a algumas reflexões sobre o período 2007/2010. Nós cumprimos uma primeira etapa que, eu acredito, foi uma etapa exitosa. Eu disse que não vou falar mais de comparações do nosso governo com outros governos, agora eu preciso me comparar 2003/2006, 2007/2010. E eu penso que o resultado que nós obtivemos no primeiro mandato me permite dizer para vocês o seguinte: o Brasil de 2007 é um outro País. Hoje vocês não têm mais que perguntar a mim sobre estabilidade econômica, vocês não têm mais que perguntar a mim sobre credibilidade externa, sobre dívida externa, sobre reservas, sobre crescimento da economia, sobre estabilidade e vulnerabilidade, porque essas coisas estão praticamente resolvidas.

Quando eu digo que estão praticamente resolvidas é porque o Brasil se preparou no primeiro mandato para dar um salto de qualidade no segundo mandato. No segundo mandato nós precisamos fazer aquilo que não foi possível fazer no primeiro mandato, com um pouco mais de sabedoria, com um pouco mais de experiência, para que a gente colha resultados melhores e possa deixar para o sucessor um Brasil infinitamente mais equilibrado, mais desenvolvido, em melhores condições do que aquele Brasil que nós recebemos em 2003, e que outros receberam em outros períodos da história brasileira.

Eu tenho dito sempre que o Brasil teve dezenas de oportunidades na sua história, não foram poucas. Eu mesmo, na minha vida sindical, vivi momentos em que a gente acreditava que era daquela vez que o Brasil ia dar certo e, de repente, um mês, dois meses, três meses depois, nós acordávamos com o Brasil não dando certo, porque se fazia experiências acadêmicas na economia brasileira. Nós resolvemos tomar a decisão de não fazer experiências acadêmicas, ou seja, nós resolvemos colocar em prática aquilo que uma dona-de-casa coloca em prática na sua casa: ela recebe o seu salário no final do mês, o salário do seu marido ou dos filhos, se senta à mesa, contabiliza o que tem que pagar, contabiliza o que tem que comprar e só gasta exatamente aquilo que for possível gastar, só come exatamente aquilo que for possível comer e, assim, as pessoas ajustadas conseguem sobreviver dignamente.

Nós fizemos isso e o resultado é que nós vivemos o melhor momento da economia de toda a história da República. São muitos os fatores favoráveis na economia brasileira, e nós entendemos que por isso só, nós poderemos fazer um segundo mandato pensando em outras coisas, como o PAC, por exemplo, que lançamos no dia 22 de janeiro, como o PDE que nós lançamos no mês seguinte e outros programas que nós vamos lançar. Daqui para a frente nós vamos ter um programa especial para a juventude brasileira, vamos ter uma proposta para segurança pública, vamos ter uma proposta para a agricultura, vamos ter proposta para as indústrias que hoje sofrem problemas de exportação ou por conta do câmbio, dizem alguns, ou por conta da concorrência internacional com a China. Então, agora nós estamos preparados para fazer aquilo que não foi feito no primeiro mandato. E isso porque nós consolidamos, em primeiro lugar, a política econômica e, junto com a política econômica, nós consolidamos a nossa política internacional.

É sabido, mesmo por aqueles que não querem concordar ou que teimam em não concordar, que o Brasil nunca teve uma relação internacional tão privilegiada como a que nós temos hoje. Com a criação do G-20 em Cancun, nós consolidamos um Bloco, não apenas de países emergentes, representativos do ponto de vista da economia, mas também do ponto de vista da sua força política nos fóruns internacionais, e também da grande quantidade de populações que representam esses países, como China, Índia, Brasil e África do Sul, o que nos permite ter uma inserção no G-8 e nos permite ter uma inserção na OMC, coisa que nós não tínhamos há um tempo.

Hoje, eu acho que não haverá nenhuma discussão sobre acordos internacionais, envolvendo tanto a reforma de organismos multilaterais como a questão da Rodada de Doha, do acordo da OMC, que o Brasil não seja levado em conta e que o G-20 não seja levado em conta.

Depois de consolidado, uma outra coisa fundamental para o Brasil foi a sua relação na América do Sul e a sua ação na América Latina. Para algumas pessoas que não acreditavam nisso, hoje a relação comercial do Brasil com a América Latina é maior do que a sua relação comercial com os Estados Unidos e com a Europa, embora a relação comercial com os Estados Unidos e com a Europa tenha crescido, em média, 20% em todo esse período. E qual foi o milagre que aconteceu? O milagre foi que todas as economias do continente cresceram e, ao mesmo tempo, nós deixamos de estar de costas voltadas uns para os outros e resolvemos estabelecer uma parceria.

Bem, tudo isso foi possível porque também combinamos internamente uma coisa que era impossível de combinar. E vocês, jornalistas que cobrem o Congresso Nacional ou que cobrem a política do Palácio há muitos anos – nem todos cobrem há muitos anos, porque a maioria é gente nova – sabem perfeitamente bem que no Brasil era impossível se pensar em crescimento das exportações com crescimento do mercado interno. Era impossível, parecia que não combinava, havia a doutrina que dizia que não dava certo, e nós estamos provando que é possível, primeiro, crescer com inflação baixa, coisa que na história do Brasil também era impossível.

De vez em quando eu vejo as pessoas lembrarem o período Juscelino, em que a economia cresceu, em média, 7%, mas a inflação era, em média, 23%. De vez em quando eu vejo as pessoas lembrarem do milagre brasileiro que, em 73, se cresceu 14% ao ano, mas a inflação normalmente era acima de 20%. E nós conseguimos combinar o crescimento econômico sustentável com a inflação altamente controlada, o crescimento das exportações, o crescimento das importações e o crescimento do mercado interno.

Esses fatores, por si só, demonstram que nós podemos, em seguida, fazer uma política social que, sem dúvida nenhuma, foi a política social mais bem-feita que já fizemos neste País. E por uma razão simples: nenhum milagre começa pelo cadastro. Ou seja, nós tínhamos um problema no cadastro já que poucas vezes o cadastro foi levado a sério.

E o cadastro é a condição básica para que as políticas sociais do governo cheguem a quem precisa e, mesmo assim, nós estamos arriscados a cometer erros, porque nem todo mundo que se cadastra, se cadastra com a fidelidade que o programa exige. De qualquer forma, os resultados estão aí para quem quiser acompanhar, e não existe hoje, no mundo, um programa de sucesso como o Programa Bolsa Família, que atende as pessoas, combinado com o Programa Luz para Todos, que é um sucesso, eu diria, extraordinário. Bem, por que tudo isso foi possível? Isso foi possível porque em nenhum momento – e vocês acompanharam os quatro anos do meu mandato – eu permiti que qualquer sintoma de crise política adentrasse o Palácio do Planalto ou mexesse particularmente comigo. Isso foi possível trabalhar, quanto mais as coisas aconteciam, mais eu trabalhava e, depois, nós colhemos o resultado.

Esse próximo período é um período de muito mais tranqüilidade. Eu acho que hoje não fazemos mais a política estigmatizados pelo ódio entre situação e oposição. Nós construímos uma base aliada no Congresso, através de uma coalizão com os partidos políticos de sustentação da base, que é muito mais sólida do que a que tínhamos construído no ano passado. As pessoas no Brasil, e eu, estamos aprendendo a estabelecer coalizão política, pensando no longo prazo e não apenas pensando em cada votação ou em cada momento.

E isso me permite dizer para vocês que eu vou poder cuidar com muito mais carinho, no próximo período, do nosso País. Cuidar para fazer as coisas acontecerem, cuidar para fazer com que a economia cresça, cuidar para fazer com que haja mais distribuição de renda, cuidar para que haja mais emprego neste País. Tudo isso agora é possível.

