Medida provisória não garante estabilidade no emprego para quem aceitar redução salarial ou suspensão do contrato

Medida provisória não garante estabilidade no emprego para quem aceitar redução salarial ou suspensão do contrato

Por Daniel Camargos, no Repórter Brasil

Apesar de o governo federal anunciar que MP 936 dá garantia de estabilidade aos trabalhadores que aceitarem corte salarial, medida cai em contradição e prevê uma indenização extra para empregadores que demitirem durante "a estabilidade"

Editada pelo governo como forma de garantir empregos e evitar demissões durante a pandemia do novo coronavírus, a Medida Provisória (MP) 936 não garante estabilidade no cargo aos trabalhadores que aceitarem a redução salarial temporária ou a suspensão do contrato. 

Publicada na última quarta-feira (1º), a medida estabeleceu os critérios de como devem ser realizadas as reduções salariais e de jornada por até três meses. Em seu artigo 10, o governo diz que "fica reconhecida garantia provisória no emprego" pelo mesmo período do acordo - ou seja, o trabalhador que tem redução salarial por dois meses, teria, na volta, seu emprego garantido por outros dois meses. No entanto, um parágrafo deste mesmo artigo permite a demissão sem justa causa, desde que seja paga uma indenização (além dos benefícios rescisórios já previstos na legislação trabalhista).

 

"É uma falsa estabilidade. Esse artigo [da MP] é uma contradição. Primeiro determina que há uma garantia de emprego e depois diz que pode dispensar", afirma à Repórter Brasil o advogado trabalhista Fernando Hirsch, do escritório LBS. O especialista entende que a MP relativiza o conceito de estabilidade após o acordo com o patrão.

 

O desemprego cresceu no Brasil antes da pandemia de coronavírus, segundo o IBGE, e atinge hoje 12,6 milhões de brasileiros (foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

Para a juíza do trabalho Valdete Souto Severo, presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), a garantia alardeada pelo governo é um disfarce. "Um doce que alguém dá, diz que é bom, mas todo o resto é ruim", exemplifica.

 

Essa indenização pela demissão dentro do período de garantia prevê pagamentos de 50% a 100% do tempo faltante para terminar o período de estabilidade, dependendo da suspensão ou da redução salarial proposta por conta da pandemia. Na legislação trabalhista, em todos os casos, a garantia é de pagamento integral do período de estabilidade.

 

Como não se sabe quanto tempo durará a pandemia e o isolamento social, a tendência das empresas pode ser segurar os empregos, na avaliação de Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Ele diz que, se a crise persistir, os funcionários que assinaram o acordo de redução salarial podem ser demitidos ainda na "estabilidade". "As empresas vão preferir pagar a multa e mandar o trabalhador embora", lamenta.

 

O advogado Fernando Hirsch concorda. Em sua avaliação, empresas que têm pouco capital de giro ou poucos recursos para pagarem as demissões podem recorrer à "falsa estabilidade" para continuarem dispensando seus trabalhadores. Podem demitir alguns agora, e segurar outros com a ajuda do governo para demiti-los depois, caso a pandemia e o isolamento social demorem mais do que o previsto.

 

Severo, da AJD, compara a garantia com outras modalidades que já existem na legislação, como a proteção às gestantes e aos que sofrem acidentes no trabalho. Nos dois casos, a indenização é de 100% do período de estabilidade. Ou seja, se uma gestante tem 6 meses de estabilidade e é demitida no 3º mês, ela deverá receber como indenização 3 meses de salário, além das verbas rescisórias. No caso da medida provisória, a indenização de 100% do período de estabilidade acontece a quem tiver a suspensão do contrato ou corte salarial superior a 75%. Nos demais casos, a indenização é inferior à prevista na lei trabalhista.

 

Em tempos de uma possível crise econômica que pode ser a maior das últimas décadas, o impacto da não garantia de emprego após o acordo será grande. "É preciso manter a renda dos trabalhadores para que depois da crise tenhamos o mínimo de estabilidade para recuperar alguma normalidade", afirma Júnior, do Dieese.

 

A medida também recebeu críticas por ser voltada mais para as empresas do que para os trabalhadores. "Essa garantia oferecida pelo governo na MP é quase um deboche. É como se o governo estivesse convidando os empregadores a fazerem a demissão", afirma Severo, da AJD. Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) divulgou nota destacando a "docilidade" das exigências feitas aos empregadores.

 

"Nada impede que parte da força de trabalho seja dispensada de imediato", diz nota da Central Única dos Trabalhadores.

 

A edição da MP 936, assim como a edição da MP 927 - ambas editadas com o propósito de reduzir os impactos econômicos e trabalhistas da pandemia -, é, na análise do vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Luiz Antonio Colussi, um aprofundamento da reforma trabalhista aprovada em 2017 sob o governo de Michel Temer. Colussi lembra ainda de outros medidas, como a MP 881 (conhecida como MP da Liberdade Econômica) e a MP 905 (a que estabelece a carteira de trabalho verde e amarela), que também radicalizaram a perda de direitos trabalhistas.

 

"A idéia é sempre a mesma. Tirar as salvaguardas, como a participação dos sindicatos nas negociações, e fazer com o que o trabalhador negocie diretamente com o patrão", afirma o juiz. A MP 936 determinou que acordos de redução salarial e de jornada e de suspensão de contrato sejam feitas diretamente com o patrão -  sem intermediação dos sindicatos -, dependendo da faixa salarial. O que é considerado inconstitucional, já que viola o artigo 7º da Constituição.

 

"Diante dessa crise, que condição tem o trabalhador de negociar? Ele vai aceitar qualquer proposta do empregador e dizer amém", entende Colussi. Tanto ele, quanto Severo, da AJD e o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Hélder Santos Amorim, destacam a inconstitucionalidade dessa medida. "Vamos ajuizar uma Adin questionando a constitucionalidade desse acordo individual", diz Amorim.

 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu na segunda-feira (6) que as reduções de salário e jornada, assim como as suspensões de contrato de trabalho, só serão permitidas se a negociação individual entre trabalhador e patrão for comunicada ao sindicato da categoria em até dez dias. Caberá ao sindicato avaliar se deve iniciar uma negociação coletiva.

 

Após a publicação desta reportagem, o Ministério da Economia informou, em nota, que "a proibição em demitir, além de causar distorções quanto ao funcionamento da empresa e em sua produtividade, onerando principalmente os pequenos empreendedores, seria inconstitucional por violar a garantia de propriedade". Disse ainda que as indenizações previstas no caso da demissão seguem o ordenamento jurídico e que "o acordo individual não ofende a constituição, pois não reduz o salário hora do empregado". Por fim, a nota destaca que "por outro lado, frente a evidente (sic) queda no desempenho da economia, a demissão é um risco iminente".

Veja aqui a nota na íntegra: https://reporterbrasil.org.br/2020/04/integra-da-resposta-do-ministerio-do-trabalho-sobre-medida-provisoria/

 

Esta matéria também foi publicada no UOL.

 

NOTA DA REDAÇÃO: Esta matéria foi atualizada às 11h10 de 9/04/2020 para inserir a resposta enviada pelo Ministério da Economia

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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