Europa, periferias e desastres periféricos

Europa, periferias e desastres periféricos

1 - Elementos de enquadramento de um capitalismo subalterno

Historicamente, Portugal nunca teve um capitalismo empreendedor, moderno e isso confirma-se hoje, sobretudo depois da safra privatizadora final[1], imposta pelatroika e do subsequente desabar do já pequeno sector financeiro detido por portugueses. Após essa forçada "internacionalização" do tecido económico, na aplicação das sempre nebulosas e inacabadas "medidas estruturais",

1 -acentua-se a dependência do empresariato sobrante, face aos apoios públicos e aos fundos comunitários, nos quais o cumprimento de requisitos (vistoriados pela UE) é agora mais exigente do que nas décadas de 80 e 90, quando se observou um insano e improdutivo uso desses fundos, através da utilização do favor político e da corrupção, no seio do costumeiro conluio entre o empresariato luso e a classe política;

2 -fixa-se ainda mais a dedicação a atividades pouco exigentes de qualificação, com trabalhadores atomizados, com baixos salários, vínculos precários e ausência de direitos, beneficiando de um aparelho sindical anémico, dependente da concertação social para ter visibilidade, após a saída de cena das negociações coletivas, como imposto pelo neoliberalismo desde a sua aplicação prática.

Quanto mais fundo é o fosso, mais difícil e exigente é o esforço da saída.

Como a Inglaterra foi vetada de entrar na CEE inicial, surgiu, sob a sua batuta a EFTA, onde Portugal se integrou, naturalmente. Em 1972, na iminência da adesão inglesa à CEE, Portugal celebrou um acordo com esta última, dado o peso das relações comerciais com a Inglaterra e a Dinamarca. A integração portuguesa na CEE alterou fortemente o padrão das relações comerciais que se vieram a polarizar em Espanha e na Alemanha, para além das áreas que vieram a preencher essa integração, como os fundos comunitários, a moeda única, etc; isso, porém, sempre no contexto de desigualdades políticas e económicas estruturais, antigas, geridas pela oligarquia bruxelense, em consonância com os lobbies que a utilizam, bem como dos governos dos principais países que veiculam os interesses dos seus campeões nacionais.

A estreita e economicista visão existente nas altas esferas de Bruxelas, comungada pelas oligarquias nacionais, baseia-se em quatro pontos essenciais:

1 - Existe uma grande preocupação em salvar os "mercados financeiros" como instrumentos de criação acelerada de capital-dinheiro o qual, jamais se dirige para o investimento produtivo, a não ser de forma temporária e destrutiva protagonizada por fundos abutres. Essa acumulação de capital-dinheiro exige o engrossar de cascatas de dívida, que capturam pessoas e estados para o seu pagamento, sabendo-se que uma crise financeira acabará por destruir esse capital mutuado, por não haver capacidade de, alguma vez, ser reembolsado; mesmo admitindo que isso terá algum pingo de legitimidade a qual só somente existe nas dívidas constituídas para incremento do bem-estar dos povos.

A preocupação com a salvaguarda dos interesses do capital financeiro, especulativo e parasita é tal que as dificuldades dos bancos são colmatadas parcialmente com o dinheiro dos impostos, dos estados nacionais (ver caso português[2]), num género de socialização de perdas; isto só é possível porque a democracia está capturada pelos funcionários do sistema financeiro e das multinacionais e daí que os povos não o tenham podido evitar, no actual contexto não-democrático. E isso é ainda mais ínvio porque esse onerar das contas públicas dos estados nacionais não se coaduna com o caráter global do sistema financeiro; este, dedica-se, através das classes políticas, a repartir essas perdas pelos estados que, para este efeito, são individualizados. No caso da UE, há um BCE que em vez de assumir as suas funções de gestor e abastecedor do sistema financeiro (parcialmente) comunitário - admitindo que este exista - endossa as dificuldades dos bancos para os locais onde têm as suas sedes.

2 -Sublinha-se o esforço exportador como salvação para a atividade económica, com todas as forças e medidas colocadas nesse sentido, dando-se como certo que existem sempre países ou economias onde esse esforço é complementado por uma grande propensão importadora e que, no conjunto, assim se equilibra a economia global. Admite-se, por axioma, que o mercado é tanto mais eficiente quanto mais alargado e concorrencial, embora a existência de monopólios, preços manipulados e adulteração da qualidade negue essa crença (veja-se o recente caso da indústria automóvel). As fortes discrepâncias nas condições de trabalho, de equipamento e formação de lucros, nos factores de contexto, bem como a interferência do sistema financeiro, ou das imposições políticas, demonstram que a eficiência do mercado é uma ficção. Na realidade, todos procuram exportar, exportar sem curarem de entender que isso exige que alguém importe, importe... Uma lógica meridianamente sem futuro, doentia, com efeitos desastrosos no ambiente, que induz luta desenfreada por recursos e mercados, desequilíbrios comerciais e financeiros, colmatados por dívida e países ou camadas sociais ricas a par de outros em regressão e pobreza.