E eu tenho consciência de que, muitas vezes, o papel da oposição, às vezes, é não reconhecer as virtudes do governo como, muitas vezes, nós também não reconhecemos a situação de outros. Um tempo desses, eu estava conversando com um líder político, e ele me dizia: “Porque o PT, em determinado tempo, fazia assim”. Eu falei: pois é, vocês estão fazendo hoje exatamente o que o PT fazia há algum tempo atrás.

Se nós aprendermos as lições que a história nos ensina, nós vamos poder trabalhar de forma muito mais unificada na diversidade, separando o que que é o momento do embate político de campanha eleitoral com o momento político de fazer oposição, de consolidação partidária no Brasil, sem confundir isso com a situação dos projetos que são pertinentes aos interesses brasileiros.

É por isso que eu sou agradecido à Câmara dos Deputados que em tão pouco tempo votou todas as medidas que nós mandamos, do PAC. E o Senado já votou duas. Eu não tenho dúvida nenhuma de que o Senado votará as outras medidas que nós precisamos que sejam votadas, como se votou na Câmara, para que o PAC atinja a sua plenitude jurídica, a sua plenitude administrativa, a sua plenitude de financiamento, que é isso que o Brasil espera do governo, espera da oposição e espera de todos nós.

Por isso, eu quero me colocar à disposição de vocês, para que comecemos as perguntas, porque já falei demais.

Ministro Franklin Martins: A primeira pessoa a fazer pergunta, a primeira jornalista é Martha Correa, da TVJB. Eu queria chamar logo o Celso Teixeira, da TV Record. Cada um ocupa um microfone e assim, à medida em que quem já fez a pergunta e ouviu a resposta, vai sendo substituído. Então, por favor, a Martha e o Celso.

1. Jornalista Martha Correa – TVJB: Bom dia, Presidente. A minha pergunta é em relação ao anteprojeto de greve que o governo está enviando ao Congresso. O senhor, como líder sindical, protagonizou as greves mais importantes do País na época da ditadura militar. O partido do senhor estimulou greves em governos passados. Eu pergunto: como é que o senhor se sente com o seu passado, o senhor que ajudou a escrever a história do sindicalismo brasileiro, e agora escreve a história do Brasil? Como é que o senhor se sente ao enviar esse pacote, esse projeto que endurece as regras a sindicalistas, dizendo que o senhor está transformando os servidores públicos em foras-da-lei? Obrigada.

Presidente: Talvez, Martha, eu me sinta à vontade exatamente porque fui dirigente sindical e exatamente porque fiz parte das greves mais importantes que aconteceram neste País no final da década de 70 e no começo de década de 80. Todo mundo sabe que o meu comportamento com relação à greve não é um comportamento de presidente da República. Eu sempre discuti com os meus companheiros servidores públicos que a greve no setor público não deveria ser feita como se faz a greve numa fábrica. A greve no setor de transporte coletivo não pode ser feita como se faz numa fábrica, a greve da saúde não pode ser feita como se faz numa fábrica, a greve de professores não pode ser feita como se faz numa fábrica, porque quando nós fazemos uma greve numa fábrica, quando um trabalhador faz uma greve num comércio ou numa fábrica, o que ele está fazendo? Ele está tentando causar um prejuízo econômico ao patrão, para que o patrão possa ceder às suas reivindicações e, aí, ele voltar a trabalhar. No caso do servidor público não tem patrão e o prejudicado, na verdade, não é o governo, é o povo brasileiro.

Quando a área da saúde entra em greve, sobretudo na área de pronto-socorro, quem paga, as vítimas são os pobres, porque os ricos não vão em pronto-socorro e não vão a hospitais púbicos. Quando nós fazemos uma greve no ensino fundamental, não tem filho de rico no ensino fundamental público, só filhos dos pobres. Quando nós fazemos uma greve no metrô ou no ônibus, quem paga são os pobres que têm que trabalhar de manhã, não são os ricos que pegam ônibus. Nós não queremos proibir que haja greve, pelo contrário. Primeiro, nós não temos o projeto ainda, nós vamos fazer um projeto para mandar. E vamos discuti-lo com as centrais sindicais, porque no nosso governo as coisas são discutidas com quem de direito.

Na verdade, é uma decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que ainda não tomou porque um dos ministros pediu vistas do processo. E nós estamos pensando em mandar um projeto para o Congresso Nacional depois de discutirmos com as centrais sindicais, com os sindicatos de servidores públicos, apenas para estabelecer responsabilidades. Ou seja, nós queremos, ao mesmo tempo em que discutimos esse assunto com eles, regulamentar também o contrato coletivo de trabalho para garantir ao servidor público que ele seja tratado democraticamente como qualquer servidor é tratado em qualquer parte do mundo. O que não é possível, e nenhum brasileiro pode aceitar, é alguém fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque, aí, deixa de ser greve e passa a ser férias.

Quando eu entrava em greve, eu sabia que a cada dia de greve eu perdia o domingo. Eu sabia que com um determinado número de dias de greve eu perdia o Fundo de Garantia, eu perdia o 13º, eu perdia as férias. Então, quando eu determinava uma greve, eu sabia que era uma disputa em que eu podia ganhar e podia perder. Mas algumas categorias entram em greve e ficam 40, 50, 60, 80, 90, 100 dias de greve e recebem o pagamento. Você pode chamar isso de greve? Não. Isso, na verdade, são férias, na minha concepção sindical.

Então, o que eu quero é apenas responsabilizar o direito de greve. Todos nós temos direito de fazer greve, mas todos nós sabemos que a gente pode ganhar ou pode perder. Um jeito de você decidir fazer greve com mais seriedade é você saber que não são férias, que você vai perder os dias em que você não trabalhou. Afinal de contas, você ganha pelos dias que você trabalha e não pelos dias que você fica em casa.

Então, nós vamos fazer isso, Martha, com a maior tranqüilidade, isso vai ser discutido com os dirigentes sindicais do setor público e do setor privado, porque o que nós queremos é regulamentar tanto o direito de greve quanto o direito dos trabalhadores na sua contratação coletiva do trabalho. Longe de mim prejudicar algum trabalhador. Mas, também, longe de mim não fazer as discussões sérias que este País tem que fazer.

Eu me lembro de um governador que, em 1997, encontrou comigo chorando. Fazia 96 dias que os professores da rede pública estavam em greve e ele mandou para a Justiça, para descontar os dias, e a Justiça deu que ele tinha que pagar os dias, enquanto nós, na iniciativa privada, várias vezes entramos com processo para ganhar os dias e nunca nos deram uma hora de greve. Então, o que nós queremos é isso: responsabilizar o direito de greve no Brasil e, ao mesmo tempo, garantir o direito do contrato coletivo de trabalho para o servidor público brasileiro.

Ministro Franklin Martins: Por favor, antes do Celso fazer a sua pergunta, o Sandro Lima.

2. Jornalista Celso Teixeira, TV Record: Presidente, bom dia. Eu vou trazer um assunto e vou ousar discordar do senhor, porque consideramos que nunca esteve tão na ordem do dia a discussão sobre a legalização do aborto. A questão não é se as pessoas são a favor ou contra, a questão é se o debate sobre a legalização deve acontecer ou não. Por que eu considero que está na ordem do dia? O Ministro da Saúde do senhor, o novo Ministro, disse que esse é um debate que a sociedade deve fazer porque é um problema de saúde pública. O México aprovou uma legislação nesse sentido há pouco tempo, o Papa esteve aqui e defendeu questões, inclusive a excomunhão de políticos que defendam a legalização do aborto, e há um plebiscito no Senado para ser aprovado.

