Yanis Varoufakis: The Conversation com especialistas

Quando Yanis Varoufakis foi eleito ao Parlamento e depois nomeado primeiro-ministro da Grécia, em janeiro, embarcou em sete meses extraordinários de negociações com os credores do país e seus parceiros europeus.

Dia 6/7, os eleitores gregos apoiaram sua posição de não aceitar as imposições dos credores, com retumbantes 62% de votos NÃO aoultimatum da União Europeia. Na mesma noite, Varoufakis renunciou, depois de o primeiro-ministro Alexis Tsipras, com medo de uma saída do euro que em todos os casos seria difícil, decidiu pôr-se contra o resultado do referendo popular. Depois disso, a coalizão governante, Syriza, rachou; e foram convocadas eleições imediatas. Varoufakis ainda é membro do Parlamento e voz destacada na política grega e europeia.

Perguntado sobre o que pensava da decisão de Tsipras de convocar novas eleições, convidando o povo grego a avaliar seu próprio governo, Varoufakis disse:


"Se pelo menos se tratasse disso! Os eleitores estão sendo convocados para avalizar a decisão que Alexis Tsipras tomou na própria noite do referendo, de desrespeitar o voto de 62% dos eleitores gregos; para converter aquele corajoso NÃO, numa capitulação, sob o pretexto de que honrar a vontade dos gregos no referendo dispararia o Grexit. É o mesmo que pedir que o povo condene toda uma luta de ferrenha oposição a um programa econômico falhado que causa dano jamais visto à economia social da Grécia. A nova eleição é convite aos eleitores para que apoiem Tsipras e sua escolha de render-se, porque Tsipras entendia que render-se seria mal menor."


Convidamos nove conhecidos especialistas acadêmicos a fazer perguntas a Varoufakis, que se autodefine como "economista acidental". Suas respostas revelam arrependimento quanto à abordagem que adotou durante um 2015 dramático, avaliação bem dura do poder da França na Europa, medo pelo futuro do Syriza, a visão de que o Syriza está acabado, e dúvidas sobre até onde Jeremy Corbyn pode chegar, como líder do partido Labour britânico.




Anton Muscattelli, University of Glasgow
 - Por que o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras foi persuadido a aceitar as precondições da UE para o terceiro 'resgate', apesar da vitória decisiva do NÃO no referendo? Será o fim do caminho para a ala antiausteridade do Syriza na Grécia?

Varoufakis: Tsipras diz que foi tomado de surpresa pela determinação da Europa oficial em punir os eleitores gregos, pondo em operação o plano do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, para expulsar a Grécia da Eurozona, de redenominar os depósitos dos bancos gregos numa moeda que ainda nem estava pronta, e até proibir a circulação de euros na Grécia. Essas ameaças, independente de serem críveis ou não, causaram dano terrível à imagem da União Europeia como comunidade de nações e abriu uma fissura no axioma da indivisibilidade da Eurozona.

Como os senhores provavelmente ouviram, discordei de Tsipras, na noite do referendum, quanto à avaliação que ele tinha da credibilidade dessas ameaças; e renunciei ao cargo de ministro das Finanças. Mas mesmo se eu estivesse errado na questão da credibilidade das ameaças da troika, meu maior medo era, e continua a ser, que nosso partido, Syriza, fosse destroçado pela decisão de implementar outro programa de austeridade, do tipo que fomos eleitos para não aceitar. Hoje já é claro que meus temores eram justificados




Roy Bailey, University of Essex
 - O referendum surpresa de 5/7 terá sido concebido como um ponto de ameaça [orig. threat point] na negociação em curso entre Grécia e seus credores? O que você viveu ao longo do ano passado força você a ajustar suas ideias sobre Teoria dos Jogos?

Varoufakis: Sou obrigado a desapontar você, Roy [Nota do Editor:Roy Bailey foi professor de Varoufakis em Essex e orientador de sua tese para o PhD]. Como escrevi em coluna que o New York Timespublicou ["Não é hora para Jogos na Europa"] a Teoria dos Jogos jamais foi relevante. A teoria aplica-se a interações nas quais os motivos são exógenos; e o que interessa é fazer funcionar estratégias ótimas de blefe e ameaças críveis, considerada a informação disponível. Nossa tarefa era diferente: tratava-se de persuadir o "outro" lado a modificar sua motivação vis-à-vis a Grécia.