3 - Para se exportar, exige-se competitividade e esta, não vem privilegiando aumentos de produtividade resultantes de inovação tecnológica mas, sobretudo, poupanças nos custos do trabalho. Essas poupanças desenrolam-se de várias formas; deslocalizando a produção de componentes para áreas do globo onde os salários são mais baixos, onde os direitos ambientais não são respeitados, onde as jornadas de trabalho são mais longas e os direitos laborais ignorados. Esta aposta em baixos custos do trabalho, por sua vez, resulta da baixa combatividade inerente à alta desorganização dos trabalhadores, incapazes não só de fortes contestações a nível nacional como, sobretudo, de se concertarem internacionalmente, ultrapassando os quadros nacionais, acompanhando a internacionalização do capital com a sua própria internacionalização.

Nesse contexto, exige-se a cada indivíduo que seja competitivo, que se esforce mais e mais, que se encha de empreendedorismo e se torne um empresário em nome individual - assim considerado pelo poder, pela administração fiscal, pela segurança social - o que disfarça uma situação real de trabalho precário e dependente, perante a qual os capitalistas não assumem qualquer obrigação ou responsabilidade.

Como em todos os países essa lógica prepondera, o custo efetivo do trabalho baixa por unidade de tempo e por unidade de valor criada, aumentando, por consequência, o quinhão que é repartido pelo capitalista, pelo sistema financeiro que o financia, pelo Estado predador que exerce a punção fiscal e constrói a arquitetura regulatória e repressiva. Esse rebaixamento do preço do trabalho coexiste com milhões de desempregados, com pessoas com dois ou três empregos, numa verdadeira escravatura; e relaciona-se com a sobrevalorização das fronteiras para que se gerem bolsas de imigrados, sem-papéis que, pelos níveis de salário e de marginalidade contribuem para o rebaixamento global do preço do trabalho. De facto, essa é a função oculta dos nacionalistas, sobrevalorizar a importância das fronteiras para fornecer trabalho barato aos capitalistas.

4 - A esta arquitetura económica que se tornou obrigatória e cuja recusa provoca acusações de irrealismo ou esquerdismo, junta-se também outra evidência, obviamente inscrita nas estrelas como destino final da Humanidade - a chamadademocracia representativa; que admite muitas nuances, que aceita todas as configurações práticas, desde que haja eleições e parlamento, não se cuidando de muitos outros aspectos que de facto, negam a democracia e a representação.

Por um lado, multiplicam-se as estruturas globais ou regionais de caráter supra-estatal, de enquadramento das profundas desigualdades entre os estados componentes e que a "velha" ONU ou o FMI bem cedo sedimentaram. Noutras situações, assumem particular importância corpos de funcionários, burocracias, hierarquizadas como são todas as burocracias, consoante o peso político ou económico do estado membro de onde provêm, sem prejuízo da sua própria criatividade, como será o caso da UE e da Comissão Europeia em particular.

Essas estruturas multiplicam-se e fazem parte de um processo aglutinador que vai esvaziando de funções os estados-nação, mormente pequenos e médios cuja soberania, nos tempos atuais, nada tem de semelhante à dos tempos das fronteiras, bem demarcadas e guardadas, com forças armadas, moeda, oligarquias económicas próprias, hino e bandeira. Um processo que acompanha a globalização histórica, que é perturbada, enviezada pelo capitalismo e que tende a diluir os orgulhos patrióticos e excludentes do Outro, num processo lento que não vai evitando os lepenismos de várias latitudes.

Essas estruturas emitem, no caso concreto da UE, bulas para aplicação pelas classes políticas nacionais, que sobrevivem do mesmo modelo, gerindo o pote e encenando uma "democracia" para manter os povos serenos, na esperança de que os amanhãs cantarão. Essa ladainha visa manter a normalidade dos negócios para o que é essencial, povos desabituados de contestar mas viciados em obedecer, que vão acreditando em próximas eleições, dentro de sistemas políticos corruptos, onde vão emergindo verdadeiros idiotas como Hollande ou Passos e entes com vocação de verdugos fascistas como LePen, Farage, Wilders, Orban, Netanyahou, Erdogan, etc; para além dos que acumulam ambas as caraterísticas, como Trump.

Ler original na íntegra

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
X