Então, eu gostaria de saber do senhor, Presidente, qual é o caminho que o senhor considera para esse assunto? O debate deve acontecer de que maneira e qual é a posição do senhor, como cidadão e como Presidente, em relação à legalização do aborto?

Presidente: Eu já disse, Celso, em 1982, quando fui candidato a governador de São Paulo, em 1989, quando fui candidato a presidente da República, em 1994, quando fui outra vez candidato, em 1998, quando fui outra vez candidato – você vê que há vantagem em perder muita eleição porque disputa muita eleição – disse em 2002, e disse também em 2006, e vou dizer agora para você, Celso. Eu tenho um comportamento: como cidadão, sou contra o aborto. E não acredito que tenha uma mulher neste País que seja favorável ao aborto, como se o aborto fosse uma coisa que as pessoas quisessem fazer porque querem fazer. Agora, como chefe de Estado, eu sou favorável que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública, porque é preciso que o Estado dê atenção a pessoas que tiveram gravidez indesejada. É importante saber como é a vida das pessoas, como é que uma menina de 16, 17 anos, às vezes, até por falta de orientação, ficou grávida, a família não quer o filho, e, muitas vezes, o pai a toca de casa ou, muitas vezes, o namorado a abandona.

Então, o Estado, diante desses fatos, tem que tratar como uma questão de saúde pública, porque eu conheço casos de pessoas que perfuraram o útero com agulha de tricô, eu conheço casos de pessoas que tomaram chá de caroço de abacate, eu conheço casos de pessoas que colocaram fuligem para ver se abortavam, e essas pessoas terminavam morrendo. Então, o Estado tem que ter responsabilidade. Agora, se o Congresso Nacional quiser fazer um debate, se os partidos políticos, a sociedade civil, quiserem organizar um debate, todo e qualquer debate será bem-vindo. Aliás, poderia ser feito pela televisão, a televisão brasileira poderia se abrir para um tema desses, quem é contra, quem é a favor. O Papa defendeu um conceito da igreja brasileira, uma visão da igreja internacional, como tem outras pessoas que defendem a mesma visão por outras razões. Eu tenho a minha visão e ela continua inalterada. Eu sou contra o aborto, sou favorável que haja o debate e acho que o Estado tem que tratar o assunto como uma questão de saúde pública.

Agora, é importante que as pessoas debatam, qual é o problema? Na discussão que eu tive no Fórum Nacional de TVs Públicas, eu disse que a TV pública poderia fazer um debate que, muitas vezes, a televisão normal não faz. Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se de juntar os especialistas do País, que são favoráveis e que são contra, e fazer esse debate para que a sociedade seja politizada. O que eu defendo, na verdade? Se nós tivéssemos um programa correto de educação sexual nas escolas e dentro de casa, certamente a gente teria muito menos aborto do que temos hoje. Acontece que, muitas vezes, os pais não conversam com os filhos e não conversam porque não estão preparados, nem com os filhos, nem com as filhas. Nas escolas não se ensina, nas igrejas não se ensina, então, as pessoas ficam vulneráveis e, às vezes, engravidam sem querer engravidar. Então, vamos fazer esse debate. Certamente o governo participará desse debate, não ficará fora. Agora, a minha posição é exatamente essa.

Jornalista Celso Teixeira – TV Record: Presidente, quando o senhor fala que “é uma questão de saúde pública”, o senhor está falando que o senhor acha que deve haver uma legislação sobre o assunto?

Presidente: Já tem legislação sobre o assunto. A legislação brasileira já define os casos em que a pessoa pode fazer o aborto.

Jornalista Celso Teixeira – TV Record: O senhor acha que essa legislação deve ser ampliada, Presidente?

Presidente: Eu acho que essa legislação não trata da veracidade dos acontecimentos no País. Todos vocês sabem, todo cidadão católico ou não, cristão ou não, sabe que existe no Brasil uma quantidade exagerada de jovens, de pessoas que praticam abortos, porque tiveram uma gravidez indesejada, não é apenas porque foram violentadas. Às vezes, ficaram grávidas e não querem ter um filho. Ora, quando essas pessoas se encontram nessa situação, o poder público faz o quê? Abandona? Deixa essas pessoas tentarem experiências com o seu pouco conhecimento? Ou o Estado intervém para ajudar essas pessoas a terem um tratamento adequado? Eu defendo que o Estado dê um tratamento adequado.

Jornalista Celso Teixeira – TV Record: Obrigado, Presidente.

Franklin Martins: Próxima pergunta, do Sandro Lima. Eu queria chamar logo a Luciana para ocupar, aqui, o microfone.

3. Jornalista Sandro Lima – Correio Braziliense: Bom dia, Presidente. Nós sabemos que o Congresso Nacional é que vai decidir se o senhor poderá concorrer ou não a um terceiro mandato consecutivo em 2010. Mas, antes que a Constituição permita, o senhor não é obrigado a disputar. O senhor pode decidir não disputar ainda que a lei lhe dê esse direito. Sua posição, historicamente, tem sido contra a reeleição, o senhor tem a oportunidade de esclarecer esse assunto de 2010 de uma vez por todas. Presidente, o senhor garante que não vai disputar um terceiro mandato em 2010, mesmo que a lei permita? O senhor assume publicamente, aqui, esse compromisso?

Presidente: Bom, quem tem que explicar é quem inventou isso. Eu, na verdade, tenho dito o seguinte: eu não brinco com democracia, e aqui no Brasil todos nós aprendemos que não se pode brincar com democracia. Eu fui contra a reeleição até o momento em que a lei perdurou, e eu fui obrigado a ser candidato à reeleição porque a situação política exigia que eu fosse o candidato.

Eu quero dizer para vocês: sou contra e não serei candidato em 2010. Não é por nada não, é porque a Constituição não permite, a lei não permite e eu acho imprudente alguém tentar apresentar qualquer mudança, permitindo um terceiro mandato. Eu tenho dito aos partidos políticos que eu não posso falar mais disso este ano. Mas, se tiver prudência dos partidos políticos, a melhor reforma política que poderia acontecer seria acabar com a reeleição, aprovar um mandato de cinco anos. E se a pessoa fez um bom governo, cinco anos depois de ausência ela poderia voltar e concorrer a uma nova eleição. Mas então está definido, meu filho, por não brincar com a democracia, não serei, nem pensarei, nem cogitarei qualquer hipótese de terceiro mandato. Eu já era contra o segundo, imagine o terceiro.

Jornalista Sandro Lima – Correio Braziliense: Mesmo que um deputado apresente a ...

Presidente: Acabei de dizer. Acho imprudência e a minha orientação para a base é de que ninguém apresente qualquer projeto, o que eu acho uma provocação à democracia brasileira.

Jornalista Sandro Lima – Correio Brasiliense: Obrigado

Ministro Franklin Martins: Por favor, antes da Luciana fazer a sua pergunta, eu queria chamar a Luíza Damé.

4. Jornalista Luciana Verdolin – Jovem Pan: Bom dia, Presidente. Ontem o senhor disse que a greve do Ibama não prejudicaria o andamento das obras do PAC. A gente vê aí uma discussão, entre os Ministérios, de que precisa sair logo a questão das licenças ambientais do rio Madeira, porque senão a gente vai ter problema, mais para a frente, de energia elétrica. Não é uma forma de pressionar o Ibama, quando o Ministério de Minas e Energia fala que se não tiver o licenciamento das usinas, o governo vai investir em termelétrica, que é muito mais poluente, e não seria um desenvolvimento a qualquer custo, que a ministra Dilma Rousseff disse que não vai ser feito, que ninguém vai passar por cima de questões ambientais e que o desenvolvimento será feito, mas com responsabilidade?