Eu representava uma nação pequena, que sofre duramente o seu já 6º ano de recessão profunda, sem alívio. Blefar com o destino do nosso povo teria sido atitude irresponsável. Não fiz isso. O que fizemos foi esboçar o que acreditamos que é posição razoável, consistente com nossos interesses. Depois, foi fincar pé e defender nossa posição. Quando a troika nos encurralou, quando me apresentaram umultimatum dia 25/6, pouco antes de forçarem o fechamento dos bancos gregos, analisamos cuidadosamente o que eles traziam e concluímos que não tínhamos nem mandato para aceitar aquilo (porque era economicamente inviável) nem para rejeitar aquilo (e criar um impasse com a Europa oficial). Foi quando decidimos por uma via terrivelmente radical: entregar a questão ao povo grego, para que decidisse.

Para lembrar: de um ponto de vista teórico, o "ponto de ameaça" em sua questão, refere-se à "ameaça" na "solução de barganha", de John Nash, que é baseada no axioma do não conflito entre as partes. Tragicamente, não tivemos o luxo desse pressuposto. 




Cristina Flesher Fominaya, University of Aberdeen
 - A negociação entre Grécia e UE parecia mais uma disputa entre democracia e bancos, que negociação entre a UE e um estado membro. Dado o resultado, há outras lições que você tenha extraído disso tudo, para outros partidos europeus que resistem contra os imperativos da política da austeridade?

Varoufakis: Permita-me reformular sua pergunta, noutras palavras. Foi uma disputa entre o direito dos credores, de governar nação membro devedora, e o direito democrático, da mesma nação, de se autogovernar. Você está certíssima: nunca houve qualquer negociação entre a UE e a Grécia como estado membro da UE. Estávamos tratando com a troika de emprestadores - FMI, Banco Central Europeu e uma Comissão Europeia completamente enfraquecida no contexto de um grupo informal, o Eurogrupo, em situação sem qualquer regra específica, sem atas do que se dizia ali, e completamente sob o tacão de um ministro de Finanças e da troika de emprestadores.

Além de tudo, a troika estava terrivelmente fragmentada, com muitas agendas contraditórias em andamento, e o resultado foi que os "termos da rendição" que nos impuseram eram, para dizer o mínimo, estranhos: um acordo imposto por credores que não descansaram enquanto não impuseram condições que garantem que nós, o devedor, jamais conseguiremos pagar o que devemos a eles. 

Por tudo isso, a principal lição a aprender desses últimos meses é que a política europeia nada tem a ver, sequer, com austeridade. Ou que, como Nicholas Kaldor escreveu em The New Statesman em 1971, toda e qualquer tentativa para construir uma união monetária antes de construir uma união política sempre resultará em sistema monetário horrível, que torna a união política muito, muito mais difícil. "Austeridade" e odioso "déficit de democracia" são simplesmente sinônimos. 




Panicos Demetriades, University of Leicester
 - Você chegou a preocupar-se com a possibilidade de que sua mensagem esteja sendo diluída, ou se enchendo de ruídos, ou, mesmo, que pode estarse tornando incoerente, por causa dessas muitas entrevistas?

Varoufakis: Sim. Lamentei muito várias entrevistas, especialmente quando os jornalistas envolvidos tomaram liberdades que eu não previra. Mas deixe-me dizer também que o "ruído" teria acontecido mesmo que eu desse muito menos entrevistas. A verdade é que o jogo da mídia foi fixado contra o nosso governo, e contra mim, pessoalmente, do modo mais inesperado e mais repulsivo. Todas as nossas propostas, moderadas e tecnicamente sofisticadas, foram ignoradas, e a mídia concentrou-se exclusivamente em detalhes triviais e ideias distorcidas. O único veículo que me restou foram entrevistas nas quais eu poderia, em certa medida, controlar o conteúdo. 

Tendo de operar com uma mídia cuja agenda intencional era produzir "ruídos" e beirava o assassinato de caráter, errei do lado da superexposição. 




