Brasil recusa extraditar Cesare Battisti para a Itália

Brasil recusa extraditar Cesare Battisti para a Itália e concede a ele status de imigrante no país. No Brasil, em 31/12/2010, um dia antes de deixar a Presidência da República, Luis Inácio Lula da Silva decidiu não extraditar para a Itália o italiano Cesare Battisti, dando a ele o status de imigrante no território brasileiro. Isso quer dizer que Battisti não será mais um refugiado nem exilado político no Brasil.

Por ANTONIO CARLOS LACERDA

BRASILIA/BRASIL - PRAVDA.RU

14287.jpegO caso envolvendo a extradição do ativista para a Itália transformou-se em uma das maiores polêmicas da diplomacia brasileira durante o segundo mandato do presidente Lula.

Membro do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC), Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália pela suposta autoria de quatro assassinatos na década de 1970, mas a defesa nega o envolvimento do ex-ativista em assassinatos e acusa o governo italiano de perseguição política.

Battisti está preso no Brasil há quatro anos por decisão do Supremo Tribunal Federal, que acolheu pedido da Itália, onde foi condenado à prisão perpétua.

Battisti fugiu da Itália em 1981, refugiou-se no México e passou 11 anos como exilado político na França durante o governo de François Mitterand, mas teve o benefício cassado, e em 2004 chegou ao Brasil, como foragido, em busca de um último refúgio.

Já no Brasil, em 2004, a Segunda Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro condenou o Battisti a dois anos de prisão, em regime aberto, por ter entrado no país com passaporte falso. Battisti recorreu da condenação e o processo ainda está em andamento.

Segundo o Ministério da Justiça, Battisti pode cumprir a pena no Brasil, que envolve serviços comunitários e o pagamento de multa de dez salários mínimos (R$ 5,1 mil).

Com a decisão de Lula em não extraditar Battisti para a Itália, cabe agora ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre a libertação do italiano, que está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, onde aguarda a conclusão do processo de extradição, e o governo italiano pode recorrer ao próprio Supremo Tribunal Federal contra a decisão de Lula.

Segundo o primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, que vai continuar tentando a extradição do ex-militante da esquerda italiana, o Caso Cesare Battisti "ainda não está encerrado", já que, na sua opinião, a decisão do governo brasileiro "contraria ao mais elementar senso de justiça".

"Expresso às famílias das vítimas toda a minha solidariedade e me comprometo a dar prosseguimento à batalha para que Battisti seja entregue à justiça italiana", afirmou Berlusconi em comunicado.

O ministério italiano das Relações Exteriores chamou para consultas seu embaixador no Brasil, Gherardo La Francesca. O ministro da Defesa da Itália, Ignazio La Russa, classificou a decisão brasileira de "injusta e ofensiva" e afirmou que o governo italiano continuará tentando, pela via jurídica, a extradição do ex-militante, acusado de quatro assassinatos no país.

No dia 19 de novembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição de Battisti para a Itália, revogando a decisão do então ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio ao ativista italiano.

Por 5 votos a 4, os ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que o refúgio concedido pelo governo brasileiro a Battisti foi irregular. Os magistrados consideraram que Battisti não era um perseguido político e por isso não teria direito ao refúgio, mas, decidiram deixar a palavra final sobre a extradição ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula resolveu, então, só divulgar sua decisão a poucas horas de deixar a Presidência da República, para evitar que a presidente eleita, Dilma Rousseff, tivesse que deliberar sobre o caso.

 Como o Supremo Tribunal Federal tinha rejeitado o pedido de refúgio de Battisti feito pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi de não conceder a extradição, ou seja, não entregar Battisti à Itália.

Com isso, o italiano Cesare Battisti vira imigrante no Brasil e precisa entrar com o pedido de visto junto ao Ministério do Trabalho. Como Lula decidiu por sua permanência, a concessão do visto é praticamente automática.

A partir da concessão do visto, Battisti pode solicitar carteira de identidade, de trabalho e passaporte. Caberá agora ao Supremo Tribunal Federal emitir um alvará de soltura de Battisti, preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Segundo um interlocutor do governo, não cabe mais ao Supremo Tribunal Federal tomar decisões, apenas expedir o documento de libertação.

A decisão do Supremo pode ser monocrática, assinada pelo presidente do órgão, César Peluso, ou de plenário. Se Peluso optar pela reunião do plenário, a libertação ocorrerá só em fevereiro porque o órgão está de recesso. A decisão monocrática pode ser assinada a qualquer momento.

Pela decisão de Lula, Battisti pode sair do Brasil quando quiser para visitar outros países, mas correrá o risco de ser preso em eventual viagem a pedido do governo italiano.

O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, disse, um dia antes do presidente Lula decidir pela não extradição de Battisti, que seria inaceitável se o ex-ativista italiano Cesare Battisti não fosse extraditado pelo Brasil. "Será inaceitável se o Brasil não extraditar Battisti" disse Berlusconi em 30/12/2010.

Em Roma, o gabinete de Berlusconi destacou em nota que a possível preocupação com a deterioração do bem-estar de Battisti se ele fosse extraditado para a Itália deve ter influenciado a decisão de Lula, que declarou como "incompreensível e inaceitável".

"O presidente Lula terá de explicar a decisão, não apenas ao governo italiano, mas a todos os italianos e em particular às famílias das vítimas", acrescentou a nota do gabinete do primeiro ministro italiano.