Presidente: Essa pergunta me permite explicar duas coisas. Por que o Ibama está em greve? Houve redução do salário do Ibama? Alguém foi mandado embora? Alguém foi trocado de função? Não. Apenas porque a Ministra deu um sinal de que, depois de tantos anos de existência do Ibama, era preciso que houvesse uma modernização do Ibama. Eu compreendo que as pessoas e todos nós, inclusive vocês da imprensa, temos medo de mudanças. Eu me lembro que quando Oswaldo Cruz criou o remédio para combater a febre amarela, no Rio de Janeiro, queriam linchá-lo. Eu me lembro que até hoje, quando a gente quer combater a dengue e monta mutirões para visitar as casas e pedir para não deixarem garrafa, não deixarem pneu, tem quem não abra a porta da casa para as pessoas entrarem para ver quando, na verdade, o responsável é a pessoa que deveria limpar a própria casa, porque não existe comprimido, não existe vacina. O que existe é um processo de limpeza que cada um tem que fazer.

Então, por que o Ibama está em greve? Eu não sei, eu só sei que a ministra Marina, depois de quatro anos de experiência no Ministério, propôs fazer mudanças, separar o que é licenciamento daquilo que é preservação dos parques, porque não adianta você demarcar parques e depois não colocar ninguém para cuidar disso, não ter dinheiro para transformar aquilo numa área de lazer. E nós estamos transformando isso. Foi isso que ela fez, a mudança. As pessoas deveriam pelo menos permitir que as mudanças fossem introduzidas para saber se alguém vai ter prejuízo ou não.

Segundo, eu acho que não vai prejudicar o que nós estamos fazendo. Vocês estão lembrados que, na entrevista do PAC, a ministra Dilma falou da hidrelétrica de Estreito, que tinha um problema. Já não tem mais problema, já foi resolvido o problema da hidrelétrica de Estreito, ela vai ser feita e logo, logo estará havendo licitação para que os empresários comecem a obra. A mesma coisa, a hidrelétrica do rio Madeira. O que nós queremos na Santo Antônio e na Jirau? Veja, são duas hidrelétricas importantes para o País, são obras que vão custar acima de 9 bilhões de reais, são obras que vão gerar acima de 3 mil e 500 megawats, cada uma delas, e são obras necessárias para o futuro deste País, a partir de 2012. O que eu não posso é deixar o governo em 2010 e o meu sucesso pegar um apagão. Nós temos que trabalhar pensando dois, três, quatro, cinco, seis anos para a frente, para que a gente possa resolver o problema. E obviamente que dizer “não vai faltar energia” significa a gente tentar fazer todas as usinas hidrelétricas não-poluentes, renováveis e as mais baratas. Se não der certo, quais são as alternativas que nós temos? Nós temos eólica, nós temos biomassa, nós temos termelétrica a carvão, a gás, a óleo diesel e a óleo combustível e temos energia nuclear. Não existe outra hipótese.

Agora, eu vou dar um dado para você ver como este País, às vezes, deixa de discutir os temas sérios. Você sabia que o estudo da hidrelétrica de Belo Monte ficou proibido 20 anos por uma liminar? Não é fazer a hidrelétrica, alguém entrou com uma liminar proibindo que os estudos fossem feitos, por 20 anos. Nós conseguimos agora derrubar a liminar e estamos fazendo o estudo. Ora, se para fazer uma hidrelétrica com 11 mil megawats precisa de um lago muito grande, vamos fazer com seis, com sete, com cinco, com oito, mas vamos fazer e vamos discutir, porque nós não queremos fazer uma hidrelétrica depredando o meio ambiente. Só tem sentido fazer se a gente combinar a produção de energia com o cuidado ambiental neste País.

Nós já resolvemos vários problemas da Santo Antonio e de Jirau, tem agora os problemas do Bagre. Se vocês saírem daqui e foram até Ipu, vocês vão perceber que lá foi feito um canal para que os peixes pratiquem a piracema, de 112 metros de altura, 112 ou 122, não tenho o número exato, mas são mais de 112 metros de altura. Um canal onde na época da piracema os peixes sobem, fazem o que têm que fazer e voltam, ou seja, em Santo Antonio e Jirau a escada que nós temos que fazer é de menos de 20 metros. Então, os peixes vão poder transitar livremente, fazer a piracema sobre a escada, procurar um afluente, e nós queremos preservar. Por isso é que não temos problema de discutir. Nós vamos discutir, mas queremos fazer as duas hidrelétricas combinando um projeto perfeito e bom com um projeto ambiental perfeito e bom, porque é isso que precisamos deixar para os nossos filhos.

Eu queria dar um dado para vocês. Eu acho que muitas vezes nós, leigos, discutimos assuntos sem saber a importância da coisa. O megawatt/hora de energia hidráulica custa 40 dólares; o megawatt/hora de energia da termelétrica de carvão custa 48 dólares, o megawatt/hora do gás natural custa 54 dólares; o megawatt/hora da energia nuclear custa 140 dólares, o megawatt/hora da eólica custa 145 dólares, o megawatt/hora do óleo combustível custa 230 dólares, e o megawatt/hora do óleo diesel custa 310 dólares. Está colocado que a hidráulica é a mais barata, a menos poluente e, por isso, nós precisamos ter o cuidado de fazê-la com o maior carinho possível. Foi por isso que criamos um conselho gestor no PAC, que é para a gente discutir semanalmente, quinzenalmente, mensalmente. Quando tem divergência, essa divergência acaba quando chega à minha mesa.

A Dilma e a Marina, a Dilma e o Ministro dos Transportes, a Dilma e o Ministro da Economia podem discutir o que quiserem. Vai ter um momento em que o assunto chegará à minha mesa. E na minha mesa há decisão e nós executamos aquilo. É isso que nós vamos fazer, por isso nós podemos afirmar ao povo brasileiro que não teremos apagão, porque vamos fazer tudo o que for necessário fazer neste País, dentro da lei e da ordem, dentro do respeito às instituições que nós mesmos criamos.

Eu vou dar um outro dado para você, que é importante para a imprensa ter em conta. O potencial hidráulico do Brasil é de 264 mil megawats. Isso equivale a um potencial de 76 bilhões e 948 milhões de barris de petróleo. É importante saber que a nossa reserva hoje é de 16 bilhões. Portanto, o que nós temos de energia hidráulica poderia ser quatro vezes mais o que nós temos de reserva de petróleo hoje.

Então, na hora em que os ministros não tiverem solução, nós levamos para o Conselho Nacional de Política Energética e, aí, o Conselho de Política Energética decide e está tudo resolvido.

Eu posso te dizer que o Brasil não terá apagão e que iremos fazer o que temos que fazer neste País para ter energia. As hipóteses, eu disse a você: citei o preço do megawatt/hora, portanto, temos uma escolha para fazer. E essa é a vantagem de ser governo: quando você é oposição, pode passar 10 anos discutindo. O governo, muitas vezes, tem 10 dias para decidir, e nós vamos decidir.

Franklin Martins: Antes da Luíza Damé fazer a sua pergunta, eu queria chamar o Guilherme Menezes para ocupar o microfone aqui na minha frente.

5. Jornalista Luíza Damé – O Globo: Bom dia, Presidente. O governo vai ter, pela frente, uma votação difícil e polêmica no Congresso, que é a prorrogação da DRU e da CPMF. Eu gostaria que o senhor fizesse uma análise sob dois aspectos: primeiro, os governadores prometem, ameaçam endurecer a votação se o governo não ceder em alguns pontos, especialmente na questão da divisão da arrecadação da DRU. Em que ponto o senhor pode ceder para atender os governadores? E o segundo ponto é que setores da base aliada ameaçam não votar projetos importantes para o País, preferencialmente DRU e CPMF, se não for resolvida a questão das nomeações para o segundo escalão. Quando isso deve ser resolvido e como é possível atender os 11 partidos aliados na divisão do segundo escalão?