Simon Wren-Lewis, University of Oxford
 - Uma França mais assertiva teria fornecido contrapeso mais efetivo dentro do Eurogrupo, na disputa contra a Alemanha? Ou a Alemanha sempre teve a maioria ao lado dela?

Varoufakis: O governo francês sente que tem uma mão fraca. Essedéficit permanece persistentemente dentro do território do assim chamado excessive deficit procedure da Comissão Europeia, o que põe Pierre Moscovici, comissário europeu para assuntos econômicos e financeiros, e ex-ministro das Finanças da França, na difícil posição de ser 'durão', porque Paris está na alça de mira de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha.

É bem verdade, que, como se diz, o Eurogrupo está completamente "conversado" por Schäuble. Mesmo assim, a França teve uma oportunidade para usar a crise grega com o objetivo de mudar as regras de um jogo que a França jamais vencerá. O governo francês, portanto, perdeu grande oportunidade para tornar-se sustentável dentro da moeda única. Resultado disso, eu temo, é que Paris logo se verá diante de regime muito mais duro, uma situação na qual, talvez, o presidente do Eurogrupo exigirá para ele poderes draconianos de veto contra o orçamento nacional do governo francês. 

Por quanto tempo, depois que isso acontecer, a União Europeia conseguirá sobreviver ao renascimento do nacionalismo mais torpe, por exemplo, na França? 




Kamal Munir, University of Cambridge
 - Você várias vezes deixou implícito que o que houve nas suas reuniões com a troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) só era econômico na superfície. Em plano mais profundo, o que se jogava ali era um jogo político. Não lhe parece que 'prestamos' um desserviço aos nossos alunos, ensinando uma economia tão flagrantemente descolada dessa realidade?

Varoufakis: Dar-me-ia por muito satisfeito se houvesse qualquer economia, pouca que fosse, naquelas reuniões com a troika! Mas nunca houve.

Até quando se discutiam variáveis econômicas, nunca havia análise econômica. As discussões esgotavam-se no nível das regras e das metas. Eu mesmo me percebia em discussões absolutamente 'de surdos', com meus interlocutores. Eles diziam, por exemplo "As regras do superávit primário especificam que o de vocês tem de ser de no mínimo 3,5% do PIB no médio prazo." E eu me punha a tentar um argumento econômico, sugeria que a tal regra tinha de ser modificada porque, por exemplo, a meta primária de 3,5% para 2018 deprimiria o crescimento de hoje, faria explodir a razão dívida/PIB imediatamente e, assim, esses 3,5% impedem, hoje, que se alcance a meta em 2018. Questão simples de economia. Para eles, era como se eu os estivesse insultando. Fui acusado de "pontificar" sobre macroeconomia. 

Sobre sua questão pedagógica: embora seja verdade que ensinamos aos alunos um tipo de economia construída para ser cega ao capitalismo realmente existente, permanece o fato de que nenhum tipo de pensamento sofisticado, nem a economia neoclássica, consegue chegar às partes do Eurogrupo que toma decisões de momento, sempre por trás de portas fechadas. 



Mariana Mazzucato, University of Sussex - Como a crise na Grécia (a causa e os efeitos dela) revelaram falhas da teoria econômica neoclássica no nível micro e no macro?

Varoufakis: Os não iniciados podem surpreender-se ao ouvir que os modelos macroeconômicos ensinados nas melhores universidades não incluem dívida acumulada, nada de desemprego involuntário e, de fato, nem dinheiro (com os preços relativos refletindo uma espécie de permuta). Salvo talvez para alguns choques randômicos em que se assume que oferta e demanda se acertam, os mais elegantes modelos ensinados aos alunos mais brilhantes assume que a poupança converte-se automaticamente em investimento produtivo, sem espaço para crises.

Fica difícil quando esses alunos se veem face a face com a realidade. Ficam perdidos, por exemplo, quando veem que a poupança alemã permanentemente excede o investimento alemão, enquanto o investimento grego excede a poupança durante "os bons tempos" (antes de 2008), mas cai a zero durante a crise.

Passando para o nível micro, a observação de que, no caso da Grécia, os salários reais caíram 40% mas o emprego desabou rapidamente, com as exportações paradas, ilustra em Technicolor o quando é inútil uma abordagem microeconômica que não tenha fundações macro.