A seguir, na íntegra, a nota do Governo do Brasil sobre a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em não extraditar para a Itália o ativista Cesare Battisti: "O presidente da República tomou hoje a decisão de não conceder extradição ao cidadão italiano Cesare Battisti, com base em parecer da Advocacia Geral da União. O parecer considerou atentamente todas as cláusulas do Tratado de Extradição, entre o Brasil e a Itália, em particular a disposição expressa na letra 'f', do item 1, do artigo 3 do Tratado, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditado. Conforme se depreende do próprio Tratado, esse tipo de juízo não constitui afronta de um Estado ao outro, uma vez que situações particulares ao indivíduo podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro manifesta profunda estranheza com os termos da nota da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, de 30 de dezembro de 2010, em particular com a impertinente referência pessoal ao presidente da República."

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, disse na quinta-feira (30/12/2010) que, antes de determinar o destino do italiano Cesare Battisti, o tribunal vai analisar os argumentos utilizados pelo presidente Lula, que deve negar sua extradição.

A decisão de Lula precisará passar por nova análise do Supremo Tribunal Federal, e isso só deve ocorrer em fevereiro, após as férias do Judiciário.

Defesa da Itália afirma que Lula cometeu crime de responsabilidade ao manter Battisti. O advogado Nabor Bulhões, que representa o governo da Itália no caso Cesare Battisti, afirmou que o presidente Lula cometeu crime de responsabilidade ao negar a extradição do italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por quatro homicídios ocorridos no final dos anos 1970.

"É crime de responsabilidade descumprir leis e decisões judiciais, como fez o presidente. Por isso o ato foi praticado no apagar das luzes do governo". afirmou Bulhões.

O advogado afirmou que estuda uma fórmula jurídica para questionar, no Supremo Tribunal Federal, a decisão do governo brasileiro, anunciada no último dia de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da Brasil, através de nota no Palácio do Planalto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, disse que a corte vai revisar a decisão de Lula.

A argumentação jurídica do governo Lula para manter Battisti no país está presente no tratado de extradição, de sete páginas, firmado entre Brasil e e Itália no final dos anos 80. Por ele, concede-se o refúgio quando "a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal, ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".

O argumento é semelhante ao usado pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, em janeiro de 2009, quando o governo brasileiro concedeu o refúgio. O ato - e o argumento - foi rechaçado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal naquele mesmo ano. "Esse assunto já foi superado", disse Nabor Bulhões.

Ainda segundo o advogado, o caso Cesare Battisti não se enquadra em nenhum ponto do tratado entre Brasil e Itália. Bulhões ressaltou ainda que três instâncias da Justiça italiana e a Corte Européia de Direitos Humanos consideram que os crimes atribuídos a Battisti comuns, não políticos.

Em declaração à imprensa, em 31/12/2010, o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse que Battisti "deve ganhar liberdade imediatamente" e que o ato do presidente da República "não é passível de exame pelo Supremo"

Perguntado se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal de ser o de expedir o alvará de soltura de Battisti, já que o presidente Lula decidiu não extraditá-lo, o ministro Marco Aurélio afirmou que "A prisão determinada pelo Supremo teve objetivo único: viabilizar a entrega. Mas, a partir do momento da decisão do presidente, o Battisti tem que ganhar a liberdade imediatamente. Isso é automático. É apená-lo demais esperar até fevereiro para ter a simples providência. E o ato do presidente da República não é passível de exame pelo Supremo, a não ser por um vício na manifestação da vontade. Mas, no pleno exercício do mandato, o Supremo não tem a capacidade".

Sobre a possibilidade de novo recurso, com base no Tratado de Extradição entre Brasil e Itália, o ministro Marco Aurélio disse que "O que nós temos aí é simplesmente a vinculação de uma defesa pela parte interessada. É o que nós chamamos de direito de espernear. O que sobressai é o ato político, de soberania, cumpre defini-lo ao presidente da República. Achar que o presidente não tem autodeterminação para definir a política internacional é um passo largo. O Judiciário não vai entrar nisso. Queremos ficar atuando segundo o direito posto, observando a Constituição federal, mesmo porque os poderes são harmônicos".

Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua pelos assassinatos de Antonio Santoro, Lino Sabbadin, Andrea Campagna e Pierluigi Torregiani. Em janeiro de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio político a Battisti.

A decisão de Tarso foi resultado de um recurso formulado pela defesa de Battisti. Ele alegava que não pôde exercer em sua plenitude o direito de defesa e sustentava que as condenações decorrem de perseguição política do Estado italiano.

No mesmo mês, Lula saiu em defesa do ministro dizendo que a ação era "questão de soberania nacional". No entanto, em novembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu anular o refúgio, ao considerar que os crimes cometidos por Battisti foram comuns, não políticos, mas, determinou que a decisão final seria do presidente Lula.

Na época do julgamento, Battisti chegou a fazer uma greve de fome de 10 dias em protesto ao que chamou de "retaliação tardia e injusta do governo italiano".

A Itália criticou o refúgio e o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, disse que "se realizou a pior previsão" e que a Itália "não deixará de tentar no plano jurídico e sobre qualquer outro aspecto permitido por lei, para que o Brasil volte atrás nesta decisão, por sorte não definitiva, que, além de ser injusta e gravemente ofensiva para a Itália, é, sobretudo, para a memória das pessoas assassinadas e para a dor dos familiares de todos aqueles que perderam a vida por responsabilidade do assassino Battisti".

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil. E-mail:- [email protected]

 

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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