Presidente: Primeiro, mesmo que eu tivesse o acordo feito com os governadores, eu não poderia te falar. Sabe por quê? Porque nós tivemos uma primeira reunião com os governadores no dia 6 de março. De lá para cá, o Ministro da Fazenda e o Ministro do Planejamento têm trabalhado as reivindicações dos governadores, obviamente que algumas serão atendidas. Eu estou pensando que, para o próximo mês, eu devo convocar os governadores para uma reunião, não tem data, mas eu espero que seja no próximo mês. Na próxima semana, o ministro Guido Mantega vai me apresentar uma primeira avaliação das coisas com que ele acha que é possível concordar, e eu não acredito que os governadores estejam fazendo qualquer pressão.

Os governadores estão fazendo aquilo que é papel deles. Eles querem levar mais dinheiro para os seus estados, como os prefeitos querem levar mais dinheiro para os municípios, e isso não é nenhum problema maior. Isso é um problema da democracia, é um problema da existência dos entes federativos, e nós precisamos apenas fazer essa combinação perfeita. E você sabe da relação... Eu duvido – aí eu vou dizer pela primeira vez – que tenha havido um momento em que o presidente da República teve a relação que nós temos com os governadores, e vamos estabelecer essa relação com todos os partidos, eu não quero saber quem é do PSDB, quem é do PFL, quem é do PT, quem é do PCdoB, quem é do PDT. Eu quero saber é que são governadores que têm compromissos com o seu povo, que têm pleitos a fazer e, dentro do possível, o governo vai atender essas pessoas. Essa é a primeira parte.

Todo mundo sabe, em sã consciência, que o Estado brasileiro não pode viver sem a CPMF e sem a DRU. Todo mundo sabe, porque se alguém tirar dinheiro da CPMF, nós vamos ter que tirar dinheiro do Orçamento e cortar o Orçamento. Esse é um dado concreto e objetivo, e as pessoas não podem... Eu digo isso de cátedra, porque de vez em quando, quando você é oposição, você vota pensando em prejudicar quem está no governo. E muitas vezes você esquece que você pode ser o governo e que a atitude pode lhe prejudicar no ano seguinte. Então, agir com responsabilidade é a única coisa que eu peço, nesse aspecto, para todos os congressistas.

A terceira e última coisa: não existe votação por nomeação de cargo. Quem quiser votar contra, atrás de nomeação de cargo, pode votar contra. O que eu estou propondo aos partidos políticos e, graças a Deus, estamos construindo uma harmonia, é construir uma coalizão neste País, que é diferente de distribuição de cargos. Se bem que os partidos políticos da base precisam ocupar os cargos que podem ocupar, mas não pode ser essa a condição sine qua non para que a gente monte essa coalizão. A coalizão tem que ser – vocês gostaram do sine qua non – montada, tem que ser preparada, para a gente construir um projeto para este País, e não para construir uma votação.

Vocês sabem que nós temos tido uma relação, a mais harmoniosa, com os partidos políticos. Toda semana temos reunião com o Conselho Político, que são os líderes mais os presidentes dos partidos. Eu tenho participado da maioria delas e vou participar de tantas quantas eu puder participar para que a gente construa, definitivamente neste País o hábito da coalizão. E você sabe que eu tenho disposição de conversar também com os líderes da oposição. Essa é a coisa interessante de quem não está pensando em nova eleição. Eu estou mais leve, eu posso te dizer que tiraram das minhas costas uns 30 quilos, porque você fica pensando na eleição e as pessoas que estão atrás de você ficam pensando na eleição. Eu não tenho que pensar nas eleições, o problema agora é de quem quer ser candidato em 2010, não é meu. Então, eu quero conversar com todos os partidos políticos.

Eu tive uma conversa com o presidente do PSDB e foi uma conversa interessante, foi uma conversa importante. O PSDB não precisa deixar de ser oposição ao governo, afinal de contas, todo partido pode fazer as críticas que quiser, é um direito de exercer o seu papel de partido de oposição. Agora, não pode haver confusão quando se trata de um projeto importante, de interesse do País. Aí não estarão me prejudicando, estarão prejudicando pessoas que não estão nem próximas da Presidência da República.

Essa combinação é que eu quero construir, e posso te garantir que estou com toda a disposição de conversar com todas as forças políticas, tenho conversado com senadores de vários partidos da oposição e acho que nós estamos nos dando bem. Agora, muitas vezes, é mais difícil do que eu gostaria que fosse, porque o exercício da democracia é difícil.

Imagine se para escrever o artigo que você vai escrever desta entrevista, você tivesse que fazer um debate dentro da redação com 30 jornalistas que não participaram, como seria mais difícil. Seria muito mais difícil porque pessoas que nem vieram aqui iriam dizer para você: “isso aqui você não pode publicar” ou “isso aqui você tem que carregar na tinta”. A democracia é isso. Às vezes eu mando um projeto para o Congresso Nacional que eu penso ser perfeito, mas quando chega lá um deputado acha que não é e faz uma emenda. Às vezes a emenda é para melhorar e nós precisamos aprender que isso é a melhor coisa que pode acontecer no mundo, é o exercício da democracia, porque este País viveu alguns anos em que o exercício da democracia não acontecia no nosso cotidiano e era bem pior. Poderia ser mais fácil para quem estava no governo, mas era muito pior par a sociedade.

Nós somos políticos para quê? Para enfrentar dificuldades, para debater, para enfrentar diversidades. Hoje eu estou muito mais à vontade para enfrentar tudo isso, inclusive aprovar a CPMF, aprovar a DRU com a base aliada, com os partidos de oposição e com o apoio dos governadores. Podem ficar certos de que isso vai acontecer.

Ministro Franklin Martins: Antes do Guilherme Menezes, do SBT, fazer a sua pergunta, eu queria chamar o Leandro Fortes, daCarta Capital, para ocupar o outro microfone.

6. Jornalista Guilherme Menezes – SBT: Bom dia, Presidente. O assunto ainda é a sucessão. O senhor acaba de dizer que tem mais de três anos de mandato pela frente. O segundo mandato mal começou, mas a gente sabe que em política, quem não faz estratégia não colhe lá na frente, e o senhor, com certeza, não vai abrir mão do seu papel de líder político e de querer influenciar a política brasileira, ninguém tem dúvida disso.

Então, a pergunta que eu faço é a seguinte: o senhor estaria disposto ou o senhor acha que um presidente eleito pelo PT está obrigado a apoiar um candidato do PT ou o apoio do senhor poderia estar ligado à lógica da montagem da sua base política que privou o PT de algum espaço para beneficiar os aliados? Quem o senhor vai apoiar, na medida em que o senhor descartou a possibilidade da terceira eleição?

Presidente: Primeiro, nenhum partido privou o PT de algum espaço. O PT tem o privilégio de ter o cargo mais importante da República, que é o de presidente, mais do que isso é querer muita coisa. Além disso, todos os partidos participam do governo em função da proporcionalidade da sua representação na sociedade brasileira, e o candidato que sairá da base deverá ser discutido entre todos os partidos que compõem a base. Eu digo sempre o seguinte: eu quero terminar o meu mandato em 2010 na condição daquele que os candidatos chamem para ir para o palanque, porque é duro você terminar um mandato e ninguém te chamar para nada, as pessoas te esconderem, fingirem que você não é do partido, não citarem o seu nome, não o convocarem para a televisão. Eu quero ser um presidente diferente. Quando chegar a eleição de 2010, eu quero estar tão afiado que as pessoas vão pedir para eu ir ao palanque: “Vamos lá Lula, vamos fazer um comiciozinho, não sei das quantas”. É assim que eu quero terminar o meu mandato e é para isso que eu vou trabalhar. A base vai ter um candidato e esse candidato, na minha opinião, deve ser tirado de um consenso da base para que a gente possa disputar as eleições.