Tim Bale, Queen Mary University of London - Você vê similaridades entre você e Jeremy Corbyn, que parece que talvez chegue à liderança do Partido Labour [Reino Unido]? E você acha que partido populista de esquerda é capaz de vencer eleição sob o sistema first-past-the-post?

Varoufakis: Uma semelhança que me sinto à vontade para mencionar é que Corbyn e eu, provavelmente, estivemos em muitos manifestações contra o governo Tory quando em vivia na Grã-Bretanha nos anos 1970s e 1980s; e que temos muitas ideias comuns sobre a calamidade que desabou sobre os trabalhadores britânicos, quando o poder passou, da manufatura, para a finança. Mas todas as demais comparações são prematuras.

O Syriza foi um partido radical da Esquerda que obteve pouco mais de4% dos votos em 2009. Nossa incrível ascensão foi devida ao colapso do "centro" político causado pela insatisfação popular ante a Grande Depressão devida à moeda única que jamais foi prevista para sustentar uma crise global, e pelas potências que insistiam em negar que assim fosse. 

A flexibilidade muito maior que o Banco da Inglaterra garantiu aos governos britânicos de Gordon Brown e David Cameron impediu o tipo de implosão socioeconômica que levou o Syriza ao poder, e, nesse sentido, pode-se dizer que um partido de esquerda radical igualmente em ascensão é muito improvável na Grã-Bretanha. De fato, a própria história e a dinâmica interna do Partido Labour, tenho certeza, constrangerão um Jeremy Corbyn vitorioso, de modo que não se viu no Syriza.

Voltando ao sistema first-past-the-post, se fosse aplicado aqui na Grécia, teria dado ao nosso partido maioria esmagadora no Parlamento. Portanto, não é verdade que os fracassos eleitorais doLabour sejam devidas a esse sistema.

Por fim, permita-me recomendar cautela com a palavra "populista". O Syriza não apresentou aos eleitores gregos uma agenda populista. "Populistas" tentam ser tudo para todo mundo. Os benefícios que prometemos estendiam-se só aos que ganham menos de £500 por mês. Se quiser ser popular, o Labour também não tem recursos para ser populista.


Mark Taylor, University of Warwick - Você concordaria que a Grécia não atende os critérios para ser membro bem-sucedido de uma união monetária com o resto da Europa? Não seria melhor sair agora, em vez de simplesmente dar uma demão de tinta nas rachaduras e esperar que outra crise econômica grega aconteça dentro de uns poucos anos?

Varoufakis: A Eurozona foi desenhada de tal modo que até França e Itália podem dar-se mal dentro dela. Sob o desenho institucional que há hoje, só a união monetária ao leste do Reno e ao norte dos Alpes seria sustentável. Infelizmente, essa seria uma união sem qualquer serventia para a Alemanha, porque não protegeria a Alemanha de constantes reavaliações em resposta aos seus superávits comerciais.

Mas, se por "critérios" você se refere aos limites de Maastricht, é claro, sem dúvida, que a Grécia não atende os tais "critérios". Mas, volto ao assunto, nem Itália nem Bélgica os atendem. Ao contrário, Espanha e Irlanda atendiam os critérios e, na verdade, em 2007, os governos de Madrid e Dublin estavam registrando déficit, dívida e números de inflação que, segundo os critérios oficiais eram melhores que os da Alemanha. E então a crise veio, e Espanha e Irlanda afundaram no pântano. Em resumo: a Eurozona foi muito mal desenhada para qualquer um. Não só para a Grécia.

Deveríamos cortar nossas perdas e cair fora? Para responder adequadamente é preciso dar conta da diferença entre (i) dizer que a Grécia, e outros países, não deveriam ter entrado para a Eurozona; e (ii) dizer que agora devemos sair. Dito tecnicamente, temos um caso de histerese: depois de a nação tomar a trilha para a Eurozona, aquela trilha desapareceu (depois da criação do euro); qualquer tentativa para voltar atrás pela trilha (agora inexistente) pode levar a uma queda de um alto despenhadeiro.*****

 

27/8/2015, c/ transcrição no Blog de Yanis Varoufakis

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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