Impasse e conversas no ar, em Milão

Ainda estão chegando notícias da reunião de Milão, mas já é claro que não houve qualquer avanço e que a crise ucraniana permenece em impasse. Poroshenko disse que teriam sido definidos os "parâmetros" de um acordo para o gás, mas parece que nada disso sequer se aproxima da verdade.


18/10/2014, Alexander Mercouris, in (novo) Vineyard of the Saker
http://www.thesaker.net/russia/alexander-mercouris-deadlock-and-gas-talks-in-milan/


O comentário mais absurdo do dia veio de van Rompuy, que falou de "progressos", porque Putin teria dito que não deseja um conflito congelado na Ucrânia ou que o leste da Ucrânia torne-se outra Transdniestria. Para ver o absurdo desse 'comentário' basta imaginar Putin a dizer solenemente aos europeus o contrário: que quer um conflito congelado na Ucrânia e que o leste da Ucrânia torne-se outra Transdniestria!

Não é a primeira vez que se vê Putin como um grande homem cercado de homúnculos.

Como me parece, a ideia de um café da manhã para reunir Putin e líderes europeus partiu de Merkel. Com as economias alemã e europeia afundando, em parte por causa das sanções que ela própria impôs, Merkel precisa que a crise chegue ao fim. Ao mesmo tempo, continua muito temerosa de assumir o lado dos EUA e de seus alidado europeus, os Atlanticistas, dentro da Alemanha. Assim sendo, espera que Putin a tire da enrascada em que ela própria se meteu. Porém, porque absolutamente não está preparada para enfrentar os EUA e seus aliados ou os Atlanticistas, Merkel quer que Putin, para salvá-la da confusão em que está, capitule e desista de todas as suas [de Putin] demandas. Está tentando fazer isso com 'pressão' aplicada a Putin (o tal café da manhã foi organizado exclusivamente para essa finalidade). No final, parecia furiosíssima, quando o 'plano' não funcionou.

Acostumada a abusar de outros líderes europeus e sempre se safar, é como se Merkel, quando tem de enfrentar alguém do tamanho dela, fique sem saber o que fazer. Faz-me lembrar Obama, que saiu da sala também furioso e desorientado, depois de ter de encarar Putin, há dois anos, numa reunião na qual discutiram a crise síria.

Fato é que, enquanto a economia europeia e alemã afunda, a economia russa continua a crescer, apesar de os preços do petróleo terem caído, enquanto ganha impulso a desintegração da Ucrânia. Na política, na diplomacia e na guerra é indispensável saber quando bater em retirada, antes de que a situação degenere completamente. Os europeus não dão sinais de ter essa competência ou essa compreensão; significa que estamos de cara para confusão grave.

As conversações sobre gás, em Milão

Já há mais informação sobre as conversações do gás em Milão e o quadro que pintam é bem feio.

Já desde junho os russos dizem que o preço contratual do gás a ser fornecido à Ucrânia é de $485/1000, mas que estão preparados para oferecer desconto temporário de $100/1000, o que reduziria o preço do gás fornecido à Ucrânia nesse inverno para $385/1000 - sob a condição de que a Ucrânia pague a conta atrasada e pague adiantado pelo gás que comprar.

Os russos nunca alteraram essa posição. Os ucranianos nunca pararam de rejeitar completamente a proposta.

Parece-me que a posição dos ucranianos é de que o preço "correto" para o gás russo seriam os $269/1000 que Yanukovitch obteve graças aos descontos que negociou com Putin em dezembro passado. Os ucranianos insistem que todos os atrasados devam ser recalculados por esse preço; e que só considerarão a possibilidade de pagar o que devem depois desse novo cálculo. Durante as negociações, sob pressão dos europeus, disseram que aceitariam pagar preço superior, temporariamente (alguma coisa como $320/1000), até que a disputa seja resolvida. Mas insistem que pagamentos feitos durante a vigência desse preço sejam considerados como pagamento por gás 'novo', a ser fornecido por esse preço, não como pagamento de atrasados.

Não vou discutir aqui em detalhes a posição perfeitamente absurda dos ucranianos sobre um preço 'correto', que ameaça até um preço com desconto oferecido a Yanukovitch em troca de condições que a Ucrânia nunca cumpriu; e que é apresentado como se pudesse substituir preço fixado em contrato legal e vigente. Creio que ninguém, além de alguns ucranianos, acredita nessa 'correção'. Os europeus com certeza sabem que nada há aí de 'correto'.

Seja como for, e voltando ao que aconteceu em Milão, um dos maiores mistérios, para mim, sobre os políticos ucranianos, é que, por mais durões que se mostrem em público contra a Rússia, no momento em que têm de realmente negociar com Putin frente a frente as questões do gás, todos eles imediatamente esquecem toda a esperteza e convertem-se em negociadores espetacularmente péssimos. Já aconteceu com Tymoshenko em 2009; e estamos vendo acontecer outra vez, com Poroshenko, em Milão.

Resumindo, no começo do dia Poroshenko disse que já haveria acordo sobre "os parâmetros" de um acordo de gás com a Rússia. Foi o que bastou para uma rápida onda de manchetes esperançosas, incluindo declaração de Hollande, de que os dois lados já teriam praticamente superado todas as diferenças.

Conforme o dia avançou, entendeu-se que os "parâmetros" que Poroshenko dizia que teriam sido acordados com a Rússia eram os mesmos da proposta russa original. Em outras palavras: Poroshenko capitulou, talvez sem nem perceber o que fizera, ante o que Putin o mandou fazer.

Putin até disse que a única questão ainda remanescente é como a Ucrânia obterá o dinheiro para pagar pelas obrigações que acabara de assumir. Sugeriu que que os europeus pagassem pelo gás ucraniano e pelos atrasados, ou diretamente ou valendo-se de mais um empréstimo pelo FMI. É algo que os europeus, vale lembrar, sempre se recusaram a fazer.

Até que, afinal, Poroshenko parece ter compreendido que os tais "parâmetros" com os quais ele concordara eram, simplesmente, o que a Rússia sempre exigira. Então, sua reação foi sair furioso da sala onde estivera em reunião arranjada às pressas com Putin, e anunciar que não, não havia acordo algum sobre "parâmetro" algum.

Putin, por sua vez, só faz não arredar pé da posição dos russos, e anunciou publicamente que a Rússia não fornecerá gás à Ucrânia para receber a crédito (que é, afinal, a única coisa que se lê na 'contraproposta' dos ucranianos)propõe na what the Ukrainian counter proposals amount to), e que essa posição dos russos "é a última palavra".

O que se vê pois é um impasse, sem progresso algum, apesar das manchetes que circularam durante o dia. Poroshenko só fez aparecer como perfeito idiota ante os presidentes europeus e asiáticos; e as conversações sobre gás, agendadas para 21/10/2014, só ficaram mais difíceis.

Antes de partir para Milão, Putin disse que a Rússia reduziria o volume de gás bombeado através da Ucrânia, caso a Ucrânia começasse a roubar gás destinado a outros clientes. É o que a Rússia fez em 2009, e não tenho dúvidas de que fará novamente. A menos que os europeus deem um ultimato a Poroshenko e o forcem a aceitar a oferta dos russos, o que se vê pela frente é redução no fornecimento. *****

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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