Jornalista Guilherme Menezes – SBT: Não precisa ser alguém do PT?

Presidente: Necessariamente não. Se eu estou dizendo que é um candidato da base, e a base tem vários partidos políticos, vai ser um candidato da base, de dentro da base. Hoje a gente erra só se quiser, porque você tem pesquisa, você tem estudo científico que pode dizer: olha, quem tem mais possibilidade é esse, quem tem possibilidade de crescer é esse, quem vai crescer é aquele, e preparar o tipo de discurso que as pessoas têm que fazer. Hoje, uma campanha tem métodos científicos importantes. E eu acho que nós estamos numa condição favorável.

O que eu posso dizer para vocês é que toda a minha expectativa e tudo o que eu acredito que vai acontecer é que nós terminaremos o segundo mandato numa condição eminentemente mais favorável do que terminamos o mandato de 2006. E o Brasil estará economicamente, politicamente e socialmente infinitamente melhor do que esteve em 2006. Portanto, as condições serão muito mais favoráveis. Obviamente que sempre haverá alguém jogando uma casca de banana, sempre haverá alguém jogando uma pedra, mas isso faz parte da política. O que eu preciso é colocar um sapato com umas travinhas para não escorregar nas cascas de banana que me jogam todo santo dia. Eu também aprendi muito, também fiquei calejado, também aprendi a saber quem é quem na política brasileira e acho que por isso eu estou mais tranqüilo para fazer as coisas corretas.

Jornalista Guilherme Menezes – SBT: O senhor faz sucessor?

Presidente: Meu Deus do céu, eu esqueci de perguntar para o Papa, mas eu posso dizer para vocês que eu quero fazer o sucessor, e por uma razão muito simples: porque eu quero que tenha continuidade o que nós estamos fazendo no País. Só isso. Eu trabalho para fazer. Agora, entre trabalhar para fazer e dizer que vou fazer, não tenho esse poder.

Ministro Franklin Martins: Antes do Leandro Fortes, da Carta Capital, fazer a pergunta, eu queria chamar o Paulo de Tarso, do Valor Econômico, para ocupar este microfone.

7. Jornalista Leandro Fortes, Carta Capital: Presidente, bom dia. Sobre esse hábito de coalizão ao qual o senhor se referiu, eu queria lhe fazer uma pergunta específica sobre isso. No início do segundo mandato, o senhor trouxe para o governo, por exemplo, o deputado Geddel Vieira Lima, que lhe desancava sem maiores pudores durante a crise política do mensalão em 2005/2006. Recentemente o senhor surpreendeu a todos trazendo também o professor Mangabeira Unger, que não só lhe desencava publicamente como também escreveu um artigo pedindo o seu impeachment, por nomeá-lo, designá-lo como chefe do governo mais corrupto da história.

Então, eu lhe pergunto: essa coalizão feita nesses termos, essa coalizão feita a qualquer custo, levada, enfim, a todas as conseqüências por conta da governabilidade, do exercício da governabilidade, primeiro, se ela lhe provoca algum desconforto em relação a esses nomes. E, segundo, se o senhor não acha que isso vai acabar lhe criando mais problemas do que soluções, ao longo do seu mandato.

Presidente: Uma coisa importante que temos que meditar é se nós, cidadãs e cidadãos brasileiros, respeitamos o resultado das eleições ou se vamos ficar discordando, porque as pessoas que nós queríamos que fossem eleitas não foram. O presidente da República, no exercício do seu mandato, não governa com as forças que gostaria de governar, ele governa com as forças vivas que compõem as organizações políticas da sociedade civil e dos partidos políticos. Isso vale para um prefeito, vale para um governador e vale para o presidente da República.

Segundo, obviamente que quando você faz aliança política, ela tem preço, e eu vou lhe dar um exemplo. Eu perdi três eleições, e cada eleição que eu perdia, eu perdia por 15%. Chegou um dia em que alguém me convenceu de que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar o PT, que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar os 30% ou 35% que eu tive em todas as eleições. Era preciso que eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que faltavam. E eu me preparei e ganhei a eleição. Da mesma forma, na hora em que você vai montar a coalizão, eu não fiz acordo com pessoas individualmente, eu fiz acordo com partidos políticos e, portanto, cabe ao partido político indicar as pessoas que vão fazer parte do governo, desde que as pessoas – e todo mundo que é indicado passa por um critério que pode ter ou não problema – estejam aptas para exercer a sua função.

Ora, eu queria fazer a coalizão porque queria o PMDB como um todo e não o PMDB fracionado. Eu queria o PMDB na sua totalidade, com os seus deputados, com os seus senadores e com a direção do partido. Eu não queria um PMDB que tivesse 40 deputados de um lado, 40 deputados do outro, 10 senadores de um lado, 10 senadores do outro. Eu queria o todo do PMDB, como eu quero o todo do PR, como eu quero o todo do PRTB, e assim a gente monta o governo. Se essas pessoas forem me dar problema, as do PT e as que não são do PT, os partidos irão tomar posições em relação a elas. Até agora todas estão a contento. O fato de a pessoa ter sido contra o presidente da República em outro período, ela tinha que ser contra porque não fazia parte da coalizão. Agora, ela faz parte da coalizão e você vai ver essa pessoa, pelo Brasil afora, defendendo o governo e defendendo o presidente Lula. A mesma coisa, o Mangabeira Unger, que vem para um trabalho específico de pensar este País para o ano de 2022, que é o ano em que a gente completa 200 anos de Independência. Eu pretendo apresentar um projeto para o Brasil, quero mandar esse projeto para a Câmara dos Deputados e para o Senado para que seja votado e possa parecer quase que uma espécie de constituinte de obras. Qualquer pessoa que vier a governar este País, poderá fazer a obra que lhe der na cabeça, mas tem aquelas obras que são prioritárias, são necessárias para o País.

Ora, na medida em que o partido do Mangabeira Unger, que tinha o vice-presidente da República e tem o vice da República, o indica para uma função que eu queria criar, ótimo. Vamos ver o que o Mangabeira vai fazer daqui para frente, vamos ver o que os ministros vão fazer daqui para frente. O que fizeram para trás, faz parte do passado.

A segunda coisa, meu querido, é a seguinte: muita gente vai engolir o que disse do governo, com muita tranqüilidade. Nada como um pouco do passar do tempo para as coisas irem se assentando. E todo ser humano é plausível de erro. As pessoas podem errar. Eu já fiz julgamento precipitado de quantas coisas? Eu me lembro que quando o Sarney lançou a Ferrovia Norte-Sul, eu me esgoelava no Congresso Nacional contra a Ferrovia Norte-Sul, eu e outras pessoas. Tanto é verdade que ela ficou, de 1987 até agora, com apenas 215 quilômetros construídos. Eu, que era contra em 1987, já fiz em quatro anos mais do que todos os presidentes que começaram em 1987.

Então, eu penso que o ser humano é assim: nós falamos uma coisa hoje, amanhã percebemos que estamos errados e humildemente temos que reconhecer que erramos, pedir desculpas do que fizemos, fazer autocrítica e tocar o barco para frente. O que a gente não pode é ficar com o passado como se fosse uma espada na cabeça das pessoas, sem permitir que elas possam evoluir.

Esses dias eu peguei um estudo sobre o que diziam da hidrelétrica de Itaipu. Se vocês puderem, peçam aos dirigentes de Itaipu para mandar, e vocês vão ver que coisa fantástica. Lá estão dizendo que vai ter tremor, lá estão dizendo que vai aumentar a ventania, lá estão dizendo que vai acontecer uma série de coisas que não aconteceram desde 1974. Então, na política é a mesma coisa. As pessoas dizem uma coisa hoje, amanhã têm que reconhecer que erraram. E eu acho que, graças a Deus, o mundo é assim. Graças a Deus, nós temos inteligência para não ser os donos da verdade e ser uma espécie de metamorfose ambulante, mudando sempre, nos aprimorando sempre, para melhorar sempre. O que eu posso te garantir é que eu continuo, hoje, o mesmo Lula de janeiro de 2003.

Franklin Martins: Antes do Paulo de Tarso, do Valor Econômico, fazer a sua pergunta, eu queria chamar o Jorge Svartzman, da Agência France Presse.

8. Jornalista Paulo de Tarso – Valor Econômico: Presidente, bom dia. Um dos cenários econômicos que parece consolidado é a questão do câmbio. Com o dólar a cerca de 2 reais, e com a classificação do Brasil como investment grade, a tendência é que o real fique ainda mais valorizado perante a moeda americana. A nossa pergunta é: que medidas o governo vai apresentar aos empresários brasileiros que estão perdendo competitividade no exterior, com esse cenário?

Presidente: Primeiro, se eu pudesse te responder com essa facilidade toda, eu já teria feito o que tem que ser feito. Primeiro, nós temos que reconhecer uma coisa que o ministro Guido Mantega disse para vocês, outro dia, em uma entrevista. A gente fica dizendo que o real está valorizado sem reconhecer que o dólar está se desvalorizando diante de quase todas as moedas do mundo. Segundo, nós não podemos resolver o problema do câmbio como alguns querem que a gente resolva: “Ah, cria o câmbio para agricultura, cria o câmbio-soja, o câmbio-automóvel, o câmbio-parafuso”, não dá. O câmbio vai continuar sendo flutuante e vai se ajustar. Já faz algum tempo que ele está na casa dos 2% e vai se ajustar.

O que nós precisamos é ter medidas tributárias para que a gente possa permitir que as empresas brasileiras que produzem e competem com um produto, normalmente chinês, no mercado internacional e estão perdendo competitividade, possam ter mais competitividade. Ao mesmo tempo, nós temos que incentivar essas empresas a adotarem inovação tecnológica, porque seremos mais competitivos com mais tecnologia moderna. É isso que temos que fazer. O dólar vai se ajustar na medida em que a gente comece a importar mais bens de capital, na medida em que a gente comece a reduzir a taxa de juros, que está sendo reduzida e vai continuar sendo reduzida. Agora, não tem milagre.

Eu quero dizer para as pessoas que estão perdendo competitividade que o governo fará a sua parte. O governo pode aumentar a alíquota de produtos importados, pela OMC nós poderemos chegar até 35% na taxação de determinados produtos. Já fizemos isso no setor têxtil, poderemos fazer para outros setores. Nós poderemos criar políticas para estudar a desoneração de alguns setores aqui dentro, mas não tem como o governo, num passe de mágica, dizer: olha, para esse setor sobreviver, o dólar vai ser tanto. Não tem, o que nós precisamos saber é que não estamos competindo com a Alemanha ou com os Estados Unidos, estamos competindo com a China e as condições da China, do ponto de vista da relação trabalho/capital, é muito mais favorável do que a relação aqui dentro do Brasil.

Por isso é que eu votei para que a China fosse transformada em economia de mercado. Por quê? Nós precisamos levar a China para a OMC e fazer com que a China faça um debate junto com todos os demais países que concorrem com ela, o que não pode é a China ficar de fora, do jeito que está hoje. Mas eu estou tranqüilo e acho que o câmbio, veja, não adianta a gente ficar nervoso não, faz seis meses que eu discuto a questão do câmbio neste País, com amplos setores da sociedade, com empresários dos mais diferentes setores, e não tem milagre.

De vez em quando eu pergunto para as pessoas: vocês querem o câmbio fixo? Não. Então, meu caro, vamos deixá-lo flutuar. Vamos tratar de ordenar um aumento das importações brasileiras para que a gente tenha menos dólares, a política de juros vai sendo reduzida, nós vamos ter menos dólares. Agora, na medida em que o Brasil vai consolidando a sua economia, podem ficar certos de que nós vamos precisar aprender que mais dólares vão entrar aqui.

Veja que interessante, acabou o tempo em que os homens da economia deste País precisavam correr todo final de ano para Washington para conseguir uma migalhazinha do FMI para fechar a nossa conta. Nós, agora, estamos tentando ver como gastar um pouco dessa quantidade de dólar que temos, porque uma reserva de 125 bilhões de dólares, um saldo comercial de mais de 40 bilhões de dólares, um superávit de conta corrente de mais 14 bilhões de dólares, inflação baixa, é tudo o que os brasileiros não estavam preparados e graças a Deus nós conquistamos tudo isso. Agora, é continuar andando sem emoções e sem inventar, fazendo o que tem que ser feito.

Jornalista Paulo de Tarso – Valor Econômico: Mas tem prazo para essas medidas, Presidente?

Presidente: Não, não tem prazo. Veja, essas coisas nós vamos discutindo. Veja que nós estamos discutindo desoneração. Nesses últimos meses, você vai perceber que até o final de 2006 nós desoneramos praticamente 22 bilhões de reais neste País. A construção civil não estaria crescendo como está se nós não tivéssemos adotado um pacote para a construção civil. Nós acreditamos que com o PAC, com outras medidas que vamos tomar, a economia vai crescer ainda mais, nós vamos gastar um pouco dos dólares que temos aí. Se antes a gente corria atrás para pegar dólar, e o banco tinha que vender dólar para baixar o preço, hoje nós estamos comprando para o dólar não baixar e estamos comprando muitos dólares. Eu quero que a gente, ao invés de ficar comprando dólares, aumente a importação de bens de capital para modernizar a indústria nacional. É isso que vai dar à indústria nacional competitividade, para que a gente possa disputar com os mercados mais desenvolvidos.

Ministro Franklin Martins: Antes do Jorge Svartzman, da Agência France Presse fazer a sua pergunta, eu queria chamar o Marcos Roberto Silva, da Rede TV para ocupar este microfone aqui.

9. Jornalista Jorge Svartzman – Agência France Presse: Bom dia, Presidente. Eu ouvi muitas vezes o senhor falar, dizer que o Brasil não é um país imperialista, mas temos o Evo Morales, que lidera simbolicamente a ocupação das usinas da Petrobras; temos o presidente Fidel Castro e Hugo Chávez, que consideram o plano do biocombustível bom só para os monopólios; temos líderes no Paraguai, que consideram que o Brasil pega energia barata de Itaipu. Então, eu queria saber como o senhor avalia essas atitudes e se considera que elas podem ameaçar ou enfraquecer a integração regional, nos termos que o senhor a concebe.

Presidente: Você poderia falar dos líderes brasileiros que também não concordam com muitas coisas que o Brasil faz. Você poderia dizer que, entre Argentina e Brasil, tem argentino que não gosta do Brasil e tem brasileiro que não gosta da Argentina. Você poderia pegar 500 exemplos de coisas para mostrar que nós temos problemas, mas isso também faz parte do processo democrático.

Historicamente esses países todos viram o Brasil como um país imperialista, ou seja, é o maior país do continente, a maior economia do continente, o país mais desenvolvido. Então, era normal que os países de menor poder econômico e de menor desenvolvimento vissem no Brasil uma espécie de imperialista, ou seja, tudo o que acontece de ruim é culpa do Brasil. Quando chegamos à Presidência da República e, logo em seguida, foi eleito o Kirchner, foi eleito o Nicanor, e foram eleitos outros presidentes da América do Sul, estabelecemos entre nós a idéia de que era preciso construir uma outra dimensão da política de integração para a América do Sul, de que gostaríamos de construir uma parceria e não uma hegemonia, mas também não poderíamos esquecer os problemas que temos. Veja, por exemplo, os problemas das divergências entre a Argentina e o Uruguai, e nem por isso eles deixam de ser dois países irmãos. Afinal de contas, são quantos milhões de uruguaios que moram na Argentina? São 400 mil brasileiros que moram no Paraguai, são 100 mil bolivianos que moram no Brasil.

Então, nós temos que levar em conta a existência de algo que supere as nossas divergências do século XIX, para que a gente possa construir as convergências do século XXI. Isso está claro. Agora, o fato de isso estar claro no nosso discurso não me faz cego diante da necessidade histórica da Bolívia ser dona do seu gás. É importante lembrar que não foi decisão do Evo Morales. Antes do Evo tomar posse, um plebiscito na Bolívia, com mais de 90%, decidiu que o gás seria nacionalizado. Na hora em que o Evo achou que era importante comprar a refinaria da Petrobrás, a Petrobrás resolveu vender e fizeram um acordo, para mim está tranqüilo. Eu acho que a riqueza mineral da Bolívia é da Bolívia, ele a vende para nós se quiser vender. Nós temos contrato. O que eu quero é que quando estabelecermos um contrato, esse contrato seja respeitado. E não é um problema com o Brasil. Veja que o problema que acontece com o Brasil acontece com a Argentina e acontece, na seqüência, com o Chile, porque na hora em que falta gás na Argentina, falta gás no Chile. Na hora em que fecha o gás no Brasil, é só o Brasil que é prejudicado.

Até agora não temos problema com o gás da Bolívia, até agora o Brasil está recebendo, o Brasil está trabalhando dentro do Plangás para que o Brasil seja auto-suficiente na produção de gás. E vamos manter a nossa relação com a Argentina, com o Paraguai.

Eu viajei, esses dias, quatro horas com o presidente Nicanor, e eu dizia a ele: é importante ter em conta que um tratado internacional, ou nós o respeitamos ou, na hora em que a gente começar a quebrar esses tratados internacionais, a relação entre Estados ficará difícil de ser feita. Agora, eu não posso impedir que as pessoas encontrem um culpado para os seus problemas.

Durante muito tempo, todo discurso que eu fazia era de que o imperialismo americano era o responsável pela minha pobreza, o imperialismo americano era responsável pelo meu analfabetismo. E, de repente, eu descobri que o problema não é do imperialismo desse ou daquele, o problema é do imperialismo da nossa elite, que durante séculos governou os países deste continente e não fez nenhuma política de distribuição de riqueza, não pensou o desenvolvimento do País e não fez os investimentos necessários. Então, para que ficar culpando os outros, se a gente poderia olhar para dentro do nosso umbigo e perceber que o defeito está em nós mesmos?

Jornalista Jorge Svartzman – Agência France Presse: A impressão é de que essa posição foi ouvida pelos seus interlocutores, pelo Chávez, pelo Evo Morales?

Presidente: Veja, eu não tenho ilusão de que essas compreensões são demoradas. O Chávez tem sido um parceiro inestimável do Brasil, sob todos os aspectos. O fato de alguém se posicionar contra o biocombustível é um problema de quem se posiciona contra. O Chávez é comprador de etanol do Brasil, como outros países serão compradores de etanol de outros países do mundo. Quando eu penso no biodiesel e no etanol, fico olhando o Nordeste brasileiro, fico olhando o Vale do Jequitinhonha, fico olhando os países da América Central, que serão os beneficiários de uma nova matriz energética.

Mas a minha cabeça fica voltada para o continente africano, porque é a grande chance de o continente africano se desenvolver, na hora em que o mundo desenvolvido resolver introduzir 10% ou 15% de álcool na gasolina, ou introduzir, nos seus caminhões e nos seus carros, o óleo diesel produzido de oleaginosa, já que somente nós temos terra, sol e gente para trabalhar. Isso é quase um milagre, e eu acho que o mundo vai se curvar diante disso.

Eu, agora, vou para o G-8, e a discussão lá é sobre o aquecimento global. Então, vamos desaquecer o Planeta utilizando mais álcool e mais biodiesel, vamos desaquecer o Planeta plantando mais girassol, plantando mais mamona, plantando coisas que possam significar o seqüestro de carbono, porque até agora, o dinheiro que prometeram para os países pobres, não deram. O Brasil não aceita lição porque o Brasil tem a ensinar. Nós, em 2 anos, reduzimos o desmatamento na Amazônia em 52%, e vamos continuar diminuindo o desmatamento porque a Amazônia, não só é nossa, como queremos que ela seja preservada na sua maioria, porque é de interesse soberano deste País. Mas tem outro remédio: se as empresas quiserem deixar de utilizar combustível fóssil e utilizar combustível vegetal, os países pobres do mundo estão de braços abertos oferecendo terra, água, sol, tecnologia e mão-de-obra qualificada para que a gente possa mudar o Planeta.

Ministro Franklin Martins: Antes do Marcos Roberto, da Rede TV, fazer a sua pergunta, eu queria chamar o Fernando Rodrigues para ocupar o outro microfone.

10. Jornalista Marcos Roberto Silva – Rede TV: Bom dia, Presidente. A respeito do crescimento do plantio da cana-de-açúcar para produção do etanol, eu queria saber como o governo brasileiro vai agir para evitar a exploração da mão-de-obra escrava que, atualmente, é utilizada nessas lavouras, a queimada da cana antes do corte, que acaba provocando o fechamento de aeroportos pelo País afora, e exatamente como conter esse desmatamento que pode até voltar a acelerar. O senhor disse que teve uma redução e pode voltar a acelerar por conta dos usineiros que querem mais lucros.

Presidente: Esses dias eu disse ao Ministro da Agricultura, disse à ministra Dilma Rousseff e disse a dois empresários do setor do álcool que encontrei em São Paulo que agora que já consolidamos o álcool, no mundo, pelo menos conceitualmente como uma matriz energética de qualidade excepcional, é preciso que a gente dê o segundo passo para discutir a humanização do setor da cana neste País, estabelecer uma discussão com os empresários e com os trabalhadores para humanizar, para criar melhores condições de trabalho para que as pessoas possam ser profissionais e cidadãos na sua plenitude. Esse é o segundo passo que vamos dar.

Agora, preste atenção em uma coisa: nós temos outros ingredientes a nos preocupar com relação a isso. Nós estamos pensando, e está dentro do PAC, a construção do aqueduto que sai aqui da região Centro-Oeste e vai até o porto de Santos. Nós estamos vendo projetos e mais projetos, são mais de 76 novas usinas a serem instaladas no País. O biodiesel está crescendo de forma, eu diria, extraordinária, mais do que a gente imaginava que fosse crescer. Nós imaginávamos que iríamos chegar em 2008 a 840 milhões de litros de biodiesel produzidos, que é a quantidade necessária para introduzir o B-2 no óleo diesel, e já atingimos essas metas agora, numa demonstração de que, quando a coisa é boa, ela foge do controle esquemático, porque muita gente quer produzir. O que estamos discutindo, agora, com a Petrobras? Nós precisamos dar dois passos. Nós precisamos estabelecer uma espécie, eu diria, de estoque regulador do álcool no Brasil, porque na medida em que a gente

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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